Em sua obra de 1990, “Os Três Mundos do Capitalismo de Bem-Estar Social” (The Three Worlds of Welfare Capitalism), o sociólogo dinamarquês Gøsta Esping-Andersen apresenta uma análise comparativa que redefiniu o estudo dos Estados de bem-estar social nas sociedades capitalistas avançadas.

A tese central do livro é que, longe de serem monolíticos, os Estados de bem-estar social se agrupam em três regimes distintos, moldados por forças históricas, políticas e econômicas singulares. Para fundamentar essa tese, Esping-Andersen emprega uma metodologia comparativa, analisando dezoito países da OCDE com foco em três conceitos cruciais: desmercadorização, estratificação e as interações entre Estado, mercado e família na provisão de bem-estar.
Os conceitos-chave desenvolvidos por Esping-Andersen são fundamentais para sua tipologia. A desmercadorização refere-se à medida em que os benefícios sociais, como saúde e pensões, são concedidos como direitos intrínsecos da cidadania, independentemente da participação individual no mercado de trabalho. Quanto maior a desmercadorização, menor a dependência do cidadão em relação ao mercado para sua subsistência e segurança. A estratificação, por sua vez, examina como as políticas de bem-estar social reforçam ou atenuam as hierarquias sociais existentes, sejam elas baseadas em classe ou gênero. Finalmente, os regimes de Estado de bem-estar social são classificados pela forma como esses três atores – Estado, mercado e família – interagem e se articulam na responsabilidade pela provisão do bem-estar.
A partir desses conceitos, Esping-Andersen identifica três regimes ideais-típicos. O primeiro é o regime Social-Democrata, exemplificado por países como Suécia, Dinamarca e Noruega. Este modelo se baseia em princípios de universalidade, com um bem-estar financiado por impostos que promove ativamente a igualdade e um alto grau de desmercadorização. O Estado desempenha um papel central e robusto, minimizando a dependência da família ou do mercado. Exemplos práticos incluem acesso universal e gratuito a serviços de saúde e educação, além de generosos benefícios de desemprego. Como resultado, esses sistemas tendem a reduzir significativamente as desigualdades de classe e gênero e frequentemente apresentam um grande setor público de emprego.
O segundo regime é o Conservador/Corporativista, encontrado em nações como Alemanha, França e Áustria. Neste modelo, o bem-estar está fortemente atrelado ao status ocupacional, seguindo uma lógica bismarckiana onde os direitos derivam da contribuição e do pertencimento a determinados grupos profissionais. Há uma ênfase na preservação das estruturas familiares tradicionais, muitas vezes com parcerias entre a Igreja e o Estado na provisão de serviços. Pensões baseadas em contribuições e políticas de salário familiar são características típicas. Consequentemente, este regime tende a reforçar a estratificação de classes e apresenta um nível moderado de desmercadorização.
Por fim, o regime Liberal, predominante em países como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, caracteriza-se por um bem-estar dominado pelo mercado. O papel do Estado é residual, funcionando primariamente como uma rede de segurança para os mais pobres e apenas quando outras alternativas falham. Há uma forte dependência de seguros privados e um Ethos de individualismo. Benefícios sujeitos a teste de meios e sistemas de saúde amplamente privatizados, como nos EUA, são ilustrativos. Este regime resulta, tipicamente, em altos níveis de desigualdade e um baixo grau de desmercadorização.
Apesar de sua influência, Os Três Mundos do Capitalismo de Bem-Estar Social recebeu algumas críticas. Uma das mais proeminentes foi a sua suposta “cegueira de gênero”. Teóricas feministas, como Jane Lewis, argumentaram que Esping-Andersen negligenciou o papel crucial do trabalho de cuidado não remunerado, majoritariamente feminino, e as dimensões de gênero na estruturação dos papéis de bem-estar. Outra crítica apontou para a omissão de um possível quarto regime, o modelo do Sul da Europa (exemplificado por Itália e Espanha), onde a família desempenha um papel ainda mais central na provisão de bem-estar, como destacado por pesquisadores como Maurizio Ferrera. Além disso, o foco exclusivo em nações da OCDE limitou a aplicabilidade de sua tipologia a economias em desenvolvimento e ao Sul Global.
Não obstante essas críticas, o impacto e o legado da obra são inegáveis. O livro tornou-se um texto fundacional na pesquisa comparativa sobre Estados de bem-estar social, moldando o campo por décadas. Suas categorias foram amplamente utilizadas em debates políticos, servindo tanto para justificar as virtudes dos modelos nórdicos quanto para analisar os efeitos de críticas neoliberais aos sistemas de proteção social. Consciente dos debates, o próprio Esping-Andersen revisou e atualizou seu modelo em trabalhos subsequentes, como Social Foundations of Postindustrial Economies (1999), discutindo algumas das críticas levantadas.
Gøsta Esping-Andersen (nascido em 1947) obteve o PhD em sociologia na Universidade de Wisconsin-Madison. Atuou como professor no Instituto Universitário Europeu em Florença, na Universitat Pompeu Fabra em Barcelona, em Harvard e outras instituições. Sua pesquisa aborda estratificação na sociedade, desigualdade e dinâmicas de família. Recebeu doutorados e prêmios pelo impacto na pesquisa de política referente à sociedade.
SAIBA MAIS
Esping-Andersen, Gøsta. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Princeton UP, 1990.
Lewis, Jane. “Gender and the Development of Welfare Regimes.” Journal of European Social Policy, 1992.
Ferrera, Maurizio. “The ‘Southern Model’ of Welfare in Social Europe.” Journal of European Social Policy, 1996.

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