Chesterton: Ortodoxia

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CHESTERTON, G.K. Ortodoxia. Tradução de Almiro Pisetta. São Paulo: Mundo Cristão, 2007. Em inglês, versão da CCEL.

Uma popular obra em defesa intelectual do Cristianismo, o livro Ortodoxia de G.K. Chesterton continua atual mesmo após atravessar o conturbado século XX.

Gigante bem humorado, debatedor do estilo de Thomas Carlyle, amigo de George B. Shaw e de Bertrand Russell (depois de um acirrado debate sobre educação levou o franzino filósofo a um pub), Gilbert Keith Chesterton (1874–1936) foi um prolífico autor. Escreveu obras dos mais variados gêneros, fazendo sucesso com histórias de detetive, na série que se iniciou com A inocência do Padre Brown.

Jornalista de profissão, o polêmico G.K.Chesterton gradualmente passou a tratar de temas religiosos. Sendo um apologista ponderado como J.H. Newman, G.K. Chesterton apresentou defesas ao cristianismo numa época em que modernidade era uma contestação à fé. Seriam argumentos racionais, estéticos e emocionais a quem passava pelas transformações políticas, tecnológicas e sociais da era edwardiana e o mundo que viveu a Primeira Guerra Mundial e ascensão de ideologias totalizantes.

Seu mérito de pensador popular deve-se ao uso elaborado de analogias (e alegorias intrigantes como O homem que era quinta-feira) em linguagem clara, tocando questões por vezes circunscritas ao ambiente acadêmico. As biografias que escreveu de Tomás de Aquino e Francisco de Assis de certa forma sumarizam suas influências: de um lado a escolástica tomista; de outro, uma devoção humana e singela.

Aos escritos de Chesterton, C.S.Lewis credita muito de sua conversão, especialmente a O homem eterno. O próprio Chesterton passou por conversões: da infância unitária relapsa aderiu ao anglicanismo de Alta Igreja e terminou seus dias como católico romano, um ato de contra-cultura entre os ingleses.

Publicado em 1908, Ortodoxia foi resposta à observação de G.S. Street de que sua obra Hereges só continha críticas ao pensamento alheio, sem defender nada no lugar. A coletânea de nove ensaios, à primeira vista desconexos, se revelam partes integrantes de um intricado argumento. Ao apresentar seu ponto de vista, Chesterton não apela somente à lógica, mas emprega copiosamente frases de efeitos ou exemplos -– desde alusões à Cinderela até Alice no País das Maravilhas –- que evocam imagens com refinado senso estético.

Justificando sua crença pessoal, a premissa central do livro é a busca de sentido na vida. Dessa forma, mesmo para o não religioso, o livro é um sumário claro de diversas posições e pensamentos, ou “filosofias”, como Chesterton os trata. O livro está estruturado com o seguinte conteúdo:

I. Introdução: em defesa de Tudo o Mais

Argumenta que há uma necessidade humana de aventurar-se e firmar-se com segurança, ou equilibrar-se entre a razão e a imaginação. Para essa necessidade, Chesteston apresenta o cristianismo como a mais razoável filosofia.

II. O Maníaco

Contrasta entre o pensamento fundado na autoridade religiosa, com um moderado otimismo quanto ao uso da razão e o pensamento do maníaco –- o iluminismo, o racionalismo, o materialismo e o livre pensamento –- com fé extremada na razão.

III. O Suicídio do Pensamento

Com a perda na fé na razão (algo que chamamos hoje de pós-modernidade), várias filosofias tentaram a preencher essa lacuna.

Há o ceticismo acadêmico inspirado em Hume, aliado ao evolucionismo e ao materialismo. Essa filosofia teria abandonado a busca de sabedoria ou respostas às grandes questões, embora haja quem ainda adira ao cristianismo em um fideísmo cego.

Por outro lado, o pragmatismo apregoa um uso da razão para satisfazer as necessidades humanas, fugindo das grandes questões morais e metafísicas.

Outro abandono do uso da razão seria Nietzsche. O exercício da Vontade de Poder sem justificativas deveria ser valorizado, sem necessidade de explicações. A escolha em si é o que seria importante, como expresso no pensamento de G.B.Shaw.

Por fim, o quietismo, a renúncia à busca de explicações, como nos pensamentos de Tolstoy, o estoicismo de Marco Aurélio e o budismo.

IV. A Ética da Elfolândia

Com ilustrações da ficção, Chesterton demonstra a razoabilidade da ética dos contos “non-sense”, pois providenciam sentidos. Sumariza seu pensamento como:

(1) o mundo não se explica a si mesmo;

(2a) a mágica do mundo deve ter um sentido;

(2b) o sentido deve ter alguém que lhe dê origem;

(3) esse propósito possui uma beleza em seu plano antigo, apesar de seus defeitos;

(4) a forma apropriada de agradecer ao Criador seria alguma forma de humildade e limitação.

(5) todo bem seria uma sobra a ser guardada e tida como sagrada proveniente de alguma destruição primordial.

V. A Bandeira do Mundo

Sendo estranhos no mundo, não há um balanço seguro de otimismo e pessimismo. Dessa forma, o bem deve ser ativamente preservado.

VI. Paradoxos do Cristianismo

Partindo dos críticos do cristianismo, Chesterton argumenta que com seus paradoxos intrínsecos (por exemplo, a crítica de que cristianismo destruiu a família com o monasticismo ao mesmo tempo que considera o matrimônio sacro) essa religião ofereceu um caminho estável meio a modismos e heresias.

VII. A Eterna Revolução

As alternativas políticas conservadoras ou progressistas para solucionar os problemas do mundo seriam inadequadas sem os elementos do cristianismo.

Chesterton dividia as posições políticas em conservadores e progressistas, sem poupar nenhuma das duas. “O negócio dos progressistas é fazer erros, o negócio dos conservadores é evitar que se corrijam os erros.”[1] O autor propôs sua doutrina política, o distributismo, com influências da Doutrina Social da Igreja. Não teve tanta popularidade, embora ideologias como a Democracia Cristã europeia e o cooperativismo de Mondragón depois se inspirariam no distributismo.

 VIII. O Romance da Ortodoxia

Se a ortodoxia cristã não for tímida para adequar às críticas de seu tempo, ela seria capaz de ser instrumento de libertação e progresso humanos. Para Chesterton a ortodoxia fundamentava-se em seis doutrinas: pecado original, possibilidade dos milagres, transcendência divina, trindade, punição no inferno e na divindade de Cristo.

 IX. A Autoridade e o Aventureiro

No ensaio final, Chesterton defende que não há como aceitar objetivos políticos ou científicos sem considerar suas posições metafísicas ou morais. Para essas posições, o cristianismo ofereceria a melhor base.

O sistema de pensamento chesternoniano é fideísta, mas não de um fideísmo cego. Os argumentos do autor visam levar à fé após confrontar apologeticamente posições desafiadoras, oferecendo um paradoxo. Entretanto, como na aposta de Pascal, Chesterton defende que em um paradoxo a cosmovisão cristã seria a mais razoável. O cristianismo seria a reposta aos paradoxos da própria existência. O cristianismo não seria a mais verdadeira filosofia, mas a mais sã.


[1] As mancadas dos nossos partidos, Illustrated London News, 19 de abril de 1924.

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