Uma caixa de ferramentas teórica e metodológica para a análise do discurso
1. O que é análise do discurso
A análise do discurso é uma abordagem crítica e método de pesquisa para estudar a linguagem escrita, falada e mesmo não verbal em relação ao seu contexto social. O objetivo é entender como a linguagem é usada para criar significado e moldar a realidade social.
A análise do discurso surgiu na década de 1970, baseando-se em diversas disciplinas como linguística, sociologia, filosofia e antropologia. Esse período marcou uma mudança de enfoque, passando da linguagem como um sistema abstrato para a linguagem como uma prática social.
A análise do discurso criticou a abordagem estruturalista dominante, que priorizava as regras e estruturas formais da linguagem. Em vez disso, enfatizou a importância do contexto e do uso da linguagem em situações reais. Ao invés de considerar a linguagem em um vácuo ideológico, a análise do discurso insiste que linguagem está entrelaçada com as relações de poder e molda nossa compreensão do mundo. Rejeitou também a atomização analítica em frases individuais, examinando antes unidades maiores de linguagem, como conversas, textos e discursos, para entender como o significado é construído no contexto. Nisso surgiu um interesse pelo uso da linguagem no cotidiano, como conversas, textos da mídia e discursos políticos. Também utilizou novas tecnologias, como gravações de áudio e vídeo.
A Análise do Discurso não se resume à aplicação mecânica de teorias e métodos. É preciso ter um olhar crítico e reflexivo, selecionando as ferramentas mais adequadas para cada análise e interpretando os resultados de forma contextualizada. A aplicação crítica dos pressupostos teóricos permite ir além da descrição superficial dos textos, revelando as camadas mais profundas de sentido e as relações de poder que se escondem por trás da linguagem.
Cada gênero textual possui características linguísticas e discursivas específicas que contribuem para a construção de sentidos. A Análise do Discurso busca identificar e analisar esses mecanismos, como as escolhas lexicais, as estruturas sintáticas, os recursos retóricos, a organização textual e os elementos não verbais. Essa análise detalhada permite desvendar as estratégias discursivas utilizadas para persuadir, emocionar, informar, construir identidades e reproduzir ou contestar ideologias.
O discurso não é apenas um reflexo da realidade, mas também a constrói ativamente. Através da linguagem, interagimos com o mundo, construímos nossas identidades, negociamos significados e nos posicionamos socialmente. A Análise do Discurso investiga como o discurso molda nossas subjetividades e como nos constituímos como sujeitos sociais através da interação verbal. Compreender esses processos é fundamental para analisar criticamente as relações de poder e as formas de dominação presentes nos discursos.
O discurso é um fenômeno complexo que ocorre na intersecção entre linguagem, sociedade e cultura. Por isso, a Análise do Discurso dialoga com diversas disciplinas, como a Linguística, a Sociologia, a História, a Filosofia, a Psicologia e a Antropologia. Essa interdisciplinaridade é essencial para compreender as múltiplas dimensões do discurso e para construir análises mais completas e sólidas. A articulação com outras áreas do conhecimento amplia o escopo da análise, permitindo investigar as relações entre discurso e poder, ideologia, identidade, gênero, raça, etc.
Os conceitos da análise do discurso estão interligados. A língua é a base do discurso, que se constrói na interação entre pessoas. Os atos de fala são as ações que realizamos ao falar, e a argumentação é um tipo de discurso que visa persuadir. A heterogeneidade discursiva e a materialidade linguística mostram que o discurso é complexo e multifacetado. Os gêneros textuais e as tipologias discursivas são formas de organizar o discurso, e o dialogismo e a polifonia mostram que o discurso está sempre em relação com outros discursos.
Relembre os principais conceitos
- Língua: É o sistema de signos (palavras, sons, gestos) que usamos para nos comunicar. Pense nela como um conjunto de regras e elementos que todos compartilhamos.
- Exemplo: A língua portuguesa, com suas regras gramaticais e vocabulário.
- Discurso: É o uso da língua em um contexto específico, com um objetivo comunicativo. É a língua em ação, carregada de sentidos e ideologias.
- Exemplo: Um discurso político em um comício, um artigo de jornal, uma conversa entre amigos.
- Interação: É a troca de mensagens entre duas ou mais pessoas, seja de forma verbal ou não verbal. O discurso se constrói na interação.
- Exemplo: Uma conversa em um aplicativo de mensagens, uma entrevista de emprego, uma aula.
- Ato de fala: É a ação que realizamos ao falar, como prometer, ordenar, perguntar, etc. Cada ato de fala tem uma intenção por trás.
- Exemplo: “Eu prometo que vou estudar” (promessa), “Feche a porta!” (ordem), “Que horas são?” (pergunta).
- Argumentação: É o processo de apresentar argumentos (razões, evidências) para defender uma ideia ou persuadir alguém.
- Exemplo: Um debate sobre um tema polêmico, um texto de opinião, uma propaganda.
- Heterogeneidade discursiva: O discurso é heterogêneo, ou seja, é formado por diferentes vozes e perspectivas, que podem ser explícitas ou implícitas.
- Exemplo: Em um artigo de jornal, podemos identificar a voz do autor, as vozes de outras pessoas citadas e as vozes implícitas das ideologias que circulam na sociedade.
- Materialidade linguística: O discurso se materializa através da linguagem, ou seja, as escolhas linguísticas (palavras, estruturas gramaticais) que fazemos refletem e constroem o sentido do discurso.
- Exemplo: O uso de palavras como “terrorista” ou “combatente da liberdade” para se referir a uma mesma pessoa, dependendo da posição ideológica de quem fala.
- Gêneros textuais: São formas relativamente estáveis de discurso que se caracterizam por sua função social, estrutura e estilo.
- Exemplo: Notícia, conto, poema, receita, email, etc.
- Tipologias discursivas: São categorias mais amplas que agrupam gêneros textuais com características semelhantes em termos de sua função e estrutura.
- Exemplo: Narrar, descrever, argumentar, expor, injungir.
- Dialogismo: Todo discurso é dialógico, ou seja, está em diálogo com outros discursos que o antecederam e o sucederão. O discurso se constrói em relação a outros discursos.
- Exemplo: Um discurso político que responde a críticas de um adversário, um artigo científico que se baseia em pesquisas anteriores.
- Polifonia: O discurso é polifônico, ou seja, contém múltiplas vozes, que podem concordar ou discordar entre si. Essas vozes podem ser explícitas (citações) ou implícitas (referências, alusões).
- Exemplo: Um romance que apresenta diferentes personagens com diferentes pontos de vista, um artigo de opinião que cita diferentes autores.

Aqui está um guia passo a passo sobre como realizar uma análise do discurso:
2. Escolha o referencial teórico
O enquadramento teórico define terminologias convencionadas, diferentes focos e escopos, quais e como fazer as questões de pesquisa. Enfim, define o quê e como procurar algo em um discurso.
A Análise do Discurso não é um campo monolítico. Existem diferentes modelos teóricos, cada um com seus pressupostos, conceitos-chave e métodos de análise. Dominar essas diferentes perspectivas, como a Análise do Discurso de linha francesa (Pêcheux), a Análise Crítica do Discurso (Fairclough) e a Linguística Sistêmico-Funcional (Halliday), permite ao analista escolher a abordagem mais adequada ao objeto de estudo e à questão de pesquisa. A pluralidade de modelos teóricos enriquece a análise, oferecendo diferentes lentes para interpretar os fenômenos discursivos.
1. Análise do Discurso Foucaultiana
- Figura chave: Michel Foucault
- Foco: Como as relações de poder são moldadas e mantidas por meio do discurso. Examina como o discurso constrói conhecimento, verdade e identidade, e como essas construções são usadas para exercer poder e controle.
- Conceitos: Poder/saber, discurso, episteme, arqueologia do conhecimento, genealogia.
- Exemplo: Analisar como o discurso médico constrói a ideia de “loucura” e como essa construção tem sido usada para justificar o controle e o confinamento de indivíduos considerados doentes mentais.
2. Análise Crítica do Discurso (ACD)
- Figuras chave: Norman Fairclough, Ruth Wodak, Teun van Dijk
- Foco: Expor como a linguagem e o discurso são usados para manter a desigualdade social e a injustiça. A ACD tem uma postura mais engajada politicamente, buscando explicitamente denunciar e combater injustiças sociais. Analisa textos e interações para revelar estruturas de poder e ideologias ocultas.
- Conceitos: Ideologia, hegemonia, poder, desigualdade social, discurso, texto, contexto.
- Exemplo: Examinar como o discurso da mídia representa imigrantes e refugiados, e como essa representação pode contribuir para o preconceito e a discriminação.
3. Análise do Discurso Pecheuxiana
- Figura chave: Michel Pecheux
- Foco: Como o discurso é moldado por estruturas ideológicas subjacentes e como os indivíduos são posicionados dentro dessas estruturas. Baseia-se na teoria marxista para analisar a relação entre linguagem, ideologia e sujeito.
- Conceitos: Ideologia, interpelação, posição de sujeito, discurso, materialismo.
- Exemplo: Analisar como o discurso político interpelata os indivíduos como “trabalhadores” ou “capitalistas” e como esse posicionamento influencia sua compreensão das questões sociais e econômicas.
4. Análise de Conversação ou Análise Conversacional (AC)
- Figuras chave: Harvey Sacks, Emanuel Schegloff, Gail Jefferson
- Foco: A análise minuciosa de conversas que ocorrem naturalmente. A AC foca na organização sequencial da conversa, nas regras e nos mecanismos que regem a interação face a face. Examina como as pessoas usam a linguagem para gerenciar a interação social, atingir objetivos específicos e construir a ordem social.
- Conceitos: Turnos de fala, pares adjacentes, reparo, organização de preferências, organização sequencial.
- Exemplo: Analisar como as pessoas iniciam e respondem a reclamações em conversas cotidianas e como essas interações são estruturadas e organizadas.
5. Etnografia da Comunicação e Linguística Textual (LT)
- Figuras chave: Dell Hymes, John Gumperz
- Foco: Como a linguagem é usada em diferentes contextos culturais. A LT se concentra nas características linguísticas do texto em si, enquanto a AD vai além, analisando o texto como um produto social e ideológico, inserido em um contexto específico. Examina a relação entre linguagem, cultura e comunicação e como esses fatores moldam a interação social.
- Conceitos: Competência comunicativa, comunidade de fala, evento de fala, ato de fala, contexto.
- Exemplo: Analisar como diferentes grupos culturais usam a linguagem para expressar polidez ou como usam a comunicação não verbal em diferentes ambientes sociais.
6. Sociolinguística Interacional e Linguística Textual (LT)
- Figuras chave: John Gumperz, Deborah Tannen
- Foco: Como a linguagem é usada para criar e negociar significado social na interação. Examina o papel do contexto, da cultura e da variação individual na configuração da comunicação. Inspirada em abordagens interacionistas de Erving Goffman.
- Conceitos: Pistas de contextualização, quadros, footing, estilo, identidade.
- Exemplo: Analisar como os mal-entendidos surgem na comunicação intercultural devido a diferenças nas pistas de contextualização ou estilos de comunicação.
7. Psicologia Discursiva
- Figuras chave: Jonathan Potter, Margaret Wetherell
- Foco: Como os fenômenos psicológicos são construídos e negociados por meio do discurso. Desafia as abordagens cognitivas tradicionais da psicologia e enfatiza a natureza social e discursiva da mente.
- Conceitos: Construcionismo social, discurso, identidade, memória, emoção.
- Exemplo: Analisar como as pessoas falam sobre suas memórias e como esses relatos são moldados por fatores sociais e discursivos.
8. Análise do Discurso Institucional
- Figura chave: Alice Krieg-Planque
- Foco: Análise dos discursos institucionais e da maneira como eles constroem a realidade social e legitimam o poder. Enfatiza a identificação e a análise das “fórmulas” discursivas que cristalizam em questionamentos ou reforços das situações sociais e políticas (enjeux).
- Conceitos: Contexto institucional, fórmula discursiva, discurso de poder, legitimação, enjeux sociais.
- Exemplo: Analisar os discursos das instituições educativas sobre a “sucesso escolar” para identificar as fórmulas utilizadas e compreender como elas constroem uma determinada visão da educação e dos alunos.
9. Linguística Sistêmico-Funcional (LSF)
- Figura chave: Michael Halliday
- Foco: Compreender como a linguagem funciona como um sistema para construir significados em contextos sociais. A LSF analisa a linguagem como um recurso para a realização de ações sociais, com foco na função comunicativa dos enunciados.
- Conceitos chave:
- Metafunções da Linguagem:
- Ideacional (representar o mundo): Transitividade (tipos de processos), participantes, circunstâncias.
- Interpessoal (interagir com os outros): Modalidade (probabilidade, obrigação), tom (relações de poder), avaliação (atitudes).
- Textual (organizar o mundo): Tema/Rema (organização da informação), coesão (ligação entre elementos).
- Registro: Variação da linguagem de acordo com o contexto situacional (campo, teor e modo).
- Sistema: A linguagem como um conjunto de escolhas inter-relacionadas.
- Semântica: Ênfase no significado e na função dos elementos linguísticos.
- Metafunções da Linguagem:
- Exemplo de Análise: Analisar um artigo científico para identificar como a informação é organizada no texto? Quais os recursos coesivos utilizados? Qual a função do Tema e do Rema em cada oração? Quais os processos (ações, eventos, estados) que estão sendo descritos? Quais os participantes envolvidos? Quais as circunstâncias?Qual a postura do autor em relação ao tema? Que tipo de modalidade é utilizada? Como o autor se relaciona com o leitor?
Dentre os referenciais teóricos, podemos destacar três grandes tendências:
- Formalistas:
- Foco na estrutura e organização do discurso, utilizando ferramentas linguísticas para analisar padrões e regularidades.
- Influenciada pela linguística estruturalista e gerativa.
- Exemplos: Análise do Discurso de linha francesa (Pêcheux), Gramática Sistêmico-Funcional (Halliday).
- Sociológicas:
- Ênfase no contexto social e nas relações de poder que influenciam a produção e interpretação do discurso.
- Influenciada pela sociologia, antropologia e etnografia.
- Exemplos: Etnografia da Fala (Hymes), Sociolinguística Interacional (Gumperz).
- Históricas:
- Investigação da relação entre o discurso e o contexto histórico, buscando compreender como as mudanças sociais e culturais afetam a produção de sentidos.
- Influenciada pela história, filosofia e estudos culturais.
- Exemplos: Nova História (Burke), História das Ideias (Foucault).
Essas tendências não são excludentes, e muitas vezes se complementam na análise do discurso. Uma análise completa pode combinar elementos formalistas, sociológicos e históricos para obter uma compreensão mais abrangente do discurso e seus efeitos.
3. Defina a Questão de Pesquisa
Comece com uma pergunta clara e limitada que oriente sua análise. O que você está interessado em explorar? Por exemplo:
- Como o gênero é representado em discursos de campanhas políticas X?
- Como os artigos de notícias sobre Y enquadram uma questão social específica?
- Como as interações médico-paciente do SUS refletem as dinâmicas de poder na área da saúde no período Z?
- Como as comunidades religiosas W enfrentam tensões políticas polarizadas no país V?
4. Selecione os textos
Escolha os textos que você deseja analisar. Podem ser:
- Textos escritos: livros, artigos, discursos, postagens de mídia social, documentos legais.
- Linguagem falada: entrevistas, conversas, grupos focais, discursos.
- Linguagem não verbal: perfomances, ilustrações.
5. Transcreva e produção de corpus
- Se você estiver trabalhando com linguagem falada, crie uma transcrição escrita.
- Crie um corpus se estiver analizando um conjunto de texto maior.
6. Codifique o Texto
Leia os textos várias vezes e codifique sistematicamente os recursos relevantes. Preste atenção às:
- Escolhas linguísticas: escolha de palavras, metáforas, pronomes, gramática.
- Argumentações retóricas: repetição, enquadramento, perguntas, apelos emocionais.
- Temas e tópicos: ideias, argumentos ou perspectivas recorrentes.
- Estrutura e organização: como o texto é organizado, quem fala ou é citado e em que ordem.
- Pistas contextuais: quem criou o texto, quando e para qual público?
7. Analise padrões e relacionamentos
Identifique padrões e relacionamentos nos códigos. Procure por:
- Discursos dominantes: quais perspectivas ou ideologias são mais proeminentes?
- Vozes excluídas ou marginalizadas: quais vozes estão ausentes ou minimizadas?
- Silêncio e ênfases: como alguns assuntos são silenciados e outros vocalizados?
- Contradições e inconsistências: existem tensões ou inconsistências no texto?
- Relações entre linguagem e contexto: como a linguagem usada se relaciona ao contexto social e histórico em que foi produzida?
- Tons e subentendidos: quais tons, sentimentos, inuendos presentes no texto?
8. Interpretação
Com base em sua análise, interprete o significado do texto em relação à sua pergunta de pesquisa. Considere:
- Quais são as principais mensagens transmitidas pelo texto?
- Como o texto contribui para nossa compreensão do fenômeno social que você está estudando?
- Quais são as implicações de suas descobertas?
9. Redija suas descobertas
Apresente sua análise de forma clara e organizada. Inclua:
- Uma introdução com sua pergunta de pesquisa e contexto.
- Uma descrição da sua metodologia.
- Uma apresentação de suas descobertas, incluindo exemplos do texto.
- Uma discussão das implicações de suas descobertas.
10. Considerações importantes:
- Reflexividade: esteja ciente de seus próprios preconceitos e suposições e como eles podem influenciar sua análise.
- Contexto: sempre considere o contexto social e histórico mais amplo em que o texto foi produzido.
- Múltiplas interpretações: reconheça que pode haver múltiplas interpretações do mesmo texto.
11. Ferramentas para Análise do Discurso:
Para auxiliar a análise do discurso há ferramentas de método qualitativo:
- Software de análise de dados qualitativos: programas como NVivo, Atlas.ti e MAXQDA podem ajudar na codificação e organização de seus dados.
- Ferramentas de análise de texto: algumas ferramentas podem ajudar a identificar padrões no uso da linguagem, como frequência de palavras ou análise de sentimentos.
- Uso de AI, como o Perplexity e Gemini. Se utilizar versões gratuitas, crie prompts detalhados, divida o texto em trechos menores para uma análise inicial e reanalise o texto todo.
12. Dialogue com os autores e referenciais teóricos.
Contraste suas descobertas com interlocutores clássicos e contemporâneos da Análise do Discurso. Uma sugestão de autores:
Ferdinand de Saussure (Linguística Estruturalista)
- Conceito de língua como sistema: Saussure concebeu a língua como um sistema de signos inter-relacionados, onde o significado surge da diferença entre os elementos. Essa noção foi fundamental para a AD, pois deslocou o foco da análise da linguagem do indivíduo para o sistema, abrindo caminho para a investigação das estruturas e regras que regem a produção de sentido.
- Distinção entre língua e fala: A diferenciação entre língua (sistema abstrato) e fala (uso individual da língua) permitiu que a AD se concentrasse na língua como estrutura social e ideológica, e não apenas como expressão individual.
Louis Althusser (Marxismo Estruturalista)
- Conceito de ideologia: Althusser via a ideologia como um sistema de representações que molda a maneira como as pessoas percebem o mundo e a si mesmas. Essa noção foi central para a AD, que passou a investigar como a ideologia se manifesta e se reproduz através do discurso.
- Aparelhos Ideológicos de Estado: A teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIEs), como escolas, igrejas e mídia, mostrou como a ideologia opera não apenas por meio da coerção, mas também pela persuasão e pela construção do consenso. A AD passou a analisar como esses AIEs utilizam o discurso para difundir e manter ideologias dominantes.
Michel Foucault (Arqueologia do Saber e Genealogia do Poder)
- Discurso e poder: Foucault demonstrou como o discurso está intrinsecamente ligado às relações de poder, produzindo “regimes de verdade” que definem o que é aceitável e o que é excluído em uma determinada época. A AD, inspirada por Foucault, passou a investigar como o discurso constrói sujeitos, identidades e conhecimentos, e como esses processos se relacionam com exercício de poder.
- Formações discursivas: O conceito de formação discursiva, como um conjunto de regras e práticas que regulam a produção de enunciados em um determinado contexto, forneceu à AD ferramentas para analisar as regularidades e os limites do discurso.
Jacques Lacan (Psicanálise)
- O sujeito e o Outro: A teoria lacaniana do sujeito dividido entre o consciente e o inconsciente, e a importância do Outro (linguagem e cultura) na constituição do sujeito, influenciou a AD na compreensão de como o discurso molda a subjetividade e a identidade.
- O inconsciente estruturado como linguagem: A ideia de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem levou a AD a explorar as dimensões simbólicas e inconscientes do discurso, revelando os significados ocultos e as contradições presentes nos textos.
Jean Dubois (Linguística)
- Enunciação: Dubois contribuiu para a AD com a noção de enunciação, que destaca a importância do contexto e da subjetividade na produção de sentido. A AD passou a considerar quem fala, para quem se fala, quando e onde se fala, como elementos cruciais para a análise do discurso.
- Gramática e discurso: Seus trabalhos sobre a gramática do discurso forneceram ferramentas para analisar as estruturas linguísticas e os mecanismos de coesão e coerência textual, elementos importantes para a compreensão dos efeitos de sentido do discurso.
Michel Pêcheux (Análise do Discurso de linha francesa)
- Discurso e ideologia: Pêcheux articulou as teorias marxistas e a linguística saussuriana para desenvolver uma teoria materialista do discurso, argumentando que o discurso é atravessado pela ideologia e que o sujeito é interpelado pela ideologia através do discurso.
- Condições de produção: Pêcheux enfatizou a importância de analisar as condições sociais, históricas e ideológicas de produção do discurso, para compreender os seus efeitos de sentido e as suas implicações políticas.
- Formações imaginárias: A noção de “formações imaginárias” aponta para as representações que os sujeitos constroem sobre si mesmos e sobre o mundo, e como essas representações influenciam a produção e a interpretação do discurso.
Dominique Maingueneau (Análise do Discurso)
- Cena enunciativa: Maingueneau aprofundou a noção de cena enunciativa, explorando como o discurso constrói um espaço de comunicação com papéis específicos para o enunciador e o enunciatário. Essa perspectiva ajuda a analisar as estratégias discursivas utilizadas para criar efeitos de sentido e persuadir o público.
- Gêneros do discurso: Ele também contribuiu para a teoria dos gêneros do discurso, demonstrando como os gêneros textuais são formas de ação social com regras e convenções próprias. A AD, influenciada por Maingueneau, passou a analisar os gêneros como construções históricas e sociais que refletem as relações de poder e as ideologias.
- Ethos discursivo: Maingueneau desenvolveu o conceito de “ethos discursivo”, que se refere à imagem que o enunciador constrói de si mesmo no discurso. A AD utiliza essa noção para analisar como os enunciadores se apresentam, buscam legitimidade e constroem credibilidade perante o público.
Patrick Charaudeau (Análise do Discurso)
- Contrato de comunicação: Charaudeau propôs o conceito de “contrato de comunicação”, que define as regras implícitas e explícitas que regem a interação entre os participantes de um discurso. A AD utiliza essa noção para analisar as expectativas, os acordos e as negociações presentes na comunicação.
- Análise do discurso midiático: Charaudeau dedicou-se à análise do discurso midiático, investigando como a mídia constrói representações da realidade e influencia a opinião pública. Seus trabalhos fornecem ferramentas para compreender os mecanismos de persuasão e manipulação presentes no discurso midiático.
François Rastier (Semântica Interpretativa)
- Semântica interpretativa: Rastier desenvolveu uma abordagem semântica que busca descrever o significado dos textos a partir da análise das relações entre os seus elementos. Essa perspectiva contribuiu para a AD ao fornecer ferramentas para analisar as redes de sentido e as isotopias (recorrencia de temas) presentes nos discursos.
- Níveis de análise: Rastier propôs diferentes níveis de análise semântica, desde os elementos mais básicos (lexemas) até as estruturas textuais mais complexas. Essa perspectiva hierárquica auxilia a AD na compreensão da organização do sentido nos textos.
Christian Plantin (Argumentação)
- Análise da argumentação: Plantin contribuiu para a AD com seus estudos sobre a argumentação, demonstrando como os discursos buscam persuadir o público através de estratégias argumentativas. A AD utiliza essa perspectiva para analisar a estrutura dos argumentos, os tipos de provas utilizadas e os recursos retóricos empregados nos textos.
Catherine Kerbrat-Orecchioni (Análise Conversacional)
- Análise conversacional: Kerbrat-Orecchioni dedicou-se ao estudo da conversação, analisando as regras, os rituais e as estratégias interacionais presentes nas trocas verbais. Suas pesquisas contribuíram para a AD ao fornecer ferramentas para analisar o discurso oral, as relações interpessoais e a negociação de sentidos na interação face-a-face.
SAIBA MAIS
Adam, Jean-Michel. Éléments de linguistique textuelle: théorie et pratique de l’analyse textuelle. Pierre Mardaga, 1990.
Brown, G., and G. Yule. Discourse Analysis. Cambridge University Press, 2005.
Charaudeau, Patrick, and Dominique Maingueneau. Dictionnaire d’Analyse du Discours. Éditions du Seuil, 2002.
Goffman, Erving. La mise en scène de la vie quotidienne. Vols. 1-2, Les Éditions de Minuit, 1973.
Gumperz, John. Language and Social Identity. Cambridge University Press, 1996.
Kerbrat-Orecchioni, Catherine. Les actes de langage dans le discours: discours en interaction. Nathan, 2001.
Kerbrat-Orecchioni, Catherine. Le discours en interaction. Armand Colin, 2005.
Krieg-Planque, Alice. Analisar Discursos Institucionais. Edufu, 2018.
Maingueneau, Dominique. Les Termes clés de l’analyse du discours. Éditions du Seuil, 1996.
Tannen, Deborah, et al. Handbook of Discourse Analysis. Oxford: Blackwell, 2001.
van Dijk, Teun A. Discourse Studies. Vols. 1-2, Sage, 1997.
