Como fazer triangulações em pesquisas sociais e humanas

Estudar o ser humano e suas construções é complexo. Por esse motivo, os investigadores das ciências sociais e das humanidades devem buscar obter resultados válidos e confiáveis. Um meio para se obter isso é a triangulação.

A triangulação em pesquisa pode ser com os dados, os pesquisadores, as teorias e os métodos (Denzin, 1978; Webb et al. 1966; Patton, 1999).

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Triangulação de dados

A questão da pesquisa pode ser respondida por diferentes fontes de dados e informações. Essa triangulação pode ser realizada por métodos comparativos, como fazem mitólogos, folcloristas, historiadores da arte e filólogos que buscam novas fontes de dados para confirmar uma hipótese ou um entendimento. Em psicologia e ciências da saúde são comuns estudos longitudinais, submetendo os mesmos sujeitos aos mesmos testes ao longo de diferentes datas. O contraste entre dados obtidos de diferentes ambientes (por exemplo, público x privado) ou segmentos populacionais (homens x mulheres, jovens x adultos, diferentes classes sociais) também são elucidativos. Fazer grupo de controle para testes provêm dessa triangulação. Em etnografia, cruzar as informações com diferentes informantes-chave ou suplementar entrevistas com pesquisa documental também são meios de se triangular.

Triangulação de pesquisadores

Cada pessoa tem sua própria bagagem cultural e os vieses são inevitáveis. Todavia, pode-se empregar essa mutiplicidade de olhares em benefício da pesquisa. Idealmente, seriam outros pesquisadores treinados que replicariam a questão de pesquisa, coleta e análise de dados e formulariam suas conclusões. No mundo real, com falta de recursos e mão-de-obra, um meio de triangular seria submeter o produto final da pesquisa, às vezes com os dados brutos ou sem as conclusões, ao escrutínio de diferentes pesquisadores, seja da mesma disciplina ou de uma abordagem diferentes. O objetivo não é buscar o consenso, mas localizar pontos cegos, novos parâmetros emergindo dos dados e novas interpretações.

Triangulação de teorias

Um bom estudo considera os múltiplos ângulos das perspectivas. O uso combinado de diferentes paradigmas e o emprego de diversos níveis micro e macro para lidar com o mesmo projeto de pesquisa ajudam a conseguir uma boa qualidade na investigação. Por exemplo, em uma pesquisa sobre causas da obesidade infantil, o pesquisador pode analisar respostas a questionários a partir de uma abordagem funcionalista-estrutural, examinando as relações entre os atores na oferta de alimentos de alto teor calórico com as condições que propiciem o sedentarismo em um dado sistema social. Já em uma abordagem de ecologia humana, esses mesmos dados seriam interpretados levando em conta a dieta, o ambiente e o consumo de energia. Por fim, em uma abordagem simbólica, os valores, as preferências e a desejabilidade dos alimentos ganhariam ênfases.

Triangulação metodológica

O uso de métodos mistos qualitativos e quantitativos é um clássico. E mesmo dentro dessas estratégias metodológicas, mais uma técnica também ajuda a fortalecer o programa da pesquisa. Por exemplo, o antropólogo Robert Dunbar elaborou sua clássica teoria da limitação dos círculos sociais do indivíduo com base em um estudo com métodos múltiplos que envolviam investigações neurológicas, revisão de bibliografia etnológica, experimentos sociais de redes e testes psicológicos.

Um método que, por excelência, fundamenta-se em triangulações metodológicas é a etnografia e o estudo de caso. Angariando dados de fontes diversas, na etnografia e no estudo de caso são comum combinar questionários, observação-participante, entrevistas em profundidades, histórias de vida, história oral, grupo de foco, pesquisa documental e bibliográfica. Outras abordagens também se beneficiam dessa estratégia mista. A empolgação do uso de big data por vezes deixa de lado aspectos qualitativos, por isso, uma forma complementar é empregar análises que resultem em thick data.

* * *

Na análise o uso de triangulação pode indicar pontos de convergências. Uma pesquisa quantitativa de opinião complementada por participação-observante permite inferir com maior segurança o que um sujeito diz fazer com aquilo que realmente faz. Contradições, ambiguidades e áreas divergentes descobertos durante a triangulação também são importantes. Servem para identificar o mundo idealizado dos informantes, fenômenos com multiplicidade de relações complexas, novas introspecções ou interpretações as quais o pesquisador não tinha previamente percebido.

Por si só, a triangulação não valida ou gera confiabilidade para uma pesquisa. Indutivamente, fazer várias pesquisas com relações fracas entre seus dados e conclusões não gera uma pesquisa robusta. Entretanto, é uma forma de se obter resultados mais sólidos e refinar as próprias conclusões. Desse modo, uma pesquisa bem desenhada mapeará um sistema de relações que envolvem um dado fenômeno.

Desde os métodos propostos pelos sociólogos da virada do século XIX ao XX — Weber, Durkheim, Pareto, Simmel — os fenômenos sociais não são explicados linearmente com uma só causa, explicação ou correlação. Embora dentre os feixes de relações possíveis para um fenômeno o cientista social tenha a tendência de reduzir a algumas variáveis por motivos operacionais, há a consciência que o conhecimento será sempre provisório. Essa provisoriedade não mina a validade e a confiabilidade científica dos resultados da pesquisa de fenômenos humanos. Por esse motivo, uma só relação encontrada em uma pesquisa, se tiver um contexto de triangulações robusto, fornece a validade e a confiança necessárias.

SAIBA MAIS

Os mandamentos da pesquisa em ciências sociais

Avaliação por triangulação de métodos: mais uma resenha descuidada no blog teclogos.wordpress.com

Denzin, N.K. Sociological Methods. New York: McGraw-Hill, 1978.

Patton, M.Q. “Enhancing the quality and credibility of qualitative analysis.” HSR: Health Services Research. 34 (5) Part II. pp. 1189-1208. 1999.

Webb, E. J., Campbell, D. T., Schwartz, R. D., e Sechrest, L. Unobtrusive Measures: Nonreactive Measures in the Social Sciences. Chicago: Rand McNally, 1966.

8 comentários em “Como fazer triangulações em pesquisas sociais e humanas

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  1. Muito legal, minha primeira experiência com o assunto foi com o livro Avaliação por Triangulação de Métodos que conta sobre o uso de triangulação para avaliação de programas sociais a partir de seu uso em um programa da Fiocruz. Obrigado por mostrar mais referências sobre o assunto.

    Curtido por 1 pessoa

    1. De nada. Pode parecer uma coisinha boba, mas é um lembrete gentil para melhorar a qualidade de nossa pesquisa. No geral – exceto em pesquisas sociais aplicadas à saúde – as pesquisas em ciências sociais no Brasil não fazem triangulação. Não sei se por viés de confirmação, se por falta de recurso ou por uma desatenção generalizada no desenho do projeto de pesquisa.

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      1. Eu concordo, acho que isso reflete uma certa ansiedade do brasileiro em começar o “fazer” tão logo quanto possível valorizando o trabalho de campo mais do que o planejamento, o que torna essa primeira fase um tanto superficial ou apenas um rito. Suponho que, para alguns, a triangulação parece uma sofisticação supérflua.

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