Os estoicos constituíram uma vertente filosófica influente durante os períodos helenístico e romano. Pode-se dizer que a principal ideia do estoicismo é a harmonia e a resignação diante do destino e da natureza.
Os estoicos
Zenão de Cítio (342-270 a.C.) foi o fundador do estoicismo. Originalmente, era um mercador fenício que, por acaso, naufragou em Atenas. Em uma visita a um livreiro, Zenão ficou fascinado com a filosofia. Perguntou onde poderia encontrar sábios como Sócrates e, por um tempo, conviveu com os ascéticos cínicos. Posteriormente, passou a ensinar sob um pórtico (stoa). Seu discípulo Cleantes, apesar de respeitável, possuía pouca habilidade filosófica. Após ele, Crisipo assumiu a direção da escola de 232 a 206 a.C. Reorganizada, a escola filosófica funcionaria por mais quatro séculos. Entre os romanos, Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio foram autores estoicos amplamente difundidos.
A escola estoica enfatizava a linguagem e a lógica (Logos) como meios de apreensão racional da natureza (Physis). Em sua ética, argumentavam que o comportamento adequado resultaria da resignação ao destino (fatum). Assim, a demanda por gramáticos e retóricos estoicos foi grande no mundo editerrâneo.
Um pensamento tripartite
A filosofia e o currículo da educação estoica eram divididos em três partes: lógica, física e ética.
Rejeitando bases empíricas, pois as percepções humanas são imperfeitas, os estoicos buscavam a verdade no exame racional de conceitos pela lógica, preferindo o raciocínio dedutivo. Como a lógica proposicional estava intimamente ligada à linguagem, os estoicos empregaram exaustivamente as disciplinas da gramática, retórica e dialética para fundamentar seus raciocínios.
Essa preocupação com a linguagem gerou algumas ramificações. No estoicismo, há algumas pressuposições epistemológicas e de filosofia da linguagem que são distintivamente fundamentais, como a noção de que existe uma distinção clara entre ideias e matéria.
Outro pressuposto é que seria pela linguagem proposicional, e não pelos objetos ou fenômenos em si, que se transmitiria e mediaria o Logos. Assim, criou-se uma confiança em uma epistemologia objetivista, baseada na correspondência entre objetos e seus signos, conforme expressos por proposições.
Mediante o conceito de Physis – natureza –, os estoicos viam o mundo em um dualismo (agente e paciente). Visto que a Razão (Logos) penetra todas as coisas, todo evento dependeria de uma lei universal de Destino ou Providência. Dessa forma, pressupunha-se que a Physis seria o parâmetro para se buscar harmonia, pois seria inerentemente boa. Essa posição, notoriamente gerou, o problema do Mal. Assim, a teodiceia estoica nunca foi satisfatória ou uniforme.
Como na lógica proposicional empregada pelos estoicos reside a dicotomia entre verdadeiro ou falso, muitos de seus preceitos éticos acabaram sendo direcionados por dilemas. Por essa razão, o determinismo tornou-se prevalente entre os estoicos. Epicteto dizia que a humanidade estava em uma peça de teatro cujos papéis e desfecho estariam já pré-determinados. O próprio universo estaria destinado a uma conflagração na qual a Physis existiria em perfeita harmonia.
Em ética, os estoicos defendiam a responsabilidade da vontade. Por esse motivo, rejeitaram a legitimidade do prazer e enfatizaram a virtude do caráter e uma vida de aceitação das adversidades. Em vez de evitar persistentemente a dor, consideravam que valia a pena correr riscos, mesmo que isso causasse desprazeres.
A ética e o determinismo afetavam a escatologia estoica. Apesar da oposição entre alma e corpo, os estoicos esperavam que a alma sobrevivesse à destruição do corpo. Assim, o mais válido seria aceitar as injustiças e os sofrimentos nesta vida e esperar uma restauração da harmonia e da justiça na existência futura.
A verdadeira conquista da virtude é difícil. A Physis humana é cruel e tola. Poucos passam por uma conversão repentina e instantânea e compreendem a physis pela providência do Logos. Infelizmente, poucas pessoas se converteriam. Mesmo assim, isso só aconteceria tarde, após uma vida árdua de incompreensão do Destino.

Intersecções com as religiões abraâmicas: estoicismo na Bíblia
Durante a emergência do cristianismo primitivo e do judaísmo normativo, no período do Segundo Templo, houve uma fértil interação entre as culturas helênicas e judia. No entanto, a Bíblia faz poucas referências diretas ao estoicismo. Em uma rara menção direta, os estoicos aparecem em Atos 17:18, junto com os epicureus. Em At 17:28, Paulo cita um poeta estoico, Arato: “Pois nós realmente somos sua geração”. Contudo, era uma filosofia pervasiva no mundo do Novo Testamento.
Os fariseus praticamente assimilaram, traduziram e adaptaram o estoicismo para sua doutrina. Sua concepção de Torá passou a ser congruente com o Logos e a Physis. A valorização da ética, a importância da vontade e da alma, os debates, as questões da retórica e da gramática do texto da Lei, a aceitação do sofrimento — todos esses são elementos estoicos encontrados entre os fariseus.
Há uma notável familiaridade de Paulo com o estoicismo. Sua formação farisaica, seus termos, lista de vícios e virtudes, elenco de vicissitudes sofrida e argumentos com diatribes parecem substanciar essa associação. As pseudoepígrafas correspondências de Paulo e Sêneca indicam que, na Antiguidade, muitos viram um paralelismo entre os pensamentos de ambos. Contudo, o exame sistemático tanto dos textos paulinos e do contexto não dá suporte conclusivo à tese de que Paulo teria sido influenciado pelo estoicismo.
Outro trecho supostamente com conotações estoicas é 2 Pedro 3:10-12, sobre a conflagração universal ou Ecpirose. Contudo, a concepção estoica de natureza está ausente da Bíblia. Ademais, a intervenção ativa e súbita do poder divino, equiparada ao Dilúvio, contrasta com a progressão natural da natureza, conforme o Destino estoico parecia planejar a conflagração universal.
A recepção do pensamento estoico no cristianismo ocidental não deve ser subestimada. Os escritos de Epicteto, Marco Aurélio e Sêneca foram cuidadosamente e abundantemente copiados ao lado de textos bíblicos durante a Idade Média. A ética de aceitação do sofrimento foi vista como virtude. Zwinglio e Calvino foram estudiosos do estoicismo. Grande parte teologia ocidental foi fundada em termos e ideais estoicos. A reinterpretação de Sêneca (e Paulo) por meio do estoicismo renascentista levou a uma extrapolação interpretativa dos escritos paulinos, de maneira eisegética.
A religiosidade popular ocidental também se funda em vários aspectos do estoicismo: a crença de que tudo tem um propósito, a existência de um Destino, a busca pela harmonia com a Natureza, intrinsecamente benévola. Esses são alguns elementos presentes nas cosmovisões de muitas sociedades influenciadas pelas culturas do Ocidente.
SAIBA MAIS
https://plato.stanford.edu/entries/stoicism/
EPÍCTETO. Encheirídion de Epicteto. Edição Bilíngue. Tradução do texto grego e notas Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Textos e notas de Aldo Dinucci; Alfredo Julien. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2012.
MARCO AURÉLIO. Meditações. Introdução, tradução e notas de Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1989.
RASIMUS, Tuomas; ENGBERB-PEDERSEN, Troels; DUNDERBERG, Ismo(eds.). Stoicism in Early Christianity. Baker Academic, 2010
SÊNECA. Epístolas Morales. Em espanhol.
Estoicismo. Círculo de Cultura Bíblica
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Na referência:
ALVES, Leonardo Marcondes. “Estoicismo: uma vida alinhada”. Ensaios e Notas, 2022. Disponível em https://ensaiosenotas.com/2022/01/20/estoicismo . Acesso em: 20 jan. 2022.
