A antropologia física ou biológica

Também (controversamente) chamada de antropologia física, a antropologia biológica estuda as origens, evolução, variação da humanidade, bem como as bases biológicas do comportamento humano e sua relação ecológica. Se você consegue comprar roupas com medidas padronizadas, agradeça a um antropólogo físico.

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Evoluções da disciplina

Inicialmente, a disciplina surgiu como a investigação biológica da variação humana. Ninguém sabe ao certo quando esse interesse pelas variações começou. Já na Idade Média os bestiários e relatos fantasiosos como o de Sir John Mandeville (séc XIV), descreviam morfologias fantásticas do ser humano. No Renascimento, o interesse de médicos e artistas pela anatomia humana fez nascer o estudos das medidas e proporções do corpo. Lineu e outros biólogos pioneiros especulavam sobre a existência de outros grandes primatas filogeneticamente próximos da humanidade, mas somente com a descoberta do homem de Neandertal próximo a Düsseldorf, Alemanha (1856) e da publicação da Sobre a origem das espécies (1859) que se iniciam sérios estudos sobre os aspectos físicos e biológicos da humanidade, destacando-se o anatomista francês pioneiro da antropologia Paul Broca (1824-1880).

O rigor metodológico (mas não teórico) da antropologia biológica teve um grande avanço com a antropologia criminal – próxima a pseudociências como a frenologia e a criminologia de Lombroso. A papiloscopia e a antropometria se consolidaram nessa época do fim do século XIX. Infelizmente, nesse mesmo período a antropologia física também foi dominada por eugenistas e por teoristas deterministas, do racismo científico, poligenismo e hereditarianismo. Hegemonicamente, nos Estados Unidos a disciplina era dominada por pessoas como Earnest Hooton (1887 1954) e Madison Grant (1865-1937), cuja hegemonia a antropologia boasiana tentava quebrar.

Do final do século XIX aos meados do século XX, na Europa Continental o termo antropologia referia-se aos objetos de estudos da antropologia biológica, enquanto a etnologia buscava investigar assuntos socioculturais. Consequentemente, os antropólogos europeus se afastaram do estudo da antropologia física, focando-se nos estudos da sociedade e da cultura. Entretanto, nos Estados Unidos começava surgir a abordagem quádrupla de Franz Boas na qual a antropologia física seria um dos componentes básicos para entender o ser humano, integrado com a antropologia cultural, a arqueologia e a linguística. Todavia, grande parte de seus discípulos enfocaram na antropologia cultural, linguística ou arqueológica, deixando de lado a antropologia física.

Mais tarde, as descobertas da paleontologia, sorologia e da genética contribuíram consideravelmente ao desenvolvimento da antropologia biológica como disciplina.

Depois da 2ª Guerra, o trabalho de Sherry Washburn (1911 – 2000) reorientou a antropologia física norte-americana, desprovendo-a do determinismo e racismo de outrora e adicionando-lhe os conhecimentos de outras disciplinas.

No Brasil a antropologia física como disciplina acadêmica nasceu na Escola de Nina Rodrigues. O médico maranhense e pioneiro nas investigações legistas Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) tentava achar relações biológicas para aspectos culturais e criminais dos brasileiros. Seus herdeiros intelectuais, já influenciados pela antropologia boasiana e etnologia francesa, deixaram de lado o aspecto físico e biológico da humanidade. Consequentemente, no Brasil a antropologia apresenta-se mais como uma ciência humana e social que biológica. Assim, o trabalho de antropólogos biológicos ficou disperso entre outros profissionais. Legistas e peritos policiais fazem as atividades do antropólogo forense enquanto a primatologia e evolução humana são estudados por biólogos e geneticista, sem haver um enfoque antropológico. Recentemente, surgiu uma pós-graduação em antropologia forense na UNIFESP, marcando a volta a um ramo da antropologia biológica no país.

Focos centrais da antropologia biológica

Evolução humana e de primatas não humanos: visa reconstruir e explicar a relação evolutiva entre os diversos primatas. Busca entender a origem e o processo de hominização e das adaptações fisiológicas aos diversos ambientes. Sendo o ser humano um animal com cultura simbólica complexa, consideram os fatores culturais no processo evolutivo.

Diferenciação humana: buscar explicar a diversidade biológica, documentando variações genéticas e outros traços secundários (sorologia, aspectos fenotípicos, epidemologia) da população humana em geral ou de grupos particulares. Para tal, investiga a correlação entre fatores genéticos — replicação, hereditariedade, seleção natural, mutações, deriva genética, recombinação  — e o meio geográfico, ecológico, cultural e social.

Primatologia: compreende o ser humano em comparação anatômica, fisiológica e comportamental com outros primatas não humanos.

Antropometria, papiloscopia e outras medidas descritivas do ser humano: medidas contemporâneas de identificação visual de face, iris, caminhada ou outros são a nova fase do estudo descritivo da espécie humana.

Antropologia forense: visa elucidar as circunstâncias da morte de alguém ou identificar restos humanos.

Fundamentos biológicos do comportamento humano: investigam bases genéticas, institivas e das adaptações evolutivas que influenciam o comportamento das populações humanas. Com conhecimento fundamentado na genética e psicologia, novas interpretações elucidam muito de fatores que afetam a sociedade. Contudo, as interpretações desses dados são polêmicas. A psicóloga e geneticista Kathryn Paige Harden (2021) aponta que cientistas sociais tendem a ignorá-los enquanto pseudocientistas e racistas encampam essas descobertas.

Métodos

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Com técnicas e métodos comuns à biologia, a antropologia biológica analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um ambiente ou fatores socioculturais e a evolução destas particularidades. A genética e a psicologia biológica também contribuem. Além da biologia, emprega o auxílio da computação, de modelos matemáticos e estatístico, da genética, da bioquímica, da geologia, paleontologia e da arqueologia.

Boa parte do trabalho é de natureza experimental, realizado em escavações, observações etológicas, testes laboratoriais e observação comportamental. Trata-se, portanto, de uma abordagem das ciências naturais, biológicas e exatas, ainda que haja aspectos artísticos, como nas reconstruções ou sociais, como nas investigações sindêmicas.

SAIBA MAIS

Alguns desses livros são pré-projeto genoma, mas são clássicos.

Baker, Paul T., and Joseph Sidney Weiner, eds. The biology of human adaptability. Oxford: Clarendon Press, 1966.

Bass, Bill, William M. Bass, and Jon Jefferson. Death’s acre: inside the legendary forensic lab-the Body Farm-where the dead do tell tales. Penguin, 2004.

Bass, William M. Human osteology: a laboratory and field manual. Vol. 2. Missouri archaeological society, 1987.

Cavalli-Sforza, Luigi Luca, and Walter Fred Bodmer. The genetics of human populations. Courier Corporation, 1971.

Gould, Stephen Jay. The structure of evolutionary theory. Harvard university press, 2002.

Harden, Kathryn Paige. The genetic lottery: why DNA matters for social equality. Princeton University Press, 2021.

Jobling, Mark A., Matthew Hurles, and Chris Tyler-Smith. Human evolutionary genetics: origins, peoples and disease. Garland Science, 2019.

Johanson, Donald, and Kate Wong. Lucy’s legacy: The quest for human origins. Broadway Books, 2010.

Komar, Debra A., and Jane E. Buikstra. Forensic anthropology: contemporary theory and practice. Oxford University Press, 2008.

Leakey, Richard. The origin of humankind. Basic books, 2008.

Leakey, Richard E., and Roger Lewin. People of the lake: Mankind and its beginnings. Avon Books, 1979.

Lewis-Kraus, G. “Can progressives be convinced that genetics matters.” The New Yorker (2021).

Maples, William R., and Michael Browning. Dead men do tell tales: the strange and fascinating cases of a forensic anthropologist. Crown, 2010.

White, Tim D., and Pieter Arend FolkensThe human bone manual. Elsevier, 2005.

White, Tim D., Michael T. Black, and Pieter Arend Folkens. Human osteology. Academic press, 2011.

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