Resenha do livro de Bernardo Carvalho. Nove Noites. Companhia das Letras, 2002.
Acompanhado por dois krahô, o jovem antropólogo Buell Quain deixou seu trabalho de campo em uma viagem a pé de três dias até a cidadezinha. Durante a viagem, os krahô passaram em uma fazenda, deixando o antropólogo sozinho. Ao voltar, se depararam com seu corpo auto-mutilado, coberto de sangue e enforcado em uma árvore.
Buell Quain morrera aos 27 anos de idade e era estudante na Universidade Columbia. Em 1939 tirou sua vida no meio da floresta amazônica ocidental sem motivo aparente.
Esse mistério foi tema para Bernardo Carvalho abordar a vida e a morte de Buell Quain tão magistralmente na novela Nove Noites.
A narrativa alterna entre duas vozes. Um ponto de vista seria de um amigo de Buell, escrevendo poucos anos após o suicídio. O outro, um narrador com um tom mais pessoal, é um pesquisador que ficou obcecado com o assunto ao ler uma única linha sobre o antropólogo suicida em um jornal.
O livro começa sem nenhuma introdução. Dá a ideia de fontes aleatórias reunidas por um investigador enquanto descreve suas dificuldades em recolher material para o livro. A trama de reconstrução histórica está entrelaçada com reminiscências íntimas sobre seu pai. Ambas as narrativas mistura com fotografias, entrevistas e trechos de cartas que, juntos, constroem o nexo narrativo neste romance.
O amigo na narrativa sobre Quain é apresentado em itálico e é um pouco sentimental, ao passo que a narrativa pesquisador tem um ritmo que capta a atenção do leitor até o fim. Esse narrador insere excertos de eventos e pessoas “reais”, misturando até trechos da vida pessoal do autor. A impressão remete à etnografia, combinando reflexão autoral com observações de um antropólogo. A verossimilhança é tamanha e a parte ficcional é tão plausível que um leitor desavisado consideraria o livro inteiro como um livro reportagem de não ficção.
A representação de Heloisa Alberto Torres (1895-1977) como personagem é uma justa deferência à mentora da antropologia no Brasil.
Os conteúdos narrativos são propositadamente contraditórios. A trama demonstra que não há testemunhos fidedignos ou que tampouco poderia ser possível uma objetividade narrativa. As insinuações sobre a saúde mental, conflitos familiares e sexualidade aumentam a atmosfera de mistério que envolve os motivos para a morte. Ao longo do livro, as alusões a Joseph Conrad vindicam as influências sobre o autor, afastando tanto psicológica quanto fisicamente da lógica da civilização.
Este romance é uma ótima leitura para os interessados em antropologia ou que gostam de narrativas não lineares.
A história termina com uma reviravolta que deixa para o leitor tirar suas próprias conclusões.
Deixe um comentário