Rainhas africanas: um álbum de figurinhas

Um amigo me recomendou o filme A Mulher Rei[1]. Viola Davis interpreta a general Nanisca, líder das guerreiras agojie no Reino do Daomé (no atual Benim). Enquanto espero o lançamento do The Woman King na minha região, segue uma lista de líderes africanas, algo que daria um ótimo álbum de figurinhas.

Cleópatra VII Filopator

Egito Ptolomaico, reinou 69–30 a.C.

A inteligente, poliglota e hábil última rainha do Antigo Egito. Envolveu-se e tramou com Júlio César e Marco Antônio, visando manter a independência egípcia diante dos romanos.

Gudit, Judite

Simien (Etiópia), c.947- c.977 d.C.

Lendária rainha dos falashas ou Beta Israel (judeus etíopes). Filha do rei Gideão IV, depois que seu pai morreu na batalha contra o Império Aksum, ela herdou o trono e teria sido a responsável pela queda dos aksumita. Várias tradições orais ainda hoje relatam sua campanha contra a dinastia aksumita e às igrejas.

Ga’ewa, Ga’ǝwa

Säläwa, centro de Tigray (Etiópia), reinou c. 1540

As lendas sobre Gudit fundem-se com as de outra rainha guerreira, desta vez a muçulmana Ga’ewa, chefe de um reino no Tigray. Com a morte de seu irmão, tornou-se regente e fez várias investidas contra o Império Etíope.

Amina de Zaria

Zazzau (Hauçá, Nigéria),  reinado 1533-1610

A rainha guerreira Amina expandiu o império hauçá. Como outras figuras lendárias, seu registro é sobretudo oral. Teria comandado um exército de 20 mil soldados de infantaria e 1000 soldados de cavalaria em uma guerra expansionista que levou trinta anos. Construiu uma linha defensiva, hoje indentificada com as muralhas que levam seu nome (Ganuwar Amina) em Zairia. Morreu no campo de batalha em 1610.

Yaa Asantewaa

Império Axante (Gana), c.1840-1921

Yaa Asantewaa era a Rainha Mãe de um dos reinos do Império de Axante. Depois que as forças coloniais neutralizaram as lideranças axante, Yaa Asantewaa assumiu o controle do trono – o tamborete dourado (Sika Dwa Kofi) – que simbolizava a união da confederação axante. Foi uma defensora das mulheres e dos direitos civis. Em 1900, ela liderou a Guerra do Tamborete Dourado, em resistência contra o Império Britânico. Morreria no exílio nas ilhas Seychelles.

Candace Amanirenas

Reino de Cuxe (Sudão), reinado c. 40 a.C – c. 10 a.C

O reino meroítico de Cuxe, nas margens do Nilo, possuiu uma dinastia matrineal, as candaces (kandake) co-regente com seus irmãos. Por quase meio milênio dez candaces governaram a região. Em 25 a.C. candace Amanirenas, segundo Estrabão, atacou a cidade de Syene, hoje Aswan, no Egito romano.  A proeminência era tanta que uma de suas sucessoras, candace Amanitaraqide, é aludida indiretamente no Novo Testamento, a respeito de uma viagem de um emissário a Jerusalém (Atos 8:27).

(Ana de Sousa) Nzinga Mbandi  (Jinga ou Ginga)

Reinos de Ndongo (1624-1663) e Matamba (1631-1663) (Angola), 1583-1663.

Estadista, diplomata e líder militar, a rainha Nzinga foi monumental na sua terra. Em um encontro com o vice-rei português, vendo que seu interlocutor estava sentado e não fazia menção alguma de acomodá-la, ordenou que um membro de seu cortejo agachasse para que ela, sentada, conversasse de igual. Mesmo sendo filha de uma escravizada, acabou sucedendo ao trono de seu pai e  irmão. Eloquente, negociadora hábil e munida por uma rede de espionagem, fez frente aos avanços dos portugueses, ora aliando-se aos jagas, ora aos congoleses, ora aliando-se aos holandeses. Seu nome é lembrado na capoeira, no maracatu e nas congadas. Controversa, opôs o tráfico de escravos, mas cedeu à venda de alguns prisioneiros de guerra aos portugueses. Fiel a sua religião nativa, todavia batizou-se católica.

Nandi Bhebhe Mohlatsane

Zulu (África do Sul), c.1760-1827

Originalmente da etnia basoto, filha de um chefe, foi mãe do notável guerreiro e rei zulu Shaka Zulu. Teria engravidado do príncipe Senzagakona num romance que durou uma visita. Ostracizada por ser mãe solteira, criou o filho para ser o líder guerreiro meio às intrigas tribais e das diferentes esposas. Com o sucesso de Shaka Zulu, tornou-se rainha-mãe e conselheira real.

Al-Kahina Dihya

Líder dos imazighen de Aurès (Argélia), reinou c680-700 d.C.

Profetisa (kahina) bérber. Comandou a resistência à invasão árabe. Mais tarde surgiram lendas que seria uma guerreira judia e que lutara nas ruínas do anfiteatro romano de El Djem. Inspirou mulheres como Lalla Fatma N’Soumer e Lalla Khadija Bent Belkacem, líderes cabilas nas insurreições de 1851 e 1857 contra os franceses.

Furra

Sidama (sul da Etiópia), séculos XIV ou XV?

Foi uma nigist, chefe, conhecida somente por suas lendas. Teria governado por cerca de sete anos e adotou uma política femista, incentivando as mulheres a oprimir os homens, especialmente os carecas, velhos e baixos. Seu reinado terminou quando os homens a enganaram numa emboscada.

Pokou, Awura, Aura, ou Abla Pokou

Baoule (Costa do Marfim), reinou c. 1750 – c. 1760.

Rainha e fundadora do povo Baoule, hoje um dos maiores grupos étnicos da Costa do Marfim moderna. Era governante de uma chefatura confederada do Império Axante. Desentendimentos entre os diversos constituíntes resultaram em guerra. Então Pokou liderou seu grupo para o oeste. Nesse êxodo longo e árduo jornada, ao cruzar o rio Komoé, Pokou teve que sacrificar seu único filho para que seu povo cruzasse o rio.

Tin Hinan

Tuaregues (Argélia), século IV?

Existem várias lendas de uma rainha tuaregue. Mais misteriosa ainda é a tumba encontrada no coração do Saara em 1925. Na localidade de Abalessa, na região de Hoggar, no sul da Argélia, no começo do século XX foi descoberto uma tumba monumental. São onze cômodos. Os restos da mulher estavam ornados com várias joias e havia várias estátuas. Em 1925, com apoio do exército francês o ladrão de tumbas Byron Khun de Prorok escavou o local.

Ranavalona I (Rabodoandrianampoinimerina)

Reino de Imerina (Madagascar), reinou 1828 -1861

Nascida em uma família de comuns, casou-se com um nobre que viria ser o rei Radama I. Após a morte de seu marido e de seu sucessor, Ranavalona conquistou o trono. Foi retratada como uma rainha má, justificando posterior incursões coloniais. No entanto, desenvolveu

uma política de isolacionismo e auto-suficiência, reduzindo os laços econômicos, religiosos e políticos com as potências europeias. Criou um exército permanente entre 20.000 e 30.000 soldados merina e repeliu um ataque francês. Na construção do estado Imerina lançou mão da guerra, do trabalho forçado e das ordálias – causando uma grande diminuição populacional.

Teria dito em sua coroação:

Nunca diga: “ela é só uma mulher fraca e ignorante, como ela pode governar tão vasto império?”. Eu governarei aqui, para a boa sorte de meu povo e para a glória do meu nome! Não adorarei deuses além daqueles dos meus ancestrais. O oceano será o limite do meu reino, e eu não cederei sequer a espessura de um fio de cabelo dele [2].

[1] Obrigado pela dica, Will Marras.

[2] Renato Drummond Tapioca Neto. Ranavalona I de Madagascar: a rainha destemida que os ingleses chamaram de “A Cruel”! 2020.

3 comentários em “Rainhas africanas: um álbum de figurinhas

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  1. Acho a ideia genial e aposto que alguém como o Hugo Canuto, que lançou os quadrinhos Contos dos Orixás no Catarse, teria condições de fazer algo assim. Seria um belo material paradidático. Eu sugiro conversar com alguém como o Alê Santos ou algum desses grupos do movimento negro.

    Curtido por 1 pessoa

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