Desde as categorias de Aristóteles nosso raciocínio ficou enviesado pela análise. O ato de dissecar um objeto ajuda compreendê-lo, mas remova-o de seu contexto e a gente esquece das múltiplas funções que uma coisa possa assumir. A síntese ficou reservada aos resumos. E surgiram muitos chatos.

A síntese também ajuda a compreender as coisas. Ao ligar uma referência com o operador lógico “E/OU” que inclua vários referentes temos, entre outras coisas, o humor.

“Coitado do José, não deu pra manga.”
O José ficou sem a fruta? Sua camisa ficou curta? O escorregador de emergência não funcionou ou está insinuando que ele estava pastando?
Também a ambiguidade é mãe de um erro típico de cognição e argumento falacioso: a equivocação. Esse erro funciona por atribuir referente possível, porém impróprio, a uma referência:
- P1. Bispos somente andam nas diagonais.
- P2. O papa Francisco é um bispo.
- QED. O papa Francisco somente anda nas diagonais.
Outro problema é a falácia referencial. Muitos pensam que uma palavra corresponda exatamente a uma só coisa existente e que o significado das palavras resida nas coisas às quais elas se referem. É típico dos fundamentalismos.
Sabendo usar (e quando deconstruir), a ambiguidade é um conceito frutífero. O crítico literário William Empson no anos 1930 propôs que a ambiguidade permite visões alternativas que possam ser adotadas sem uma leitura totalmente equivocada. Elencou (ironia, em uma análise) sete tipos de ambiguidades a serem utilizadas criativamente na poesia.
Sete tipos de ambiguidades
- Metáfora: quando duas coisas são semelhantes, mas com propriedades diferentes. É semelhante aos conceitos da presunção metafísica e do raciocínio por analogia. Um exemplo, “cabeça-dura cura-se com chuva de pedra.”
- Dupla metáforas simultâneas. Dois ou mais significados que poderiam ser resolvido em um. Um exemplo de Shakespeare “como quando, à noite e por negligência, o fogo é avistado em cidades populosas”. Tanto a noite quanto um incêndio negligente seria por si só suficiente para fazer-se notar o fogo.
- Duas ideias que estão conectadas através do contexto, mas podem ser dadas em uma palavra simultaneamente. São os trocadilhos. Um exemplo, “não sobrou um fiapo da manga.”
- Dois ou mais significados que conflitam, mas se combinam para deixar claro um estado de espírito complicado no autor. “A pior coisa que me aconteceu foi você me amar.”
- Quando o autor descobre sua ideia no ato de escrever. Empson descreve um símile que fica a meio caminho entre duas declarações feitas pelo autor. “O colega de trabalho era como muita bula para pouco remédio: muito se dizia a respeito para pouco efeito.”
- Quando um texto não é nada claro e os leitores são forçados a produzir sentidos próprios. É típico em literatura ergódica ou livros-jogos.
- Duas palavras que dentro do contexto são opostas. São os casos de retrônimos do tipo “A banqueta não ajudava a alcançar o bar”. A banqueta era muito baixa ou muito alta?
SAIBA MAIS
Empson, William. Seven types of ambiguity. 1930.
Wittgenstein: jogos de linguagem e semelhança de família
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