Benedict Anderson: Comunidades Imaginadas

Em uma pequena aldeia em uma das milhares de ilhas da Indonésia, uma jovem estudante decora uma lição de civismo. Em Jacarta, um descendente de migrantes chineses lê um jornal em bahasa. Enquanto isso, em Bali uma trabalhadora vinda de outra ilha senta-se ao lado de uma lamparina a óleo tremeluzente, absorta nas páginas de um romance. O livro, escrito em sua língua nativa, transporta-a para terras distantes e apresenta-lhe personagens que compartilham suas lutas, sonhos e esperanças. Apesar de nunca ter conhecido esses personagens ou as pessoas que habitam esses lugares distantes, há um vínculo inexplicável com eles, um senso de pertencimento a uma comunidade maior. Esse sentimento de conexão, de fazer parte de algo maior do que si mesma, está no centro da obra de Benedict Anderson, Comunidades Imaginadas.

No livro, hoje um clássico nas ciênciais sociais, Anderson discorre como e por que as pessoas começam a imaginar-se como parte de uma nação, criando um senso de identidade nacional e solidariedade entre indivíduos que provavelmente nunca se encontrarão. O que há são processos intricados que unem indivíduos em nações, oferecendo uma narrativa convincente das origens nacionais e, consequentemente, da disseminação do nacionalismo.

Vemos que as nações não são agrupamentos naturais ou inevitáveis de pessoas, mas sim “comunidades imaginadas” formadas por meio de experiências compartilhadas e marcos culturais.

O autor

Benedict Anderson (1936 – 2015) foi professor de Estudos Internacionais da Universidade de Cornell e era um especialista em história política e cultura do sul da Ásia. Nesse ambiente cultural complexo onde as fronteiras políticas não coincidem com os agrupamentos étnicos, ficou patente que ma nação consiste de indivíduos que, mesmo que nunca se conheçam, compartilham uma conexão imaginada, limitada e soberana. Sua abordagem “culturalista” contrariava as teorias que atribuíam o nacionalismo a fatores como industrialização, modernização ou mudanças socioeconômicas. Sem considerar o nacionalismo como variável de outros fenômenos sociais, buscou na importância da imaginação coletiva as bases para consolidar o moderno estado-nação.

Estrutura do livro

O livro Imagined Communities começa abordando a invasão e ocupação do Camboja pelo Vietnã em 1978-1979, um conflito entre dois regimes marxistas revolucionários. No entanto, o foco do livro é a ideia do Estado-nação e as condições sob as quais ele surgiu e prosperou no final do século XX. Anderson descreve o nacionalismo como uma transformação secular que substituiu concepções religiosas e dinásticas da sociedade.

Identifica três mudanças culturais que precederam o nacionalismo: a diminuição da importância da religião, a transformação do conceito de soberania dinástica e a mudança na concepção do tempo. Anderson argumenta que a disseminação do capitalismo e da tecnologia de impressão foram cruciais para o surgimento do nacionalismo, ao promover a vernacularização das línguas e criar campos unificados de troca e comunicação.

Processo de Composição do Livro

O processo de composição de Imagined Communities resulta da carreira acadêmica de Anderson e suas experiências pessoais e intelectuais no sudeste asiático. O cientista político começou sua carreira com seu doutorado na Universidade de Cornell. Seu trabalho anterior, Java in a Time of Revolution (1972), revisou a narrativa convencional da Revolução Indonésia, destacando a falta de organização dos partidos políticos e sugerindo que uma estratégia mais confrontacional poderia ter mudado o curso da história indonésia.

Desencantado com o desempenho dos estados marxistas radicais e ciente da subestimação do nacionalismo pelos sociólogos orientados por teorias de conflito e modernidade, Anderson se voltou para explorar as dimensões culturais do nacionalismo. Ao invés de retrar o nacionalismo como um ideologia a serviço de interesses burguesses, o fenômeno ganhou contornos de identidade e pertencimento cujos interesses pervadem todas as classes sociais envolvidas. Parte do grande giro cultural do final dos anos 1970, o livro foi publicado pela primeira vez em 1983, foi reeditado com capítulos adicionais em 1991 e uma versão revisada em 2006.

Recepção do Livro

Imagined Communities foi amplamente aclamado e se tornou uma leitura essencial para estudantes de relações internacionais e politólogos interessados no nacionalismo. Anderson trouxe uma nova perspectiva ao tratar o nacionalismo como uma resposta a mudanças culturais e materiais, enfatizando o papel do capitalismo e da impressão na formação da consciência nacional.

Apesar de sua popularidade, o livro também enfrentou críticas. Partha Chatterjee, por exemplo, argumentou que Anderson não reconheceu adequadamente como os nacionalismos anticoloniais não meramente imitavam os tipos “modulares” de nacionalismo encontrados na Europa e nas Américas. Chatterjee sugeriu que Anderson perpetuava a ideia de que o resto do mundo permanecia dependente das estruturas discursivas de um esquema histórico ocidental.

Outro ponto de crítica foi que Anderson, ao focar nas categorias ontológicas da modernidade, como “estado” e “nação”, pode ter negligenciado como as acelerações espaço-temporais contemporâneas poderiam estar moldando novas formas de imaginar comunidades.

A ponderar

Benedict Anderson agitou em Imagined Communities o marasmo do status quo nas ciências sociais. Ao tratar o nacionalismo como uma resposta a mudanças culturais e examinar os mecanismos que sustentam a identificação nacional, a obra Anderson tornou-se um clássico. Ainda hoje, com as novas mídias digitais, temos uma nova onda de nacionalismo. Quanto à secularização, o cenário contemporâneo é mais complexo por combinar a diminuição das formas tradicionais enquanto aumenta o fervor pulverizado de grupos religiosos disputando o espaço público.

RESUMO ESTRUTURADO

Principais características das comunidades imaginadas:

  • Imaginadas: Mesmo a menor nação possui membros que nunca se encontrarão ou conhecerão pessoalmente. O sentimento de pertencimento transcende as experiências individuais.
  • Limitadas: As nações possuem fronteiras definidas, separando-as de outras nações. Nenhuma nação afirma abarcar toda a humanidade.
  • Soberanas: A legitimidade de uma nação vem do próprio povo, não de forças externas como o direito divino.
  • Camaradagem horizontal: Apesar das desigualdades internas, a nação fomenta um sentimento de identidade compartilhada e solidariedade entre seus cidadãos.

A Ascensão das Comunidades Imaginadas no declínio dos sistemas de crenças tradicionais e na ascensão do secularismo. O capitalismo impresso, particularmente os jornais, desempenhou um papel crucial ao:

  • Padronizar a linguagem: A mídia impressa criou uma linguagem comum entre as regiões, promovendo um sentimento de unidade nacional.
  • Criar experiências compartilhadas: Os jornais ofereciam uma experiência simultânea de eventos nacionais, mesmo para pessoas dispersas geograficamente.
  • Disseminar narrativas nacionais: A mídia impressa ajudou a difundir histórias e mitos que criaram um sentimento de história e destino compartilhados.

Paradoxos do Nacionalismo como fenômeno complexo:

  • Modernidade vs. Antiguidade: Embora seja um fenômeno recente, as nações são frequentemente vistas como antigas e eternas.
  • Universalidade vs. Particularidade: Todos pertencem a uma nação, mas cada nação reivindica características únicas.
  • Poder vs. Carência: O nacionalismo inspira fortes emoções e ações, mas carece de uma base filosófica robusta.

O contexto histórico do surgimento das comunidades imaginadas:

O surgimento das comunidades imaginadas coincidiu com vários desenvolvimentos históricos:

  • Emergência do capitalismo impresso: Jornais e linguagem padronizada se tornaram ferramentas poderosas para a construção nacional.
  • Declínio do direito divino: A legitimidade da monarquia hereditária enfraqueceu, abrindo caminho para a autodeterminação nacional.
  • Expansão da alfabetização: O aumento das taxas de alfabetização permitiu um maior consumo de mídia impressa, fomentando a consciência nacional.

SAIBA MAIS

Anderson, Benedict. Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. Second
edition. London: Verso, 1991.

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