A passos penosos e lentos o Brasil caminha para uma administração pública orientada por boas práticas de governança. Mecanismos como o pregão eletrônico ou o processo eletrônico SEI e portais como o da Transparência e de Compras tornam céleres e públicos muitos processos dantes arcanos que beneficiavam apenas a poucos amigos do rei. Há outras ideias que merecem ser apreciadas.
Uma inovação que pode ampliar mais a lisura na gestão pública são os contratos inteligentes que empregam a tecnologia blockchain.
A tecnologia blockchain ou tecnologia de registro distribuído (Distributed ledger technology em inglês) é um sistema para registrar, compartilhar e sincronizar dados em uma rede de usuários sem a necessidade de um centro agregador de dados.
Seria um passo a mais que a tecnologia torrent, pois permite um critério de confiabilidade. Isso ocorre porque ao cortar intermediários, o desenho dessa arquitetura permite que todos que se conectem na rede produza dados verificáveis em tempo real (mais ou menos, vai pagar uma pizza em bitcoin…). Originalmente desenvolvido para a criptomoeda, uma variante dessa tecnologia é o Etherum, que permite aplicá-la em diferentes tipos de documentos, desde moedas até assinaturas digitais.
Já os Contratos Inteligentes (Smart Contracts) integram normas de procedimentos com a tecnologia blockchain. Mais do que meras cláusulas jurídicas, empregando regras pré-estabelecidas pelo consenso entre as partes e normas legais, o contrato se auto executa, pois também é um programa.
O Contrato Inteligente contém comandos a serem aplicados em um fluxograma com situações e atividades previstas. Assim, pode integrar informações de base dados e sistemas públicos como o SIAFI. A medida em que o contrato é executado, o perfil do gestor receberia um alerta para, com sua chave, realizar pagamentos, ajustes e aplicar penalidades ou aditivos.
Imagine um passo a passo de um contrato público utilizando Contratos Inteligentes, utilizando as referenciais da IN nº 5/2017 do MPDG.
- A demanda de uma unidade da Administração Pública seria formulada pela equipe apontada em uma plataforma colaborativa, listando os quantitativos, necessidades técnicas, justificativas, exceções, previsões orçamentárias e enquadramento legal. Ao invés de ser um documento, o Estudo Preliminar passaria a ser um processo. O produto final seria um Termo de Referência.
- O Termo de Referência seria “traduzido” para um algoritmo-edital no Portal de Compras. O ordenador de despesas “assinaria” com uma chave eletrônica que liberaria o edital para o mundo.
- Os licitantes poderiam acompanhar em tempo real os editais lançados, selecionando filtros em seus navegadores para alertar quando aparecessem propostas de seus interesses.
- Ao fazerem o cadastro os licitantes já cruzariam dados (certidões negativas, comprovações patrimoniais em registros públicos e bancários, certidões de contratos em execução com a Administração Pública). Nessa fase, a autenticação digital no formato blockchain dispensaria quaisquer outras formas de autenticação ou certidão expedidas por cartórios ou órgãos públicos nas vias tradicionais: carimbo e papel.
- Uma lista de verificação preenchida pelos candidatos afunilaria para os detentores de capacidade técnica e econômica bem como qualificações legais para executar o objeto.
- No momento do pregão, automaticamente só os candidatos habilitados pelo sistema participariam, afastando aventureiros que sequer leem editais.
- O vencedor assinaria digitalmente o contrato, aceitando suas regras.
- Na execução, cada etapa é documentada tanto pelo fornecedor quanto pelo fiscal público utilizando um smartphone. Os dados da fiscalização e dos pagamentos seriam disponibilizados em tempo real.
- Alguma tarefa que não tenha sido realizada como o combinado, sem uma justificativa processada e aceita pelo Contrato Inteligente, geraria as multas. As tarefas realizadas conforme o previsto seriam as chaves que automaticamente liberariam os pagamentos.
- As divergências de estoque, aditivos ou outras incidências também seriam documentadas. Bem como questionamentos ou denúncias que particulares poderiam fazer ao sistema e submetido à diligência pela Administração ou outros órgãos de controle.
- Na necessidade de aditivo, o gestor do contrato ajustaria as novas situações dentro das normativas vigentes.
- O recebimento final do produto ou serviço ajustaria o contrato, apresentando um relatório válido e digitalmente verificado que poderá ser julgado por órgãos de controle – CGU, TCU, AGU – pelo tempo de se ler um e-mail de um convite para o café da tarde.
Em suma, seria otimizado boa parte do serviço público.
Algumas considerações:
- Precisaríamos de mais gente com domínio tanto em direito quanto nas ciências da informação e programação no serviço público. A vantagem é que enxugaria os setores de licitações, assessoria jurídica, acompanhamento de contratos, contabilidade, execução financeira e de fiscalização da execução.
- Nem tudo é primavera: o sistema blockchain ainda é lento e pesado. Talvez, para dados menores como contratos individualizados, haja um fluxo mais dinâmico de informações.
- Outro problema dos contratos inteligentes é sua inflexibilidade. Por se tratar de um programa pré-estabelecido, suas decisões são difíceis de se reverter sem alterar todo o contrato. Bugs e imprevistos nos percursos são reais e esperados, mas não dá para saber de que lado vem a bomba. A vantagem de se retirar a agência humana – sujeita a erros e a corrupção – é essa inflexibilidade, sua desvantagem é a mesma coisa: a inflexibilidade.
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