Os povos da Mesopotâmia foram um dos inventores da escrita, no caso, a cuneiforme. No entanto, também lhes deve ser creditado a invenção do livro e da literatura escrita.
Há várias teorias sobre a origem da escrita cuneiforme, mas sabemos que esses sinais que lembram cunhas começaram a ser utilizados para redação para textos por volta do ano 3.200 na Suméria, principalmente nas cidades de Erech e Ur.
Os primeiros documentos eram quirógrafos – recibos, vales, registros contábeis ou títulos de crédito. Esses textos seriam o que chamamos documentos não literários. Eram utilizados na administração pública e no comércio. Os contabilistas-escribas memorizavam e recitavam o conteúdo das tabuletas de argila que, secas ou queimadas, preservavam os registros por séculos.
Tipicamente uma tabuleta de argila cuneiforme media de 2,5 cm a 10 cm de espessura e 45 cm por 30 cm. A inscrição cuneiforme corria em linhas irregulares da esquerda para a direita paralelas ao lado curto. Todo espaço era aproveitado. O texto era escrito no lado anverso (plano), na borda inferior, no lado reverso, na borda superior e, se necessário, nas bordas esquerda e direita. Tabuletas maiores eram divididas. Textos multi-tabuletas eram girados como as páginas de um livro encadernado moderno.
Documentos, especialmente contratos, possuíam uma cópia ou um resumo feito em um envelope de barro lacrado. Em muitos desses textos havia uma maldição para quem os adulterassem ou destruíssem. Também havia um colofão com detalhes do escriba ou copista, bem como quem seria o proprietário do exemplar.
Os escribas eram uma classe distinta, já que nem todas pessoas sabiam a complicada arte de escrita, produção de tabuletas, memorização e recitação. Seu treinamento ocorria em escolas especializadas chamada de eduba. Essa profissão era transmitida na família e era um meio de ascensão social para outros cargos públicos. Até mesmo um deus, Nebo, era um escriba.
Nebo ou Nabu era o deus da sabedoria e da escrita. Patrono da cidade de Borsippa, cuja raiz etimológica seria cognata do hebraico sepher (livro, documento escrito), foi o secretário e vizir de Marduk. Mais tarde, Nebo torna-se co-regente à frente do panteão mesopotâmico, portando as Tábuas do Destino. Originalmente a deusa da escrita era feminina, Nidaba, mas Nebo gradativamente assumiu esse papel. Os escribas frequentemente invocavam a proteção de Nebo em seus colofões.
Seria anacrônico falar em autoria, mas a origem de textos altamente valorizados recebiam a atribuição de origem divina ou de escribas afamados – mesmo que cada copista alterasse e adaptasse conforme a história de sua transmissão.
Como literatura, os mais antigos textos aparecem por volta de 2600 a.C. São provérbios e mandamentos, como as Instruções de Shuruppak e hinos e obras litúrgicas, como Hino do Templo de Kesh (Liturgia para Nintud sobre a criação do homem e da mulher).
A primeira obra autoral (que reivindica um autor) foi composta por uma mulher, Enheduana, a princesa-sacerdotisa filha de Sargão, o Grande, de Acade. Seus Hinos de Enheduana remontam do ano 2300 a.C.
Uma obra literária variava em número de tabuletas. O maior conjunto de textos conhecidos é uma série de presságios astrológicos (Enuma Anu Ellil), o qual era uma verdadeira base de dados ou fichário de correlações, demandava 71 tabuletas para acomodar suas cerca de 8.000 linhas nas edições padrões. O maior texto literário é a Epopeia de Gilgamesh, o qual continha doze tabuletas, com quatro colunas de 40-50 linhas cada. Para ter uma noção, esse texto em línguas ocidentais dão cerca de 16.000 palavras. A maior obra não literária é o Código de Hamurabi, um monólito com aproximadamente a mesma quantidade de palavras que a Epopeia de Gilgamesh.
Exceto presságios, inscrições monumentais e crônicas oficiais, não existia a prosa. As obras literárias eram em poesia, com épicos e hinos sendo cantados. Isso sugere uma transmissão dupla (música e escrita). Assim, cantores eram responsáveis por preservar a transmissão pela memória.
Durante a ressurgência do Império de Sumer (Ur III) (2112-2004) surgem escolas escribais. Até então, supõem-se que a formação do escriba era de pai para filho. Com as escolas escribais florescerem novos gêneros literários e a produção de poemas.
Os mesopotâmios foram pioneiros em vários gêneros textuais. O código de Urukagina (c. 23000) é o mais antigo exemplo de legislação escrita. As listas de reis constituem o primeiro texto com pressuposto de historicidade. Pesos, medidas e calendários padronizados aparecem nos séculos seguintes (c.2330-c.2150). Mais tarde, surgem as listas cronológicas dos anos epônimos, dando um nome a cada ano. Maldições também eram um gênero literário, como a Maldição de Agade. As profecias encontradas em Mari atestam outro gênero.
O mais antigo arquivo conhecido foi encontrado em Ebla (2350-2300). O mais antigo catálogo ou lista de livro é um cânone de 66 livros (tabuleta do Louvre e PennU), sendo possivelmente um registro de uma biblioteca ou o currículo avançado na educação de um escriba. O que chamamos de livros na Mesopotâmia seriam hoje documentos arquivais. Não eram obras escritas para a circulação. As tabuletas e inscrições são preservadas em monumentos e arquivos de templos (que também eram centros administrativos), escolas escribais e firmas comerciais.
No Antigo Império Assírio ocorre uma expansão do comércio na Anatólia (c2000-c1800), propagando-se a escrita cuneiforme para fora da Mesopotâmia. No sul, os elamitas e depois os persas também adotam as escritas e línguas mesopotâmicas (sumério e acadiano). Nos meados do segundo milênio, o escriba Ilimilku de Ugarit aparentemente não provinha de uma família escribal e fez composições originais, ao invés de reproduzir (o que era altamente valorizado) textos antigos. Seria um dos primeiros autores propriamente dito que não era realeza, escriba lendário ou divino.
Na Idade do Ferro, a burocracia palaciana aumentou. Os escribas assírios recopiavam e expandiam os anais públicos extensivamente, até mesmo anualmente. Às vezes, nesse processo, eles revisavam e encurtavam os eventos de anos anteriores. A partir dessa época, os anais e crônicas assírias fomentam a prosa como gênero literário. Preocupado em preservar o passado, o rei assírio Assurbanipal criou a Biblioteca de Nínive, talvez a primeira (669–631 a.c.). Mais tarde, o rei babilônico Nabonido (c.550) criou sua biblioteca. E ainda, os persas continuaram com essa tradição de colecionar textos legais e literários no Arquivo de Persépolis (509-493).
A substituição do cuneiforme pela escrita alfabética aramaica durante o período babilônico e persa iniciou o desuso dessa escrita. A nova escrita permitia utilizar outros materiais (papiro, couro, pergaminho) e era mais simples, demandando menos anos de treinamento que a cultura escribal cuneiforme. O último texto encontrado na escrita cuneiforme é uma observação astronômica datada do ano 75 d.C., embora provavelmente a escrita continuasse a ser lida até o século III d.C.

SAIBA MAIS
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Finkelstein, David, and Alistair McCleery. An Introduction to Book History. 2nd ed. Oxon: Routledge, 2013