Como conseguir que os dados façam sentido
Se você acumulou uma grande quantidade de dados qualitativos e não sabe o que fazer, não se preocupe. Excesso de dados pode ser tão ruim quanto não ter dado algum, mas algumas técnicas ajudam a tirar proveito do caos informacional. Contudo, tenha em mente que os dados não são conhecimento. Os resultados vêm somente depois da análise dos dados e nenhuma ferramenta fará isso sozinha por você.
Comece já sua análise pelo projeto de pesquisa
- Defina seus objetivos, métodos, ferramentas e público tendo em mente como seus dados relacionam com esses elementos.
- Não faça metas inatingíveis, nem use métodos obscuros, evite ferramentas com as quais você não esteja familiarizado, ache equilíbrio com seu público: não subestime sua inteligência ou use empregue tecnicalidades obscuras demais.
- Pondere o quanto você vai se aprofundar: mantenha-se no nível de análise que você precisa.
- Crie um passo-a-passo e estabeleça marcos para verificar seu progresso.
- Tenha em mãos as referências em teoria, definições-chave e datas.
- Refaça sua revisão bibliográfica: verifique o que foi feito antes e o que está se discutindo atualmente sobre seu tópico.
Pesquisa qualitativa é eminemente texto
- Torne em texto suas anotações, transcrições de entrevistas, observações, notas de leituras, dados estatístico.
- Escolha qual abordagem de leitura e análise textual a utilizar: análise de conteúdo, retórica clássica ou neo-aristotélica, análise do discurso, ou outra.
- Escolha qual paradigma de crítica de leitura a adotar: formalista, psicológica, sociológica, cultural studies, subalterna, pós-moderna, retórica, reader-response, pesquisa narrativa, pesquisa-ação, queer, crítica de gênero, dentre outros. Mas que seja um paradigma com qual tenha domínio.
Raciocine claramente
- Defina que tipo de raciocínio epistemológico você emprega em seu estudo: a priori ou a posteriori.
- Se você já tem uma estrutura teórica (terminologia, um método de conjunto, uma hipótese explicativa), então você está fazendo uma dedução a partir dos dados. Então, coteje seus dados com a teoria e teste as hipóteses.
- Se você não tem (ou sabe) uma teoria, siga o procedimento indutivo. Levante o que você tem, então formule sua hipótese, teste-as e elabore uma teoria. Depois disso, não se esqueça de verificar se sua teoria recentemente encontrada não foi proposta antes.
- Se estiver no meio dos polos dedutivo e indutivo, talvez seja melhor considerar um raciocínio abductivo. Visite e revisite seus dados e teorias. Com base neles, crie livremente modelos representativos ou explicativos. Pelo princípio de falseabilidade e verificabilidade rejeite modelos implausíveis.
Aprenda a fazer perguntas
- Teoricamente sua questão de pesquisa e objetivos já foram definidos em seu projeto, mas na prática, ao coletar os dados as coisas podem tomar outro rumo. Portanto, esteja preparado para questionar.
- Se lembra de quando foi a última prova na escola cuja tarefa era formular uma pergunta? Provavelmente nunca. Normalmente você só precisava se preocupar em respondê-las. Agora é hora de levantar questões. E não precisa ser de cara questões profundas, pois até mesmo os simplórios podem levantar a questões pertinentes.
- Empregue a técnica do brainstorming: liste questões livremente a medida em que derem na telha. Depois separe as que são relevantes.
- Caso ainda não consiga elaborar uma questão digna, consulte boas literaturas (teses, dissertações e artigos recentes) sobre o tema e veja as questões de pesquisas, limitações e lacunas apontadas na introdução e conclusão.
Dividir e conquistar
- Entenda que dados brutos por si só são agregados inúteis.
- Reduza seus dados para uma unidade analítica, como em uma frase.
- Crie clusters (aglomerados), categorias, separe, corte dados desnecessários, segmente sua população, destaque amostras representativas e àquelas fora da curva.
- Etiquete, codifique, nomeie sua unidade de dados ou categorias.
- Organize, filtre, classifique seus dados.
- Crie tipos ideais, personas e modelos operacionais, mas não os reifique
- Esboce modelos de essência, redução ou construção, mas não esqueça que eles não são reais. Ou seja, também não os reifique.
- Separe fenômenos de agência em contraste com estrutura; função e substância; coesão e conflito; artefatos ou materialidade e componentes ideais.
Análise diacrônica
- Análise diacrônica é um filme: o foco deve ser em um só objeto e acompanhar suas transformações em fluxo.
- Distribua seus dados ao longo de uma linha cronológica.
- Desenhe cronogramas e fluxogramas dos principais eventos, pessoas, períodos e processos.
- Enfoque em uma análise de causalidade, processo ou parâmetro.
- Forneça provas de continuidade e rupturas.
- Explique as relações de causa e consequência.
- Mapeie parâmetros e fatores em que as transformações ocorrem.
- Cuidado com a falácia post hoc (de post hoc ergo propter hoc, em latim para “depois disso, portanto, por causa disso”), pois a correlação não implica causalidade.
Análise Sincrônica
- Análise sincrônica é uma fotografia panorâmica: deve-se pegar o máximo de detalhes possíveis e ligar as relações entre eles em um cenário estático.
- Familiarize-se com o contexto.
- Enfoque em tipos, parâmetros, discursos ou representações.
- Quais são os temas mais notáveis e recorrentes?
- O que está explícito, tácito, “naturalizado” e oculto?
- Quais são os interesses, as relações de poder e as estruturas?
- Quais sãos os tópicos mais frequentes?
- Compare (o que é semelhante?) e contraste (o que é diferente?)
- Crie um presente etnográfico (ideal).
- Teste micro, meso e macro-visualizações e mantenha a perspectiva mais adequada para sua pesquisa.
- Esboce as relações sistêmicas, estruturais e processuais entre as diferentes unidades de análise e os níveis de pesquisa.
Estudo de caso: o típico e o anormal
- O que é geral? O que é exceção?
- Procure o caso mais extremo.
- Procure o caso mais comum.
- Examine os detalhes mais estranhos.
- Aprofunde exaustivamente em tudo relacionado com o caso.
- Corte os dados desnecessários aplicando a navalha de Occam.
- Ainda sobre cortar, aplique a lei ou guilhotina de Hume, distinga o caso real e o ideal, o ser e o dever-ser.
Análise emic-etic
- Alterne a perspectiva de seus dados a partir dos pontos de vista interno (emic) e externo (etic) da comunidade pesquisada.
- Quais sãos os termos, interpretações, conhecimento tácito, temas tabus da comunidade interna?
- Como a comunidade externa percebe esses mesmos dados?
Distinga entre interpretação e explicação
- Interpretação é tornar inteligível ou entender os dados (conceituar as informações). É discernir o que se emerge dos dados e suas implicações.
- Explicação é organizar os dados em uma linguagem coerente (verbalizar as informações) para estabelecer relações de causalidade, correlação, parâmetros ou intensidade de algum elemento.
Visualize
- Brinque com gráficos: desenhe mapas, esquemas, tabelas, mapas mentais, diagramas, infográficos, diagramas de Venn, dentre outros.
- Enche sua parede de post-its.
- Cuidado com as lacunas, a assimetria e a repetição: a distribuição de dados diz muito.
- Ligue os dados de análise entre si e para a imagem maior.
- Use um software de computador para análise qualitativa, como o NVivo ou o Atlas.ti.
- Ferramentas Voyant ou Open Code também ajudam, bem como os onipresentes Word ou Excel.
- Tenha em mente o todo, bem como as partes.
Refine seus termos
- Aprenda a etimologia dos termos, examine as mudanças semânticas ao longo da história e em diferentes contextos, para evitar a falácia etimológica.
- Desenhe mapas semânticos.
- Veja como o termo é entendido em outros idiomas.
- Verifique os diferentes usos para as palavras-chave.
- Liste metáforas, eufemismos, metonímias e ironias.
- Aprenda o jargão.
- Seja fluente em usar cada nuance pertinente.
- Seja crítico como esses termos aparecem em teóricos e suas fontes.
- O que está implícito? Se algo é dado como certo, pode ser valioso.
- O que foi deliberadamente explícito, deixado tácito ou evitado?
- Aplicar princípios da hermenêutica, da retórica, bem como da análise do discurso, da análise conteúdo e da análise semiótica.
Respeite suas limitações
- Veja o que você pode provar e o que você não pode. E a razão disso. Isso faz parte do princípio da falseabilidade.
- Admita o erro. Você acabou de eliminar uma hipótese sem saída.
- Mantenha um registro de seus erros. Caso contrário, você poderá repeti-los sem perceber.
- Não tente adoçar o oceano: experimente somente peças pequenas, mas representativas.
- Mapeie seu viés, assim será capaz de distinguir os fatos de sua fonte e de sua opinião.
Verifique seus dados
- Crie modelos coerentes.
- Avalie a credibilidade, validade e confiabilidade da fonte e dos dados.
- Esteja ciente da tonalidade e emoção em cada frase.
- Faça analogias com seus dados em diferentes cenários.
- Verifique se suas reivindicações são verificáveis.
- Aplique a navalha de Occam: a explicação mais simples, melhor.
Seja logicamente sólido
- Codifique seu argumento em forma de silogismo.
- Verifique se o seu argumento é verdadeiro ou falso.
- Veja se o seu argumento é necessário ou contingente.
- Atreva-se a usar outras lógicas não clássicas avançadas, como a lógica fuzzy.
- Diferencie entre função e finalidade.
- Verifique se o seu argumento não é uma falácia ou esconde uma dissonância cognitiva.
Faça triangulações
- Discuta seus dados, hipóteses, descobertas e teorias com todos: sua mãe, o motorista do ônibus, seu orientador de tese.
- Todo feedback é bem-vindo.
- Não tenha medo de números: use a análise estatística em um método misto.
- Tudo o que não esteja inteligível não foi analisado de modo suficiente. Contudo, não há respostas para tudo, porém o problema resultante deve estar claro.
Fique à vontade com contingência e ambiguidade
- Nem tudo na vida tem uma resposta clara. Sua resposta pode ser algo entre 1 e 9, em vez de 5.65645196435323 e fique feliz por ter chegado a uma resposta.
- Aceite que um tipo ideal não terá um representante igual no mundo tangível.
- Mas esteja pronto para explicar por que sua resposta está em um intervalo e não em uma unidade exata.
Redação
- Mantenha anotações o tempo todo.
- Relate aquilo que já sabia antes, narre o processo de análise, apresente suas descobertas e conte como você (ou a sua compreensão mudou) ao longo da análise.
- Use algum gerenciador como Mendeley, Citavi ou Zotero para uma citação e referência apropriadas.
- Utilize um editor de textos bom. O Word e o Scrivener são os mais recomendados.
- Revise tanto a linguagem, o conteúdo, as citações e referências.
- Não hesite em recomeçar um texto do zero.
- Envie seu rascunho a seus colegas para lerem e criticarem antes de enviá-lo para publicação.