A adolescência não é algo necessariamente conturbado, mas fazer antropologia é.

A antropóloga americana Margaret Mead (1901–1978) teve acesso e fez várias entrevistas com meninas e moças na ilha de Ta’u, Samoa, nos meados dos anos 1920. Em seus oito meses na ilha com 600 habitantes, fez entrevistas com 68 informantes entre nove e vinte anos de idade. De seu trabalho de campo veio o best-seller Coming of Age in Samoa, publicado em 1928, um ano antes de terminar seu doutorado na Universidade de Columbia, o centro da antropologia boasiana.
A obra retrata a adolescência e o amadurecimento sexual entre os samoanos. Conforme Mead documentou em sua etnografia, haveria maior liberdade e menor repressão sexual na adolescência samoana e os papéis de gêneros seriam bem distintos das normas ocidentais. Surpreendente para a época e para os americanos, os samoanos não eram adeptos de punições físicas e, mesmo assim, tinham desenvolvimentos normais.
Uma parte controversa foi da iniciação sexual das samoanas. Elas podiam ter encontros às escondidas, mas não eram levadas tão seriamente pelas famílias. Namoravam também com a permissão da família. E havia o moetotolo. Nessa última abordagem, o pretendente se insinua no quarto da moça durante a noite e tenta fazer sexo com ela. Se ela gritar, a família acode o pretendente fica marcado como estuprador na vila. Se a relação se consuma, então o moço poderia casar-se com ela.
O contraste era evidente: supostas crises que ocorriam na sociedade americana deviam mais à repressão sexual do que algo inato. As implicações do livro foram enormes.
Na época, principalmente por abordagens biológicas e freudianas, o consenso era de que a adolescência seria universalmente traumática e estressante devido a fatores inatos e desenvolvimentais.
Em pouco tempo, Mead tornou-se uma figura pública. Suas publicações sobre desenvolvimento infantil, adolescência e sexualidade geraram muito debate público.
Anos mais tarde (e uma revolução sexual nos países industrializados depois) o antropólogo neozelandês Derek Freeman (1916-2001) refez o trabalho de campo de Mead. Seus achados vieram de encontro com as teses de Margaret. Freeman encontrou uma sociedade que cultuava a virgindade e era repressiva da sexualidade adolescente.
Freeman argumentou que as adolescentes contaram bravatas e Mead escutou aquilo que já queria ouvir. Em três livros, Freeman (1993, 1996, 1999) fez de sua crítica uma denúncia. Seu tom repercutiu mal entre o público e a comunidade acadêmica. Margaret era já morta, mas sua filha e também antropóloga Mary Catherine Bateson (1939 – 2021) enfrentou Freeman em debates televisivos. O caso virou o documentário Margaret Mead and Samoa (1988).
Os próprios samoanos já vinham protestando contra a representação que Mead fizera deles. A antropóloga não menciona a taupou, a virgem que ocupa papel central na sociedade samoana. Se para Mead ela retratava os samoanos positivamente, a acadêmica samoana La Tagaloa Fa’nafi sentiu que foram retratados como animais.
A controvérsia despertou interesses de antropólogas como Penelope Schoeffel, Bonnie Nardi, Sharon Tiffany e Anette Weiner pelas mulheres samoanas. Elas apresentam perspectivas mais matizadas quando comparadas com Mead e Freeman, além de levar em conta mudanças devidos ao lapso temporal e as transformações coloniais.
Apesar dessas limitações de seu trabalho, o cerne das descobertas de Mead permanecem válidas e confirmadas por estudos posteriores e por outras disciplinas. Hoje é compreendido que a experiência individual dos estágios de desenvolvimento reflete demandas e expectativas culturais. Portanto, os “problemas” da adolescência e o desenvolvimento sexual são culturalmente contingentes. Os fatores biológicos e ambientais são relevantes, porém não há relação necessária entre eles e um determinismo comportamental.
Os interesses por educação, desenvolvimento da criança e do jovem e antropologia são entrelaçados em sua biografia. Era a primogênita dos cinco filhos dos quakers e cientistas sociais Edward Sherwood Mead e Emily Fogg Mead. A família grande, que incluía três gerações, vivia na progressista Filadélfia numa era de confiança na qual as ciências sociais direcionariam as reformas aos problemas dos Estados Unidos.
Sua mãe fazia observações e anotações do desenvolvimento infantil dela e de seus irmãos. Depois, Margaret encarregou-se dessa tarefa.
Conheceu Ruth Benedict quando graduava-se em psicologia. Por meio de Benedict ficou convencida a estudar antropologia. Fez trabalho de campo em Samoa, Papua Nova Guiné e Indonésia. Deve-se a Mead a popularização do conceito antropológico de cultura e sobre sua maleabilidade.
Foi pioneira no uso da fotografia na antropologia. Iniciou o uso de recursos visuais em Bali e durante a Segunda Guerra Mundial repetiu suas técnicas de análise para fazer antropologia à distância da Alemanha e do Japão.
Seu livro sobre Sexo e Temperamento (1935) provou que temperamentos e traços de masculinidades ou feminilidades como imaginados pelas culturas ocidentais não são universais.
Fez sua carreira no Museu Americano de História Natural em Nova York, onde trabalhou de 1926 a 1969. Paralelamente, foi uma intelectual pública. Frequentava programas populares de rádio e TV, discutia com políticos e administradores públicos sobre saúde mental, fome, educação e ecologia. Foi feminista de fato, mas crítica dessa designação. Por vezes, suas ideias eram controversas, como a de encorajar as culturas tradicionais a adotarem os costumes ocidentais para sobreviverem às transformações sociais e tecnológicas. Sua assertividade (sempre o mais fundamentada possível) intimidava muitos interlocutores despreparados. Participou em várias comissões e presidências, desde a da revisão do Livro de Oração Comum da Igreja Episcopal até à direção da American Anthropological Association e da Associação Americana para o Avanço da Ciência.
Meio à controvérsia, Margaret Mead demonstrou que viver em transformação com a cultura é algo que vale a pena.
SAIBA MAIS
Coffman, Elesha J. Margaret Mead: A Twentieth Century Faith. New York: Oxford UP, 2021.
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