A independência do conhecimento científico

O caso da astronomia japonesa e sua geodésia aplicada ilustram o caráter independente do conhecimento científico.

Durante os quase dois séculos e meio em que o Japão foi isolado à força, os astrônomos japoneses foram capazes de chegar às mesmas conclusões que seus pares no mundo exterior. Esse capítulo fantástico da história da ciência demonstra como o conhecimento científico é real e independente dos gostos pessoais.

A política sakoku do xogunato Tokugawa fechou o Japão durante o período Edo (de 1603 a 1868). O comércio entre o Japão e outros países foi severamente limitado. Basicamente, apenas mercadores chineses e holandeses podiam ancorar em portos selecionados. Praticamente todos os estrangeiros foram proibidos de entrar no país, enquanto os japoneses não podiam sair da nação.

Sob essa política dura, a classe acadêmica consumiu avidamente todos os avanços científicos e tecnológicos. Dada a raridade de tal divulgação científica, os sábios podiam dedicar tempo a um único tópico, dominando-o completamente. O conhecimento estrangeiro, chamado rangaku, tornou-se nativo.

Um fator para o conhecimento científico tornar-se nativo foi que as novidades chegavam de forma incompleta. Muitos dos novos aparelhos careciam de instruções. Os conceitos científicos eram mal traduzidos. Para piorar, a literatura técnico-científica era geralmente traduzida por leigos ou indiretamente via o chinês ou outros idiomas. Por esse motivo, os estudiosos japoneses tiveram que trabalhar duro, com muitas lacunas, experimentos e suposições para chegar a conclusões um tanto úteis e válidas.

E o astrônomo Asada Gōryū (1734–1799) trabalhou com afinco. Asada, estudou livros obsoletos, corrigiu e propôs muitos modelos matemáticos para explicar discrepâncias no calendário e astronomia japoneses. Ele, com seus colegas e alunos Hazama Shigetomi (1756–1816) e Takahashi Yoshitoki (1764–1804), redescobriram de forma independente as Leis de Kepler. Takahashi montou um observatório, iniciou os cálculos para predição de eclipse e de posicionamento dos corpos celeste e um projeto de reforma do calendário japonês.

Um dia um homem de 52 anos veio caminhando de uma vila distante até o observatório. Ele era Inō Tadataka (1745–1818) e estava interessado em determinar o verdadeiro comprimento de um arco meridiano. Takahashi explicou ao entusiasta que mesmo aquela distância que havia percorrido era ainda  muito curta para fazer qualquer inferência. Inō pediu a Takahashi para admiti-lo como seu pupilo para que mais tarde pudesse atravessar o Japão produzindo uma medição acurada.

O xógum autorizou Inō a mapear o Japão. Com recursos próprios, Inō dedicou 16 anos a medir o território japonês. Seus instrumentos eram básicos, senão rudimentares. Todavia, seu método de contar a distância de caminhada e triangular sua posição com as estrelas observadas provou ser bem preciso. Ele morreu antes de publicar seu trabalho completo, mas seus assistentes terminaram a tarefa. Os mapas de Inō geralmente tinham a incrível precisão em um índice de 1/1000. Seus dados foram valiosos para a topografia e registros cadastrais. A maior parte de seu atlas, chamado de Inō-zu, permaneceu como referência até 1924. Ainda hoje são consultados com proveito e a geodesia de Inō prova-se correta.

Mapear o céu e a terra com tanta precisão foi possível aos sábios japoneses porque eles sabiam que a terra não era plana. Obviamente.

SAIBA MAIS

Admiring Scientists’ Unquenchable Spirit of Inquiry in the Edo Period.

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