Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. Carl Gustav Jung
Encontrar uma abordagem teórica que direcione uma pesquisa nas ciências sociais é um desafio tanto para investigadores iniciantes quanto para os experientes. O pesquisador pode ter suas preferências (e vieses) teóricas, mas por vezes o objeto, o objetivo e o foco do estudo demandam um diferente ponto de vista com maior poder explicativo. Pressupostos escondidos do não iniciado, terminologias com nuances distintas, literatura obsoleta são fatores que fazem de cada projeto de pesquisa um verdadeiro novo curso para o cientista social. Isso tudo antes de coletar e analisar os dados.
Como ainda não há uma tabela periódica das teorias, aqui estão as principais. Selecionei algumas teorias mais representativas atualmente em uso, especialmente aquelas que desrespeitam as fronteiras entre as diferentes ciências sociais.
As teorias abaixo são tipos ideais, reduzindo as particularidades existentes sob cada paradigma. Nem todas são originalmente teorias das ciências sociais, algumas têm base nas humanidades. Portanto, são para serem usadas com critério: não dá para usar a microbiologia em uma única espécie de árvore para generalizar a dinâmica ecológica de uma floresta inteira. Cada pesquisa requer um design apropriado. Por vezes, uma teoria cabe em duas categorias. Por exemplo, a teoria da práxis considera tanto a agência quanto a estrutura. Como resultado dessa complexidade, as teorias são apresentadas em contraste entre si.
Uma analogia geográfica sucinta explica a relação entre ontologia, epistemologia e os paradigmas das ciências sociais. A ontologia delimita o ser, como um dado território (o modo pelo qual delimitamos uma área e a configuramos como um território). Os meios de conhecê-lo (não a respeito de métodos e instrumentos, mas em questão de percepções) seria a epistemologia, incluindo as projeções. Os paradigmas definiriam qual aspecto considerar. Os diferentes paradigmas seriam os diferentes mapas temáticos, tais como mapas de relevo, demográfico, ambiental ou político.
Por vezes, uma teoria cabe a mais de uma categoria e há sua versão distinta para ontologia, epistemologia, metodologia, método, técnicas de investigação e métodos de análise. Por essa razão, antes de listar as perspectivas teóricas, há uma rápida passagem pelas principais teorias em ontologia e epistemologia dos fenômenos sociais.
Inicialmente, é necessário ter consciência de como se constitui a realidade e como ela é percebida. As principais perspectivas ontológicas apresentam-se nas seguintes oposições:
- Racionalismo x empirismo
- Idealismo x materialismo
- Realismo x nominalismo x conceptualismo
- Singularidade x multiplicidade da realidade social
- Dependência da agência x realidade independente de agência
Outra maneira de conceptualizar as ontologias sociais é utilizar uma matriz:
Uma vez determinados os pressupostos da realidade, deve-se ter consciência de como seria possível conhecê-la. As principais abordagens epistemológicas são as abaixo
Objetivismo
- Positivismo
- Pós-positivismo
- Realismo crítico
- Racionalismo crítico
Subjetivismo
- Neokantismo
- Pós-Kantismo (Fries-Nelson)
- Teorias críticas
- Pós-subjetivismo
- Pós-modernismo
Interpretativismo
- Fenomenologia
- Hermenêutica
- Pesquisa narrativa
- Neo-retórica
- Interacionismo simbólico
- Antropologia simbólica e interpretativa
Construtivismo
- Interacionismo simbólico (yeap, interseção com o interpretativismo)
- Pragmatismo
- Inquirição naturalística e realismo naturalista
- Grounded-theory
- Etnociência e etnometodologia
- Construção Social da Realidade
Dialética
- Neohegelianismo
- Materialismo histórico, teorias marxistas
- Teorias críticas
- Psicodinâmica, psicanálise
- Modernismo e Pós-modernismo
Modos de representação da realidade
Além dessas abordagens teóricas, há três modos epistemológicos de compreender e representar a realidade considerando principalmente a complexidade de sua ontologia com conceitos. A criação de conceitos leva em conta esses modos ideais:
PERSPECTIVAS TEÓRICAS
Teorias centradas na agência e na estrutura
A questão agência x estrutura é central nos estudos sociais. Agência é a capacidade de iniciativa de agir com propósito e volição, influenciando o mundo externo a si. A estrutura considera principalmente as configurações inorgânicas, orgânicas e superorgânicas como relevantes para providenciar o contexto das ações individuais.
Seria mais acurado distribuir esses paradigmas em um contínuo. Em um polo estaria a agência, como a escolha racional; no centro a combinação dessas duas dimensões, como a teoria da práxis (Bourdieu) ou da estruturação (Giddens); e em outro polo a estrutura, o estruturalismo de Lévi-Strauss.
AGÊNCIA
- Teorias marxistas, Escola de Frankfurt, marxismo estrutural (quando considerando o indivíduo. Mais Marcuse e menos Althusser).
- Teorias feministas, teorias queer e teorias de gênero
- Existencialismo
- Teoria da estruturação
- Interacionismo simbólicoe interacionismo social
- Estudos subalternos, pós-colonialismo, estudos culturais
- New historicism
- Microhistória
- Pensamentos de Foucault, De Certeau, Bourdieu e Žižek
- Etnometodologia, Teoria Fundamentada (Grounded Theory)
- Fenomenologia
- Teoria do sistema-mundo (quando enfocando os atores globais)
- Economia política (quando enfocando os atores)
- Teorias da resistência
- Transacionalismo
- Teoria ator-rede
- Escola de Palo Alto
- Filosofia política de Strauss, Voegelin e Arendt
- Utilitarismo
- Escolha racional, teoria das trocas
- Escola austríaca de economia, marginalismo
- Economia neoclássica, microeconomia
- Psicanálise de Lacan, Adler
- Pós-estruturalismo, Deconstrução
- Teoria do discurso (Foucault, Pêcheux)
- Teoria da Práxis (Bourdieu)
ESTRUTURA
- Funcionalismo, estrutural-funcionalismo
- Teoria da estruturação (Giddens)
- Teorias marxistas, Escola de Frankfurt, marxismo estrutural (quando considerando classes. Mais Althusser e menos Marcuse).
- Gramsci
- Nova Economia Institucional
- Teoria da dependência e do sistema-mundo
- Comunitarismo
- Teoria dos sistemas, cibernética, teoria da contingência
- Escola dos Annales
- Desejo-crença-oportunidade (Hedstrom)
- Psicanálise freudiana e junguiana
- Estruturalismo
- Virada Ontológica, perspectivismo
- Racionalidade prática relaxada (Sen)
- Teoria ator-rede
- Escola sociológica alemã clássica (Weber, Sombart, Simmel, Tönnies)
- Formalismo russo
- Semiótica, semiologia
- Construção Social da Realidade
- Inteligência coletiva, Pierre Lévy
- Teoria dos sistemas e teoria da complexidade
- Ecologia cultural
- Materialismo cultural
- Teoria do imaginário e da representação
- Pensamento de Aristóteles
- Racionalidade embutida (Granovetter)
- Pragmatismo
Teorias centradas no indivíduo ou na coletividade
O individualismo parte do indivíduo como fonte e unidade de análise. Já o coletivismo metodológico examina a totalidade existente fora do indivíduo, pressupondo a realidade autônoma da coletividade, com suas próprias características e comportamentos, que não se resume à soma de ações individuais.
INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO
- Psicanálise
- Pós-feminismo
- Microhistória
- Escolha racional
- Utilitarismo
- Teorias da resistência
- Neo-retórica
- Análise do Discurso
- Teoria Ator-Rede
- Interacionismo simbólico
- Escola sociológica alemã clássica (Weber, Sombart, Simmel, Tönnies)
- Filosofia política de Strauss, Voegelin e Arendt
- Escola de Toronto (McLuhan)
- Microeconomia
- Economia behaviorista
- Escola austríaca de economia, monetarismo
- Construção Social da Realidade
- Teoria fundamentada (Grounded Theory)
COLETIVISMO METODOLÓGICO
- Teorias marxistas
- Estruturalismo
- Macroeconomia
- Inteligência coletiva, Pierre Lévy
- Teoria dos sistemas
- Ecologia cultural
- Materialismo cultural
- Antropologia dinâmica francesa
- Teorias do Estado-Nação (Benedict Anderson, Gellner)
Teorias centradas na coesão ou no conflito
Teoria que assume como pressuposto da natureza humana como fundamentalmente ou colaboradora ou em conflito com base em autointeresses.
COESÃO
- Sociologias de Louis G. A. Bonald, Joseph de Maistre, Claude Saint-Simon, Auguste Comte, Durkheim
- Sociologias de Johann Fichte, Adam Müller, Friedrich Gentz, Lorenz von Stein, W. Riehl, Ferdinand Tönnies
- Funcionalismo
- Escola Sociológica de Chicago, estudos de comunidade
- Estrutural-Funcionalismo (Talcott Parsons, Robert Merton)
- Comunitarismo
- Teoria dos sistemas
- Teorias psicológicas do amor e do afeto
- Antropologia econômica substantivista
- Economia Moral
- Gramsci
- Nova Economia Institucional
- Idealismo/Liberalismo em Relações Internacionais
CONFLITO
- Sociologias de Spencer, Ernest Renan
- Teorias marxistas, Escola de Frankfurt
- Teorias feministas, teoria queer
- Teorias de identidade e teoria dos gêneros
- Existencialismo
- Teoria da estruturação
- Estudos subalternos, pós-colonialismo, decolonialismo, estudos culturais
- Pensamentos de Foucault, Bourdieu e Žižek
- Teologia da libertação
- Teoria do sistema-mundo, teoria da dependência, teorias da globalização (Presbisch, Frank, Rostow, Furtado, Boaventura de Sousa Santos, Wallenstein)
- Economia política e estudos camponeses
- Teorias da resistência
- Antropologia política africanista
- Antropologia dinâmica francesa
- Transacionalismo
- Filosofia política de Strauss, Voegelin e Arendt
- Teoria do conflito das civilizações (Samuel P. Huntington), Quarta teoria política (Dugin), Guerra de Quarta Geração e Marxismo Cultural (William S. Lind) (não passam no crivo de validade teórica de correspondência com a realidade social, no entanto, são teorias reais em seus efeitos).
- Pós-estruturalismo, Deconstrução
- Teoria do discurso (Foucault, Pêcheux)
- Antropologia econômica formalista
- Neorrealismo em Relações Internacionais
- Teorias do Contrato Social, Neo-contratualismo
Tempo e espaço
Teorias diacrônicas e sincrônicas levam em conta se um presente etnográfico ou outra forma de limitação do tempo é levado em consideração na análise.
DIACRONIA
- Evolucionismo
- Difusionismo
- Particularismo histórico
- Etnohistória
- Teorias da globalização
- Teorias marxistas
- Economia política
- Escola dos Annales
- Escola sociológica alemã clássica (Weber, Sombart, Simmel, Tönnies)
- Teoria da dependência
- Teoria do sistema-mundo
SINCRONIA
- Funcionalismo
- Psicologia e Cultura
- Antropologia Simbólica
- Estruturalismo
- Pós-modernismo
- Estrutural-funcionalismo
- Análise do Discurso
- Teoria Ator-Rede
Teorias materialistas e idealistas
A distinção é baseada na distinção entre fenômenos tangíveis (tecnologia, ambiente, cultura material, processos envolvendo recursos materiais) e ideológicos (ethos, ideologia, instituições ou psique).
MATERIALISMO
- Particularismo histórico
- Ecologia cultural
- Materialismo cultural
- Teorias ecológicas
- Arqueologia Processual
- Antropologia dinâmica francesa
- Teoria Ator-Rede e Vida Social das Coisas
- Sociobiologia
- Psicologia evolucionária
IDEALISMO
- Cibernética e pensamento de Gregory Bateson
- Teorias cognitivas
- Psicanálise
- Teorias marxistas (yeap! Nesse ponto de vista não são tão materialistas assim…)
- Teorias críticas
- Existencialismo
- Interpretativismo
- Pensamentos de Foucault, De Certeau, Bourdieu e Žižek
- Antropologia Simbólica
- Interacionismo simbólico
- Hermenêutica
- Fenomenologia
- Pós-modernismo
- Estruturalismo
- Pós-estruturalismo
- Deconstrução
- Análise do Discurso
- Pensamentos de Bourdieu e de Pierre Lévy
- Teoria do imaginário e da representação
Teorias particularistas e universalistas
Enquanto a primeira abordagem visa entender um fenômeno com os termos próprios de cada comunidade, a última abordagem intenciona delinear princípios subjacentes a todas as culturas e sociedades.
PARTICULARISMO
- Particularismo histórico
- Funcionalismo
- Pós-modernismo
- Teoria fundamentada (Grounded Theory)
- Etnociência
- Microhistória
- Positivismo jurídico
- Realismo jurídico
UNIVERSALISMO
- Estruturalismo
- Teorias marxistas
- Estrutural-funcionalismo
- Sociobiologia
- Teoria do sistema-mundo
- Escola de Comparação Transcultural
- Jusnaturalismo
Perspectivas com base na comunicação
- Teoria do imaginário e da representação (Escola de Grenoble)
- Teoria do agir comunicativo de Habermas
- Escola de Frankfurt
- Escola de Birmingham de Estudos Culturais
- Escola de Palo Alto
- Escola de Toronto (McLuhan)
- Análise do Discurso
- Neo-retórica
- Interacionismo simbólico
- Estudos subalternos
- Semiótica
- Hermenêutica
- Psicologia cognitiva
- Etnometodologia
- Sociolinguística
- Análise de enquadramento (frame analysis)
- Linguística cognitiva de Lakoff
Teorias de justiça social e teorias de ciências sociais
A escolha dos nomes das categorias não são felizes, pois pesquisas aplicadas à justiça social podem cientificamente fundamentadas, bem como teorias descritivas em ciências sociais podem ser aproveitadas para transformações sociais. Ainda, uma perspectiva de teoria de justiça social omo Estudos de Gênero ou Teoria Queer pode aplicada meramente para fins de reflexão ou descrição, sem pretensões de mudanças.
TEORIAS DE JUSTIÇA SOCIAL
- construtivismo social
- pós-positivismo
- pragamatismo
- hermenêutica
- teorias transformativas
- teorias do pós-modernismo
- neofuncionalismo
- neoweberianismo
TEORIAS DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Construtivismo social pós-positivismo pragamatismo hermenêutica teorias transformativas pós-modernismo teorias feministas teoria crítica da raça teoria queer estudos de gêneros teorias de desabilidade teologia da libertação
- teorias feministas
- teoria crítica da raça
- teoria queer
- estudos de gêneros
- teoria da desabilidade/incapacidade
- teologias da libertação
- desenvolvimentismo
- teorias ecológicas
- Teoria de Pesquisa-Ação
SAIBA MAIS
COLLINS, Randall. As quatro grandes tradições sociológicas
CROTTY, Michael. The Foundations of Social Research: Meaning and Perspective in the Research Process. Londres: Sage, 1998.
DELANTY, Gerard; STRYDOM, Piet. Philosophies of Social Science: the Classic and Contemporary Readings. Philadelphia: McGraw-Hill/Open University Press, 2003.
GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan (org.) Teoria social hoje. São Paulo: Edunesp, 1999.
TURNER, Stephen; ROTH, Paul. The Blackwell Guide to the Philosophy of the Social
Sciences. Londres: Wiley-Blackwell, 2003.
RITZER, George; SMART, Barry. Handbook of social theory. Londres: Sage, 2001.