Imagine um algoritmo apuradíssimo que estimasse o tempo de vida todas as pessoas. Histórico de saúde, riscos de acidentes, más escolhas e desastres naturais são todos levados em conta para dizer a data exata quando uma pessoa partiria dessa vida. Já não existia o imprevisto, só o inevitável.
No começo, as empresas de seguros ficariam felizes. O avanço do cálculo atuarial permitiria colocar as fichas só nas apólices de pessoas com risco inexistente. Em seguida, as seguradoras ficariam desesperadas. Ninguém mais faria seguros de vida e mesmo para saúde e outros bens as pessoas ficaram negligentes.
A data fatídica poderia ser consultada em um aplicativo. No começo, ativistas de direitos humanos eram contra. Eticista defenderiam uma lei vedado o acesso ao dia do vencimento para menores de idade. Mas com o tempo, a curiosidade venceria qualquer pudor.
As pessoas ficariam com um pé atrás para entabular relacionamentos duradouros. Famílias foram desfeitas. De antemão, pais enfrentavam um luto antecipado pelos seus filhos que iriam antes. Incrivelmente cresceu a demanda por trabalhadores com data curta.
Cresceriam o número de sem-teto com baixa espectativa de vida. Durante uma bolha, os longevos lucraram, mas o sistema de crédito estourou. O mundo virou um feudalismo no qual os fracos e temporários se sujeitavam para ter a proteção dos duradouros. Pessoas com nada a perder e com prazo próximo viraram bandidos sem senhores.
Um desesperado tentou burlar o cheque pré-datado de sua vida e terminar as coisas antes. Só foi pior. Ficou inválido por muitas décadas ainda. O sofrimento ainda seria maior.
Alguém teve a ideia de comodificar o tempo. O processo foi simples: dividia os minutos que uma pessoa tinha e o transformava em valor. Por seu um objeto de quantia fixa, o tempo de vida virou dinheiro.
As coisas começaram a normalizar com um estratagema brilhante. Os longevos pobres pagavam com uns minutinhos uma amenidade que antes não dispunham. Depois passaram a gastar horas, dias e anos, porque afinal tinham muito pela frente. Um rico de curta vida trocava seus bens pelo tempo de uma pessoa mesmo sendo ilusório, pois o tempo de vida não seria transferível.
A moeda fictícia do tempo deu uma segurança. A ilusão que se teria muito tempo fez com que seus acumuladores fossem tratados como ricos. Os sem-tempo ficaram pobres e mais se desgastavam para adquirir tempo de vida. Em vão.
Exceto a ficção de saber a data última, tudo isso é realidade.

P.S.: Algumas semanas desta postagem soube do filme In Time (O Preço do Amanhã ou Sem Tempo) de 2011, dirigido por Andrew Niccol, no qual uma premissa é transformação do tempo de vida em moeda e commodity. Depois de assisti-lo, vejo algumas semelhanças, principalmente a estratificação social do tempo.
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