O paradoxo dos salários dos executivos

Businessman Profit Capital Market Finance Boom

Tendo conhecido alguns executivos tanto em contextos pessoais quanto profissionais, não conseguia imaginar a razão de eles ganharem salários de seis dígitos. Embora esses CEOs, CFOs,  COOs, vice-presidentes e diretores fossem profissionais capacitados; em quase nada seus currículos diferenciavam de gerentes de estratos intermediários em suas organizações. Mas, por que proprietários, acionistas e conselhos diretores estavam dispostos a pagar salários e bonificações tão díspares entre o alto escalão e os gerentes intermediários?

Com base em algumas organizações privadas de alcance internacional, notei que tanto o alto escalão quanto os níveis gerenciais eram compostos por graduados em instituições renomadas, possuíam MBAs ou outra credencial avançada, falavam línguas e possuíam uma rede de contatos razoável. Vale ressaltar que ambas as categorias dedicavam-se ao cargo até de forma prejudicial à vida privada, corriam riscos semelhantes e respondiam com atitude profissional às pressões de diversos stakeholders.

A questão não é nova. A tese Davis-Moore (1945) continua a ser usada para explicar as diferenças salariais com base nos diferentes valores que a sociedade e shareholders atribuem a diferentes cargos. Segundo esse argumento, posições de liderança mereceriam maiores recompensas porque são cargos funcionalmente mais importantes; portanto, devendo ser mais competitivos e com maiores requisitos para sua candidatura. Contudo, como Melvin Tumin (1953) apontou, essa tese não explica o mecanismo de atribuição de valores a diferentes cargos tampouco a medida das desigualdades.

Essa diferença em ganhos pode ter suas justificativas propostas por administradores, gestores de recursos humanos e economistas; mas gostaria de apontar algumas hipóteses com base na antropologia econômica e na antropologia corporativa.

O peso simbólico da marca pessoal

Os altos salários dos executivos contrariam a lei da oferta e da procura. Dessa lei microeconômica infere-se que quanto maior a oferta de um bem ou serviço, menor seu preço. Ora, gente qualificada querendo receber os gordos contracheques dos executivos tem de monte. Porém, o preço do salário não cai. As anomalias da lei da oferta e da procura são clássicas. Uma delas é a dos bens de Giffen que, com o aumento de preços globais, aumenta a procura por eles — geralmente são bens baratos procurados por quem tem poucas alternativas. Outra exceção são os bens de Veblen, cuja curva de demanda tende a acompanhar seu preço, tornando-se mais desejáveis exatamente porque são caros, sendo símbolos de prestígio. Esse último tipo de bem, por sua conotação simbólica do prestígio, é um conceito teórico caro aos antropólogos.

Como um bem de Veblen, o executivo (na verdade sua marca pessoal) pode ser visto como uma marca de luxo: headhunters ofereceriam ganhos altos aos detentores de uma imagem pessoal cuidadosamente trabalhada. E conselhos de compensação ou conselhos diretores ficam felizes em fazer “a coisa certa” e adquirir estrelas. Isso explicaria a relutância de muitas organizações demitirem executivos renomados mas com baixa performance, pois seria assumir o erro e a inépcia de investir em alguém com parcos resultados. Por tal razão, contratam um executivo que esteve à frente de uma renomada rede de supermercados para dirigir empresa de TI da qual ele não tem a menor noção do produto ou da indústria. Desse modo, ou o executivo acaba ganhando a mesma coisa (ou até mais) quando a companhia vai mal das pernas ou sairia levando uma generosa compensação.

Cooptação social e meritocracia

O antropólogo David Graeber notou a existência de cargos de alto escalão que são verdadeiros enxugadores de gelo (bullshit jobs). Graeber apresenta como a hipótese justificadora dessas sinecuras obviamente antieconômicas seu aspecto estrutural. O próprio sistema capitalista desenvolveu tecnologias que poderiam reduzir o trabalho, mas esse crescimento tecnológico aumentou as atribuições de certas categorias. Trabalhadores de setores táticos e operacionais podem ser alcançados a qualquer tempo via celulares e o computador permite que um só faça tarefas antes realizadas por equipes inteiras. No alto escalão, cargos com tarefas não muito bem definidas na estrutura organizacional servem como postos de desejos motivando os andares de baixo. E ganham muito.

Talvez você queira seguir os passos desses CEOs e embolsar essa grana, talvez você creia que eles galgaram esses cargos por mérito próprio. Crenças respeitáveis, e sinta-se livre para usar essas informações para chegar ao topo. Todavia, como ator a alimentar esse discurso, você perpetua essa própria estrutura de desigualdade. Por cooptação social, você sente-se desobrigado a mudar as coisas como estão e almejá-las para si. E quando o conquistar, sente-se digno dele e resistirá a qualquer mudança.

A economia política dos altos salários

Como no ditado “não há almoço grátis” (ou como diriam os antropólogos, não há presentes desinteressados). Alguém paga o pato ou a contraprestação pelos altos salários dos executivos. O custo é repassado ao consumidor, retirado dos acionistas ou convertido em externalidades.

Como mencionado, o gerenciamento do alto escalão e dos níveis intermediários correm riscos semelhantes. Ou seja, o barco afunda para ambos os estratos, mas internamente há uma assimetria dos riscos. A estrutura organizacional favorece uma distribuição desigual de riscos. O alto escalão assume a face pública da corporação. É quem levará os louros se tudo correr bem, será culpado aos olhos do mercado (mas raramente responsabilizado judicialmente) se a coisa desandar. Na prática, as decisões táticas e estratégicas acabam sendo feitas pelo médio escalão, sendo meramente homologadas (rubber stamped) por um alto escalão que por vezes não tem a mínima noção técnica do que está acontecendo. Na pressão por resultados com o discurso de “queremos soluções e não problemas” delegada aos níveis subalternos, o alto escalão se mantém limpo enquanto os gerentes e analistas — ambiciosos e instáveis — fazem o trabalho sujo: a contabilidade “criativa”, a evasão fiscal, o inside trading, o desvio fraudulento de patrimônio da empresa para especular e depois devolver, esquemas pump and dump, dentre outros. Quando não atingem o resultado esperado, acabam demitidos, processados, presos e o alto escalão contrata um bom relações públicas para dar uma polida da imagem corporativa e chama o próximo gerente para ser pressionado.

Entre 1980 e 2000 o salário anual dos CEOs nos Estados Unidos aumentou 600%, enquanto a renda da classe média cresceu pouco e a dos mais pobres encolheu. Essa transferência negativa de renda reflete no aumento da inflação ao consumidor, crescimento do precariado e nos baixos salários generalizados.

Os danos públicos de incidentes antropogênicos (não são acidentes se eram resultados previstos) do derramamento de petróleo no Golfo do México em 2010 e a avalanche de lama da barragem da Samarco em Mariana em 2016 retratam casos de organizações com executivos com renda alta e baixa responsabilidade. Após a catástrofe no golfo do México, o executivo Bob Dudley da BP teve o salário triplicado, ganhando £5 milhões enquanto um executivo da área de mineração no Brasil recebe os modestos R$700 mil por ano. Enquanto isso um pescador de subsistência nessas regiões afetadas perdeu suas fontes de renda, senão a saúde ou a vida.

Consequências

Adam Smith era contra corporações públicas, regimes que incluem as sociedades anônimas do ordenamento jurídico brasileiro, por separar a propriedade da gestão e, consequentemente, uma administração despreocupada com os resultados globais. Como motivador, muitas companhias recompensam seus executivos com ações preferenciais, pois ganhariam dividendos com a rentabilidade da empresa. Entretanto, também possuem informações privilegiadas para se livrarem das ações de antemão quando o empreendimento ameaçar afundar.

Não importa qual ideologia politico-econômica siga, tanto para garantir uma maior isonomia quanto para garantir uma maior efetividade nos empreendimentos, a disparidade salarial é um problema a ser considerado. Exemplos da etnografia providenciam modelos alternativos de liderança, principalmente o conceito de economia de prestígio. Marshall Sahlins notou a existência do Big Man nas sociedades da Melanésia e da Polinésia. Em várias dessas sociedades com organização social mais horizontais, a liderança era reconhecida nos homens que desenvolviam suas atividades sociais — econômica, ritual e militar — com maior desenvoltura, sem que necessariamente isso se traduzisse em maiores ganhos materiais. Há ainda exemplos mais diametralmente oposto ao da liderança das grandes organizações do capitalismo. No potlach, instituição estudada por Franz Boas entre os povos da Costa Noroeste do Pacífico, o líder era quem mais acumulava e redistribuía bens. Ou seja, materialmente era quem menos ganhava.

Em uma sociedade de mercado os executivos não precisariam ter os rendimentos das economias de prestígio. Mas boas práticas de transparências salariais e uma proporção menos díspar entre o maior e menor salário dentro da organização seriam bem-vindas. Era a ideia de Platão, quando no livro V de As Leis aconselhava limitar a diferença dos ganhos dos atenienses na proporção 5:1.

VEJA TAMBÉM

SAIBA MAIS

ARIELY, Dan. Bogus Bonuses and C.E.O. Salaries. 2012

DAVIS, Kingsley; MOORE, Wilbert E. Some principles of stratification. American sociological review, v. 10, n. 2, p. 242-249, 1945.

HO, Karen. Liquidated: An Ethnography of Wall Street. Durham: Duke University Press, 2009. DOI: https://doi.org/10.1215/9780822391371

MISHEL, Lawrence; DAVIS, Alyssa. CEO pay continues to rise as typical workers are paid less. Issue Brief, v. 380, 2014.

Survey Results Show a Median CEO Pay Ratio of 140:1

The best performing companies pay their CEOS relatively less

The CEO-Worker Pay Gap: U.S. corporations have now begun reporting ratio data for the first time ever

TUMIN, Melvin M. “Some Principles of Stratification: A Critical Analysis.” American Sociological Review 18, no. 4 (1953): 387-94. http://www.jstor.org/stable/2087551. DOI: https://dx.doi.org/10.2307/2087551

4 comentários em “O paradoxo dos salários dos executivos

Adicione o seu

  1. Retratou perfeitamente o que se passa dentro das grandes S/As.

    Ocupei vários cargos de chefia e diretoria em uma grande empresa brasileira. Nós do segundo escalão tínhamos mais expertise e contatos que o presidente e o CEO, que eram apadrinhados dos acionistas majoritários e ganhavam 9x a mais que nós.

    Adivinha quem fazia todo o trabalho? Quem tomava as decisões? Mas quem levava todos os créditos?

    Quando veio a crise, começou o desespero para recuperar o valor das ações. Contratamos uma consultoria renomada que recomendou reestruturar uns setores, remanejar o pessoal e segurar o máximo o aumento dos salários e de bônus durante a crise.

    Conclusão: não só aumentaram o salário mas deram stock option para os executivos. Foi um corre-corre para fechar setores e liquidar o patrimônio. O clima organizacional virou um lixo. A produtividade dos níveis táticos e operacionais caiu. Por poucos meses as ações subiram, os executivos venderam suas ações e pouco a pouco estão pulando do barco (eu inclusive). Depois o valor das ações despencaram.

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Um site WordPress.com.

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: