Leonardo estava constantemente em movimento. Dormia muito pouco e trabalhava continuamente. Sua curiosidade levava-o para as ciências naturais, anatomia, mecânica, física, artes plásticas e engenharias, mas nunca chegava a nada. Esboçava muitos projetos de máquinas e obras de arte. Concluiu poucos.
O mundo renascentista valorizava a polimatia — conhecer e executar coisas em várias áreas — e Leonardo da Vinci seria um dos melhores nisso
Talvez o lado mais distinto e perturbador da mente de Leonardo fosse sua curiosidade voraz, que ao mesmo tempo impulsionava sua criatividade e também o distraía. Disso diz seu célebre biógrafo Giorgio Vasari:
No aprendizado e nos rudimentos das letras ele teria feito grande proficiência, se não fosse tão variável e instável, pois se dedicou a aprender muitas coisas e depois, depois de tê-las iniciado, as abandonou.
Recebeu adiantado para seu primeiro trabalho pago, pintar um altar. Mas nunca entregou a encomenda. Nem mesmo sua famosa Monalisa é uma obra finalizada. Seus famosos cadernos têm em esboços após esboços de ideias nunca desenvolvidas.
Foi Leonardo um fracasso? Qualquer um que fizesse (e mesmo que não terminasse) uma só de suas obras-primas poderia se orgulhar. O leilão do esboço do homem a cavalo que o diga.
Provavelmente, Leonardo sentia-se um impostor. Não era um litterati (não sabia latim, o equivalente a ser analfabeto em sua época). Talvez sofresse de hipocapnia e hiperventilação (o que dizem Stroev e Churilov 2019). Talvez sofresse de um estrabismo que provocasse canseira e dificuldade de manter o foco (veja Tyler 2019). Ou ainda, sofresse de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) (veja Catani, Mazzarello, 2019). Quiçá sofresse de uma procrastinação crônica, como o escultor Alberto Giacometti (1901-1966), magistralmente retratado por Geoffrey Rush no filme Final Portrait (2017).
Qualquer uma das hipóteses aventadas nesse ano prolífico de 2019 (quinhentos anos de sua morte) para examinar a síndrome de Leonardo revela algumas coisas. A genialidade é mais um processo que um produto. A segunda, mesmo gênios passam por suas dificuldades para execução e procrastinar faz parte disso. Por fim, vale a pena imaginar, mesmo que não concretize suas criatividades.

SAIBA MAIS
Burke, Peter. The Polymath: a cultural history from Leonardo da Vinci to Susan Sontag. Yale University Press, 2020.
Marco Catani, Paolo Mazzarello, Grey Matter Leonardo da Vinci: a genius driven to distraction, Brain, vol. 142. 6 (2019):1842–1846, https://doi.org/10.1093/brain/awz131
Stroev, Yuri I, Leonid P Churilov. “Hyperventilation Hypocapnia as The Leonardo da Vinci’s Syndrome.” Psychiatria Danubina vol. 31,Suppl 1 (2019): 75-78.
Vasari, Giorgio. The lives of the artists. OUP Oxford, 1998.
Tyler, Christopher W. “Evidence that Leonardo da Vinci had strabismus.” JAMA ophthalmology 137.1 (2019): 82-86.