Haraway: Ciborgues

Questionamentos de o quanto somos “naturais” ou “culturais” e como isso afeta nossa dinâmica de poder.

Em que medida somos seres puramente biológicos? O quanto somos transformados pela tecnologia? Além dos impactos corporais e individuais, o quanto coletivamente somos afetados por estruturas e agentes não humanos?

Donna Haraway: Ciborgues

Quem responde é Donna J. Haraway, uma investigadora dos estudos de ciência e tecnologia e filósofa feminista. Em seu “Manifesto Ciborgue” (1985) e “Saberes Localizados: A Questão da Ciência na Feminista e o Privilégio da Perspectiva Parcial” (1988), Haraway utiliza o ciborgue como metáfora para as suposições implícitas que orientam sua missão e apresenta-o como um ser de agência que tem o potencial de montar confrontos políticos coerentes fora dos mitos da natureza e do humano.

Parte do questionamento da relação entre a ciência e o feminismo, criticando tanto o patriarcado quanto o feminismo ocidental. Diz em seu argumento que já somos todos ciborgues.

O ciborgue

Cibernética e ciborgues são termos que hoje meio que passaram de moda. Mas continuam pertinentes. O ciborgue é um sistema vivo com apêndices não orgânicos. Um ciborgue representa uma rejeição de limites rígidos, como aqueles que separam humanos de animais e humanos de máquinas. Ela rejeita as concepções humanistas ocidentais da personalidade e promove um mundo descorporificado de informação. A teoria do ciborgue de Haraway rejeita a noção de essencialismo e propõe um mundo quimérico de fusões entre animais e máquinas.

Ao longo da história da humanidade, foram quebradas três fronteiras que mudaram a relação entre humanos e máquinas e nossa compreensão do que é cultural ou natural. A primeira fronteira rompida ocorreu no século XIX com a publicação de A Origem das Espécies de Charles Darwin, que revelou a conexão biológica entre todos os organismos e rejeitou as noções de excepcionalismo humano. A segunda fronteira foi quebrada durante a revolução industrial, quando as máquinas se tornaram parte inseparável da vida e das capacidades humanas. A terceira fronteira diz respeito ao avanço tecnológico de máquinas cada vez mais complexas, como os chips semicondutores de silício, que são praticamente invisíveis e se entrelaçam com a natureza, borrando as fronteiras entre o que é cultural e o que é natural. Como resultado, tornou-se difícil determinar onde terminam as máquinas e começam os humanos, e essas máquinas mudaram o significado da existência humana.

Haraway percebe uma consciência coletiva mapeando paralelos entre a estrutura das práticas econômicas e tecnológicas atuais e a capacidade ficcional dos atores humanos para compreender e interagir com uma estrutura ideológica em mudança. Em outras palavras, empregamos tecnologias (não só o “hardware”, mas também o “software”) para criar nosso mundo e nossas pessoas.

A articulação cibernética

A teoria do ciborgue de Haraway é uma interação sistêmica auto-referencial, rizomática e em rede de fenômenos simples, complexos e emergentes que transcende as divisões natureza/humano e sujeito/objeto. Ela propõe uma metáfora material-semiótica sem essencialismo capaz de unir coalizões políticas difusas ao longo das linhas de afinidade em vez de identidade.

O advento da cibernética pode ajudar na construção de um mundo capaz de desafiar as disparidades de gênero. O ciborgue é uma metáfora que explica como as contradições fundamentais na teoria feminista e na identidade devem ser unidas, em vez de resolvidas, semelhante à fusão de máquina e organismo em ciborgues. Haraway critica o feminismo tradicional, especialmente o foco do feminismo na política de identidade e propõe a coalizão através da afinidade. Por isso, haveria mais sentidos grupos articulados pelos seus interesses afins que uma ampla categoria, por exemplo, “mulher”. Isso explicaria os motivos de os movimentos feministas terem reações por várias mulheres que não se sentem representadas por tais movimentos.

A teoria do ciborgue de Haraway tem gerado debate na primatologia, filosofia e biologia do desenvolvimento. No entanto, alguns críticos apontam que a aplicação da teoria do ciborgue é utópica e não leva em consideração questões importantes, como etnicidade e classe. Proponentes do transhumanismo e o advento da Inteligência Artificial avançaram a relação integrativa entre seres humanos e tecnologia. Diante desses fatores, mais tarde Haraway reconceptualizou sua teoria já tem termos de um mundo tentacular.

SAIBA MAIS

Metodologias feministas nas ciências sociais

Haraway, Donna. “A Cyborg manifesto: science, technology, and socialist-feminism in the late twentieth century”, Socialist Review, 15 (2), 1985, p.65-108 (Trad. Bras. Tomaz Tadeu. In: HARAWAY, Donna, KUNZRU, Hari & TADEU, Tomaz, Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano, Belo Horizonte, Autêntica, 2000.

Haraway, Donna. “Situated knowledges: the science question in feminism and the privilege of partial perspective”, Feminist studies, 14 (3), 1988, p. 575-99 (Trad. Bras. Mariza Corrêa, Campinas, Cadernos Pagu (5), 1995, p. 7-41.

Haraway, Donna. Primate visions: gender, race, and nature in the world of modern science, New York and London, Routledge, 1989.

Haraway, Donna.  Simians, cyborgs, and women: the reinvention of nature, New York, Routledge, 1991.

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