Elementos socioculturais do volvismo
O volvismo resulta da combinação de uma gestão desconcentrada das indústrias automotoras com elementos socioculturais suecos.
A adoção dos valores escandinavos reflete nas organizações. Esses valores compreendem o igualitarismo, a alta estima por inter-relações coletivas, a sustentabilidade, o pensamento a longo prazo, a modéstia e o bem-estar.
A Suécia industrializou-se no final do século XIX, com grande participação de movimentos operários. Em um país que nunca teve feudalismo, o senso de igualdade é um dos valores axiais e remonta da era dos vikings. Esse senso igualitário produziu uma sociedade que evita hierarquias sociais e com grande participação da mulher na vida política e do trabalho. Aliado a isso, a educação universal pública e gratuita já antiga proporciona mão-de-obra qualificada.
Os escandinavos dão importância à vida comunitária. Quase todo mundo faz parte de um clube de atividade ou socialização, desde círculos de esperantistas até rodas de tricô. Se a frequência aos serviços religiosos é baixa, é alto o engajamento com as atividades das paróquias locais. Organizacionalmente, as companhias, os bancos e os sindicatos são detentores de ações nos grandes empreendimentos e possuem assentos em seus conselhos diretores. Com isso, há interesse e interdependência mútuos no sucesso comum.
Os direitos coletivos, como o Allemansrätten, historicamente limitam a propriedade privada e acarreta em responsabilidade difusa. O acesso aos recursos naturais comuns fez com que a floresta nórdica se mantivesse desde a idade do ferro (enquanto em 500 anos no Brasil acabamos com a Mata Atlântica e o Cerrado…) ao mesmo tempo que esses países se desenvolvessem economicamente.
Os benefícios sociais, a rede proteção comunitária e estatal, a alta qualidade de vida fizeram que os trabalhadores, especialmente entre os anos 1960 e 1980, se tornasse bem exigente quanto às condições de trabalho. Com isso, as negociações entre sindicatos e patrões passaram a balancear interesses e fortalecer o trabalho assalariado.
Apesar da longa tradição comunitária, social-democrata e de Estado de Bem Estar-Social, as sociedades escandinavas são capitalistas. Mas são capitalistas de longo prazo. Espantam-lhes a busca pelo lucro imediato ou a pressa nos procedimentos. E estão dispostos a pagar preços altos para ter um produto final de boa qualidade e alcançado com efetividade.
Não é à toa que o conceito de desenvolvimento sustentável tenha sua matriz escandinava. O Relatório Brundtland, Nosso futuro comum, sumariza as considerações da Conferência de Estocolmo em 1987, fundado em um ideal de um “desenvolvimento que satisfaça as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
A medida das coisas para os suecos é o lagom. Esse termo único dessa língua significa moderação, modéstia ou o suficiente. Desse modo, investem em design, mas empregam materiais baratos ou mais acessíveis. Não gastam com coisas que não vão precisar ou que aumente seus custos.
Por fim, o apreço pelo hygge, outra palavra única, dessa vez do dinamarquês, move a expectativa de que os produtos sejam estritamente funcionais ou utilitários. Os produtos finais devem agregar algo à vida pessoal, ser confortável e somar a satisfação global.
Com esses elementos, formou-se o modelo volvista de produção industrial.
O modelo Volvo de produção
O volvismo emprega muitos conceitos do toyotismo, como produção terceirizada, enxuta e sob demanda. Todavia, enfrenta os problemas das externalidades e da penosidade do trabalho com uma administração democrática da empresa.
O modelo é a montadora Volvo de Uddevala, na Suécia, na qual operavam seis oficinas independentes. Inaugurada em 1989, a iniciativa contou com subsídios públicos e fundos do sindicato.
Para reduzir custos de externalidade, a Volvo comprometeu-se com a responsabilidade social corporativa. Boa parte das horas dos funcionários era liberadas para atividades comunitárias. O uso de insumos certificados também minimizava os impactos sociais e ambientais das fontes de materiais. A poluição é controlada, os lixos são reciclados e os ruídos são mínimos.
Valorizando seu pessoal, cada trabalhador passava por um longo processo de treinamento. Os operários atuavam de modo multifuncionais, montando o carro em grupo ao invés de ficarem isolados para realizarem somente uma tarefa. Os grupos possuíam autonomia para solucionar seus próprios problemas. Cada setor contava com uma área social e de descanso. Muitas decisões eram tomadas em discussões informais nas pausas para o café, a fika, na qual se sentam à mesma mesa todos, desde faxineiros até executivos. Se o rigor nos procedimentos é cobrado, a informalidade no tratamento sempre foi altamente valorizada. A mão-de-obra recebia grande reconhecimento, capacitação e seguranças das garantias trabalhistas. Consequentemente, o absenteísmo e turnover eram baixos e o comprometimento é alto.
Fruto da tradição participativa sueca, a gestão da fábrica era feita com a cooperação do sindicato, que fez umas exigências anti-fordistas: montagem estacionária ao invés da esteira rolante, ciclos curtos de tarefas com pausas programadas, controle das pessoas sobre o ritmo de montagem e não das máquinas. Os trabalhos penosos passaram a ser automatizados. Há ênfase em sistemas inteligentes, investimento em design e na ergonomia.
Externamente, a cooperação com o público interessado — investidores, fornecedores, o Estado e consumidores — é intensa no volvismo. Volta e meia a Volvo estabelece projetos conjuntos com outras marcas. Assim, encontra mercado para vender suas tecnologias enquanto adquire know-how e acesso de forma barata a novos mercados.
O rodízio interno entre as diferentes funções dos empregados e grupos de trabalho evita a fadiga e estimula o aprendizado constante e a criatividade, aumentando o capital intelectual das organizações.
Críticas
O sistema Volvo sofre as limitações de ser dependente de uma logística com infraestruturas já bem estabelecidas, um capital humano altamente qualificado e um entrosamento comunitário intenso. Também requer organizações grandes e com muito capital aplicado. Para construir esses ambientes toma-se tempo e envolvimento com outros atores, inclusive públicos.
O modelo do volvismo é dependente de um ordenamento jurídico sólido e estável, bem como um sistema econômico intervencionista. Em tempos líquidos e com fronteiras permeáveis, o sistema Volvo passa por dificuldades em se manter. Dificilmente o sistema foi replicável em ambientes tão diferentes da realidade escandinava.
A crise da social-democracia sueca nos anos 1990 afetou a Volvo. A fábrica de Uddevala foi fechada. A concorrência com produtos mais baratos asiáticos também afetou esse modelo, dependente do protecionismo.
O envolvimento comunitário das empresas desse modelo é algo ambíguo. A LKAB, por exemplo, é uma empresa mineradora sueca que para garantir seus interesses está movendo a cidade de Kiruna de lugar. Como as lideranças da LKAB e da comunidade se sobrepõem, a voz da maioria domina até mesmo sobre os direitos indígenas dos sami, direitos ambientais e dos moradores não interessados em se mudarem.
Se o processo da Volvo resulta em produtos bons, acabam por serem caros e demorados quando considerados de modo agregado. Com isso, gera dificuldades na competitividade global.
Com a reorientação política escandinava, com o anseio desses países se tornaram economias baseadas no conhecimento, a pós-industrialização está rampante. Entretanto, o modelo Volvo foi adaptado às pequenas organizações, principalmente nas áreas de tecnologia, economia criativa e de serviços altamente especializados.