Modos de inferência

Desde os nossos ancestrais da savana até o mundo virtual da internet desenvolvemos uma habilidade incrível de processar a babel das informações.

Para juntar as peças e tornar algo coerente, utilizamos quatro modos ou métodos de inferência.

Dedução

Deduzir é partir do geral para o particular. É um raciocínio baseado em premissas gerais para determinar conclusões específicas. Por exemplo: P1: Todos os homens são mortais. P2: João é homem. Portanto, João é mortal.

A força da dedução reside na sua estrutura lógica: se as premissas são verdadeiras e a forma do argumento é válida, a conclusão deve ser verdadeira. Contudo, a justificação última da verdade dessas premissas iniciais enfrenta um desafio epistemológico fundamental, bem sumarizado no trilema de Agripa. Ao buscar a prova definitiva para as bases de qualquer argumento (incluindo as premissas de uma dedução), deparamo-nos com uma das três seguintes possibilidades:

  1. Problema da regressão infinita: Toda premissa precisaria ser justificada por um argumento anterior, cujas premissas também precisariam de justificação, e assim por diante, infinitamente, sem nunca se chegar a um fundamento último.
  2. Axioma (ou Pressuposição Dogmática): Algumas premissas são aceitas como verdadeiras sem prova, funcionando como um ponto de partida autoevidente ou fundamental. No entanto, essas premissas axiomáticas em si não são provadas dentro do sistema que delas depende.
  3. Raciocínio circular (ou Petição de Princípio): A justificação de uma premissa, ou do argumento como um todo, depende, em última instância, da própria conclusão que se quer provar, ou de uma premissa que já assume a verdade da conclusão.

Dessa forma, o trilema de Agripa não invalida o processo dedutivo em si, mas questiona a possibilidade de alcançar um conhecimento com certeza absoluta e completamente justificado a partir de primeiros princípios.

Indução

O raciocínio indutivo é partir de premissas particulares para generalizações. Por exemplo: P1 João é homem e mortal, P2 José é homem e mortal. Portanto, homens são mortais. 

Com isso, há o problema da indução: como ter certeza de que depois de n vezes o sol continuará nascendo?

Abdução

A abdução é um tipo de inferência que busca encontrar a explicação mais plausível para um conjunto de observações ou um fato surpreendente. Diante de um fenômeno, formulam-se diversas hipóteses explicativas, e a abdução consiste em inferir qual delas é a melhor explicação, considerando os dados disponíveis e nosso conhecimento prévio. A Navalha de Occam (princípio da parcimônia) é frequentemente utilizada neste processo, favorecendo a explicação mais simples e com menos pressupostos entre aquelas que são igualmente capazes de explicar o fenômeno.

Por exemplo:

  • P1 (Observação): Você entra em sua sala e percebe que a janela está aberta e alguns papéis que estavam sobre a mesa estão espalhados pelo chão.
  • P2 (Conhecimento de fundo/Regras gerais que geram hipóteses):
    • a) Uma corrente de vento forte pode abrir uma janela (se não estiver bem fechada) e espalhar papéis.
    • b) Alguém pode ter entrado na sala, aberto a janela e derrubado os papéis.
    • c) Um animal de estimação (como um gato) poderia ter pulado na mesa e causado a desordem.
  • Conclusão (Hipótese/Melhor Explicação): Considerando que não há sinais de arrombamento e você não tem um animal de estimação que circule por ali, a explicação mais provável é que uma corrente de vento abriu a janela e espalhou os papéis. (Esta seria a “melhor explicação” dadas as circunstâncias e a ausência de evidências para as outras hipóteses).

A abdução é fundamental para o raciocínio no dia a dia e para a descoberta científica, pois nos permite gerar hipóteses novas e criativas diante de informações parciais, complexas ou inesperadas. É o tipo de raciocínio frequentemente empregado em diagnósticos médicos (a partir dos sintomas do paciente, qual é a doença mais provável?), em investigações criminais (a partir das evidências coletadas na cena do crime, qual é o cenário mais provável dos eventos?) e em muitas outras situações que exigem a interpretação de pistas para se chegar a uma compreensão.

Como outras formas de inferência que não são puramente dedutivas (como a indução), a abdução não garante a verdade absoluta de sua conclusão. A explicação escolhida é apenas a mais provável, coerente ou razoável com base nas evidências disponíveis naquele momento. Uma hipótese gerada por abdução pode, e muitas vezes deve, ser testada posteriormente (usando dedução para prever consequências e indução para verificar essas consequências com novas observações). Novas informações ou a consideração de explicações alternativas mais robustas podem levar à revisão ou ao descarte da hipótese inicial. O “ponto fora da curva” (um outlier), ou seja, um dado ou evento raro que não se encaixa na explicação mais óbvia, pode indicar que a hipótese atual é inadequada ou que um fator importante não foi considerado.

Analogia

A analogia pega traços similares de um particular e aplica-os para ilustrar outro particular diferente. Um exemplo clássico: P1 João é mamífero, bípede, com polegar oponente e humano. P2 José é mamífero, falante e com polegar oponente. Portanto, José provavelmente é humano. (Poderia ser outro primata, embora não tenhamos informação se João seja falante ou se ser bípede implica em humanidade).

Como já é possível inferir por indução, também tem problemas com a analogia. A analogia falaciosa (confundir alhos com bugalhos) é considera uma correspondência possível como se fosse certa. Um ganso anda como um pato, grasna como um pato, mas não é um pato.

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