Inteligibilidade mútua: poemas poliglotas

No baú de curiosidades coletado nas minhas andanças me fascina como as mesmas referências possam ser entendidas por pessoas de culturas distintas. Aprendi que “cu carnea de vacă nu mori de foame” soa e significa a mesma coisa para um romeno e um brasileiro. Essas raras preciosidades de intelegibilidade mútua praticamente só ocorrem em línguas da mesma família ou com empréstimos substanciais.

Caso aprecie uma ortografia arcaica, leia este poema, tanto em latim quanto em português, dedicado a santa Úrsula:

Canto tuas palmas, famosos canto triumphos,
Ursula divinos, martyr, concede favores.
Subjectas, sacra nympha, feros animosa tyrannos.
Tu Phoenix vivendo ardes, ardendo triumphas.
Illustres generosa choros das, Ursula, bellas,
Das rosa bella rosas, fortes das sancta columnas.
Aeternos vivas annos, O regia planta!

Devotos cantando hymnos, vos invoco sanctas;
Tam puras nymphas amo; O candida turba,
Per vos innumeros de Christo spero favores.

Se você entendeu o poema acima, você pode dizer que sabe latim. 😛

Esse poema faz parte do folclore de amantes da língua e circula anomimamente já um tempo. Encontrei-os em livros do século XIX, mas há menção de que certo livro Origen de la lengua portuguesa de Duarte Núñez de León (Lisboa, 1606) publicou esse poema latim-português dizendo-lhe anônimo.

O quinhentista Jorge de Montemor compôs este soneto que é tanto espanhol (castelhano) quanto português sem ser portunhol.

Amor con desamor se esta pagando,
Dara paga pegada estranamente,
Duro mal de sentir estando ausente
De mihi que vivo en pena lamentando.

O mal, porque te vas manifestando?
Bastavate matarme occultamente,
Que en fe de tal amor, como prudente,
Podiais, esta alma atormentando.

Considerar podia Amor de mi,
Estando en tanto mal que desespero,
Que en firme fundamento este fundado.

Ora se espante Amor en verme assi,
Ora digo que passo, ora que espero
Sospiros, desamor, pena, cuidado.

SAIBA MAIS

Southey, Robert. Letters written during a journey in Spain and a short residence in Portugal. Vol. 1. Longman, Hurst, Rees, and Orme, 1808. pp. 62-63.

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