Personagens planos e redondos

Tem personagem que é tão cativante que é uma pena que não exista. Criar um personagem que desperte uma paixonite não é fácil. Mas uma dica válida é prestar atenção no caráter do personagem.

O escritor e crítico literário Edward Morgan Forster (1879 –1970) em seu manual Aspects of the Novel (1927) distingue dois tipos de personagens.

Personagens planos mantém constante uma única ideia ou qualidade. Dada sua consistência, são facilmente reconhecidos e lembrados.

Personagens redondos são complexos. Também traduzidos como personagens esféricos, eles podem ser multifacetados ou transformar-se durate a narrativa. São mais próximo da realidade complicada que é o ser humano.

Há personagens planos que são magníficos. Dom Quixote que o diga. Igualmente, há personagens redondos fascinantes, como Aurélia Camargo de Senhora.

Boa parte dos personagens são construídos com uma mistura dos dois. Em regra, um personagem plano ao extremo passa ser um tédio. Já um personagem redondo muito enrolado lembra aquela pessoa inconveniente que você evita porque cada dia é um problema, um humor diferente e uma direção na vida.

Personagens planos servem muito para preencher papéis fixos, como personagens estoques, personagens secundários ou tropes, como o do cientista maluco ou o Xaveco da Turma da Mônica. Vilões e comédias pastelão conseguem nos entreter sem gastar nosso tempo em decifrar uma figura complexa.

E.M. Forster, autor do celebrado romance colonial Uma Passagem para a Índia, também descreve nesse manual sete aspectos que seriam universais em um romance: história, personagens, enredo, fantasia, profecia, padrão e ritmo.

3 comentários em “Personagens planos e redondos

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  1. Há casos de narrativas que jogam com esses tipos de personagens. É caso de “A morte de Ivan Ilitch” de Tolstói. Quando vivencia o processo da morte, Ivan começa a se questionar existencialmente, passando de personagem plana à esférica. De mero burocrata, juiz de cidade interiorana, um simples Ivan (nome comum da Rússia) ele se torna o homem diante da morte, um representante da humanidade (em “Senhores e servos” essa inversão também acontece). Ivan se complexifica, inclusive do ponto de vista narrativo.

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    1. Eu amo essas transições. É raro o personagem que um autor consegue retratar bem um aspecto plano e, em outro momento, um aspecto esférico.

      O Tolstói é um deles. Faz vinte anos que não termino o Guerra e Paz e Anna Karenina, mas a fascinação pelos personagens me move a querer lê-los (ainda que com ódio do autor, hahahaha). Quando as mudanças e conflitos dos personagens são previsíveis (como em Hollywood e no ciclo do herói) a impressão é que é um mero “plano” em movimento. Nem redondos, nem planos.

      O que me motivou a escrever este post foram alguns personagens de Ibsen (Hedda Gabler, Hedda Gabler). A cada parte da narrativa uma faceta da personagem
      pode mudar.

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      1. Que legal, não conheço essa peça do Ibsen, vou procurá-la. Concordo com o que disse sobre Hollywood e esse ciclo do herói (pra mim esse é um modelo desgastado e tedioso). Olha, vale a pena encarar esses livros de Tolstói, ainda mais com o conhecimento que você mostra em suas postagens. O Oscar Mendes (que traduziu o “Guerra e paz” do francês) cita um trecho de Vogüé pra dizer que esse romance é como uma montanha: lê-lo é uma escalada dificultosa, às vezes desanimadora, mas dá ao final o prêmio de se chegar ao topo e de poder ver um grande panorama. É uma visão única, que se cola pra sempre nessa nossa retina gasta de leitores.

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