Said: Orientalismo

orientalismo
Qual desses lugares estão no “Oriente”? Um shopping em Dubai e a Fiocruz no Rio.

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução de Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. [Originalmente: Orientalism. New York: Vintage, 1978.]

O livro fundamenta-se na tese que o “Ocidente” inventou o “Oriente” por meio do exoticismo literário e científico. Autores ocidentais agruparam povos e nações distintas do norte da África, dos países árabes, da Pérsia e do subcontinente indiano em um só balaio.

A obra inicia-se com o discurso do político britânico Arthur Balfour justificando o colonialismo. Balfour trata com condescendência o caráter ingênuo dos “orientais” enquanto defende a missão civilizatória dos Europeus no Egito.

Said demonstra como a geografia imaginada do Oriente foi construída, inicialmente com estudos filológicos, depois com modas nas artes e literatura, por fim nas ciências sociais. Esse mito transforma-se em discurso que alimenta decisões políticas imperialistas e colonialistas. Em contrapartida, o Oriente ajudou a definir o Ocidente (ou a Europa) por meio de contraste.

A fonte do material baseia-se em um estudo de literatura comparada. São copiosas as alusões a diversos autores. Serviram de base as obras do filólogo e fundador do orientalismo como disciplina Silvestre de Sacy,  do historiador e semitologista (e anti-semita) Ernest Renan, além de romances como Salammbô de Flaubert, traduções e narrativas de viagens de Richard Burton, bem como as aventuras de Lawrence da Árabia.

Apesar das denúncias contra as representações preconceituosas, Said não faz de sua obra um manifesto em reclamação do tratamento recebido. O autor aconselha contra as generalizações apressadas e convida a incluir a perspectivas dos sujeitos em qualquer estudo. Por fim, chama a atenção para definir o âmbito de um objeto de estudo como primeiro passo para uma análise válida.

Como referencial, Said emprega a noção de discurso conforme utilizada por Foucault. Ou seja, considera a expressão discursiva em face ao poder. A distinçao estrutural entre “nosso” e “deles” para reduzir os diversos países e povos de regiões distintas no Oriente, Desse modo, o Oriente é tido como místico, sexualizado, violento, ingênuo, bruto, incivilizado, dentre outros atributos imaginados.

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Bazar turco. Óleo sobre tela. Amadeo Preziosi. 1854.

Recepção e crítica

As críticas contra a obra de Said se concentram nas generalizações feitas sem rigor metodológico. Por exemplo, Said coloca ao mesmo patamar arabistas que viajaram pelo Levante com autores de ficção que somente tinham informações preconceituosas e romantizadas sobre a região. Em diferentes épocas e entre diferentes países da Europa e América do Norte, houve diferentes atitudes em relação ao “Oriente” as quais Said não abordou.

Ainda que as críticas sejam pertinentes, é inegável a relevância de Orientalismo como paradigma de análise das relações coloniais. Na teoria da literatura, o foco das representações ganha corpo com essa obra, especialmente nos estudos subalternos e na leitura pós-colonial. O conceito de orientalismo como exemplo de simplificação preconceituosa dos “Outros” permanece válido.

O paradigma de Said serve para compreender as representações enviesadas da África, América Latina, Leste Europeu, nações insulares do Pacífico e a Ásia. Por exemplo, esse paradigma serve para desmascarar as descrições hollywoodianas que tanto incomodam os brasileiros de verem sua nação representada em filmes como uma selva tropical cheia de traficantes, macacos nas ruas, a favela como única forma de vida urbana e o povo dançando salsa e comendo tortilhas. Por outro lado, como os autores “progressistas” do início do século XX que tentavam demonstrar o quanto o Brasil era “civilizado”, há representações distorcidas pela xenofilia. Uma leitura apressada de Said levaria a pensar que o autor quer apresentar o “Oriente” como civilizado conforme os parâmetros europeus. Mas o autor é cuidadoso.

O autor continuou a discorrer sobre o discurso essencialista sobre o Oriente em Covering Islam (1981) e Culture and Imperialism (1993), mas muda seu tom. Passa para uma postura menos confrontante e focada na complexidade das relações coloniais e das diferenças internas entre os colonizadores. Faz uma leitura positiva das obras colonialistas de Joseph Conrad e Rudyard Kipling sobre a África e a Índia, buscando distinguir entre a criatividade literária e o discurso com fins racistas. Entretanto, não poupa o retrato que as mídias, principalmente jornalísticas, fazem do Islam como monolítico, anti-intelectual, opressor, fundamentalista e violento.

Conteúdo

Introdução
1-O âmbito do orientalismo

Conhecer o oriental

A geografia imaginativa e suas representações: orientalizar o oriental

Projetos

Crise

2- Estruturas e reestruturas orientalistas

Fronteiras retraçadas, questões redefinidas, religião secularizada

Silvestre de Sacy e Ernest Renan: antropologia racional e laboratório filológico

Residência e erudição no Oriente: os requisitos da lexicografia e da imaginação

Peregrinos e peregrinações, ingleses e franceses

3- O orientalismo hoje

Orientalismo latente e manifesto

Estilo, perícia, visão: a secularização do orientalismo

O orientalismo anglo-francês moderno em pleno vigor

A fase mais recente

O autor

Edward Said (1930-2003) era um crítico literário palestino-americano. Nascido em uma rica família cristã em Jerusalém, fez sua educação superior nos Estados Unidos, onde trabalhou em várias universidades, especialmente em Columbia. Em 1948 estava estudando no Cairo quando da criação do Estado de Israel. Somente pode retornar à Palestina em 1990. Uma das vozes mais articuladas da resistência palestina nos Estados Unidos, foi um defensor da solução dos dois estados e da coexistência pacífica entre palestinos e israelenses.

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