Gestalt: configuração e forma

O que é a Gestalt?

A Gestalt é uma abordagem acerca da percepção humana e da organização da experiência visual. Definida como “forma” em alemão, a Gestalt se concentra na maneira como os elementos individuais se configuram para emergir em um todo significativo.

Central para essa teoria da psicologia e das ciências cognitivas é que nossa percepção não é simplesmente a soma das informações sensoriais, mas sim um fenômeno intrincado que transcende a mera combinação dos sentidos.

A ênfase na totalidade e na forma influenciou várias áreas, incluindo a arte sequencial. Como uma vertente própria, a psicologia da forma explora como ocorre a configuração e interpretação e estímulos visuais complexos.

Nesta introdução, exploraremos os principais aspectos da teoria Gestalt, incluindo sua ênfase na percepção holística, sua influência na arte e na psicologia da forma, e sua visão de que o todo é mais do que a simples soma de suas partes.

História da Gestalt

No verão de 1910, o jovem psicólogo Max Wertheimer embarcou de férias para Renânia, na Alemanha. Enquanto seu trem chegava a Frankfurt, Wertheimer decidiu explorar a cidade e se deparou com um souvenir em uma loja local — um estroboscópio, um brinquedo óptico que criava a ilusão de movimento.

Ao brincar com o estroboscópio durante a viagem de trem, observou como as imagens aparentemente estacionárias na paisagem também se transformavam em uma sequência coerente e dinâmica quando colocadas em movimento. Era como se a mente percebesse movimento onde havia apenas imagens individuais e imóveis. Essa ilusão de ótica se tornou a pedra angular da ideia inovadora de Wertheimer — que a percepção humana não é simplesmente a soma de suas partes, mas sim uma experiência holística em que a mente constrói padrões e significados a partir dos elementos apresentados.

Wertheimer aproveitou a teoria de Ehrenfels para organizar sua descoberta. Em 1890, o filósofo austríaco Christian Ehrenfels introduziu o conceito de Gestaltqualitäten (qualidades da Gestalt) como um fenômeno emergente na filosofia e na psicologia. Elaborando sobre a ideia de Ernst Mach (1886) que sugeriu que sentimos diretamente formas e melodias espaciais, Ehrenfels ampliou essa ideia para propor que toda uma configuração, ou “Gestalt”, é mais do que a soma de seus elementos individuais. Ilustrou com o exemplo da música, na qual uma melodia não é apenas a combinação de suas notas, mas uma qualidade única que os transcende.

Wertheimer associou-se à Universidade de Frankfurt e começou a aprofundar em sua descoberta. Ao criar o experimento dos pontos luminosos, Wertheimer revelou que nossa mente é capaz de perceber movimento mesmo quando não há nada fisicamente se deslocando. Essa observação levou à formulação do famoso fenômeno phi, demonstrando que a percepção não se baseia apenas em estímulos físicos, mas também em como nosso cérebro organiza e interpreta esses estímulos.

As descobertas de Wertheimer abalaram as teorias tradicionais de percepção, como as de John Locke e Wilhelm Wundt, que sustentavam que a experiência perceptual estava diretamente ligada aos estímulos físicos. A ideia de que nossa mente percebe não apenas os elementos individuais, mas também os padrões e estruturas em conjunto, contradizia essa visão. Enquanto o associacionismo buscava entender a percepção pela associação de elementos individuais, Wertheimer inspirado em Bergson e William James, argumentava que a consciência funcionava como um todo integrado. Havia algo mais que os sentidos trabalhando para a percepção.

No período de 1910 a 1940, a Gestalt floresceu com avanços significativos. Em 1912, Max Wertheimer, juntamente com Wolfgang Köhler e Kurt Koffka, estabeleceu as bases dessa abordagem. Inicialmente assistentes de Wertheimer, Köhler conduziu experimentos inovadores com chimpanzés em Tenerife, revelando sua capacidade de resolver problemas por meio de instrospecção e mudanças nas configurações. Enquanto isso, Koffka trabalhou para sistematizar os resultados obtidos, ajudando a solidificar os princípios fundamentais da teoria Gestalt. Esse período foi marcado por uma colaboração prolífica entre os três.

Na era turbulenta do nazismo, a Gestalt enfrentou conflitos e perseguições devido à sua abordagem independente e ao exílio de muitos de seus expoentes. Após a Segunda Guerra Mundial, a influência da Gestalt ganhou destaque como uma abordagem terapêutica. Frederick e Laura Perls desenvolveram um método psicoterapêutico combinando elementos da psicanálise e da Gestalt. Enquanto isso, a abordagem enfrentou tanto oposição quanto interações frutíferas com o behaviorismo. A Gestalt também desempenhou um papel crucial na formação da psicologia cognitiva. Além disso, sua influência se estendeu para a antropologia (especialmente o estruturalismo), a teoria da comunicação e a teoria dos campos de Kurt Lewin.

O processo da percepção e da memória

A abordagem Gestalt enfatiza a percepção da configuração total antes das partes individuais, como apreciar a melodia antes das notas individuais. Desse modo, compreendemos os componentes depois de percebermos a totalidade.

Utilizando a antiga metáfora da caverna, a percepção segundo a Gestalt não seria nos objetos que projetam as sombras, mas como os indivíduos juntam diferentes partes das sombras e suas penumbras para perceberem essas projeções. Em outras palavras, a percepção não deriva dos objetos em si, mas das experiências e da cognição.

A memória está associada à consciência e percepção porque segue similares processos. Fragmentos de recordações e da imaginação se configuram no momento presente para formar a memória. Ou seja, a memória é sempre atual, nunca o passado. A memória não é algo depositado (como a teoria da impressão de Platão, dos traços de Descartes), mas uma relação entre os elementos.

Princípios da Gestalt

Os princípios ou leis da Gestalt para a compreensão perceptual incluem:

  1. Lei da Semelhança ou Similaridade: Em situações onde há elementos semelhantes, nossa mente tende a agrupá-los juntos, reconhecendo padrões visuais com base em características compartilhadas.
  2. Lei da Simplicidade (Pragnanz): Também chamados de lei da boa figura, da boa forma, da pregnância. A percepção busca formas simples e claras, onde elementos complexos são organizados em figuras mais simples e harmoniosas, evidenciando a preferência por padrões mais ordenados. Ocorre pela iteração de subprincípios:
    • Lei da Proximidade: Elementos próximos uns dos outros são agrupados, enfatizando a importância da distância na percepção da relação entre elementos.
    • Lei da Boa Continuidade: Linhas complexas ou formas são percebidas como continuidades suaves e fluidas, priorizando interpretações contínuas e fluentes em vez de segmentos desconexos.
    • Lei da Simetria: A simetria é facilmente percebida e valorizada, levando a mente a agrupar elementos simétricos para formar padrões coesos.
  3. Lei do Fechamento, clausura ou do preenchimento: Nossa mente tende a “fechar” formas incompletas, preenchendo espaços em branco e criando figuras completas, mesmo quando as informações estão ausentes.
  4. Lei do destino comum: A tendência de pressupor que os elementos que se movem na mesma velocidade ou direção como partes de um único estímulo.
  5. Lei da figura-fundo: a percepção só ocorre em contraste. Não é possível escrever algo legível com uma caneta preta em um papel preto.

SAIBA MAIS

Koffka, Kurt. Principles of Gestalt psychology. Routledge, 2013.

Smith, Barry. Foundations of Gestalt theory. München: Philosophia Verlag, 1988.

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