Diferenças entre as culinárias francesa e italiana

cozinha

Tiramisu ou mille feuilles? Ciabatta ou baguette? Entrecôte ou filetto? Pasta ou Bisque? Eis algumas questões que definitivamente são melhores se tratadas com a conjunção “E” do que com o “OU.

Apesar das semelhanças, as culinárias francesa e italiana refletem a singularidade que a cada povo existe. Mesmo em suas formas industrializadas ou servidas por restaurantes totalmente brasileiros, a culinária de um país é uma boa forma de apreciar um pouco da cultura alheia.

Estas são observações impressionistas. Meus contatos com educação formal em ciência gastronômica limitam-se a um curso de gestão de restaurantes providenciado por uma rede de fastfood e a experiência de trabalhar como auxiliar de cozinha em uma escola de culinária — eventos suficientes para me traumatizar com a gastronomia a ponto de me tornar um ótimo fazedor de miojo!

Similaridades mediterrâneas

A culinária francesa e a italiana compartilham alguns pontos. Ambas possuem alto status tanto em círculos profissionais quanto no gosto e imaginário popular. São as culinárias do azeite de oliva: oriundas do mundo do Mediterrâneo e da cultura latina empregam muitos ingredientes, preparo e modo de consumo semelhantes.

O (bom) provincialismo dessas culinárias fizeram que a produção local ganhasse apreço. Isso estimulou o surgimento de denominações de origem. Contribui em buscar fornecedores para uma relação de longa data. O ideal de compras frescas nas feiras, padarias e açougues é almejado em boas cozinhas.

Um fato pouco salientado é que ambas também são culinárias da fome: guerras, alta densidade populacional, cadeias de suprimento inconsistentes, dentre outros fatores, fizeram com que seus cozinheiros valorizassem cada recurso disponível. Cada perda recebe olhares censuradores do chef. Não admira que a etiqueta nessas culinárias prescreve comer até deixar o prato limpo. Quem acha chique deixar restinhos pode ter de enfrentar um garçom inquisitivo “tem algum problema com a comida?”

Cada uma dessas cozinhas possui sua riqueza e alguns traços particulares.

A culinária francesa

A culinária francesa valoriza o preparo em elaborados passos, uma rígida seleção de ingredientes (e em bom número deles), com porções na liminaridade da saciedade. 

Um simples croissant ou um macaron frustram qualquer iniciante ao descobrir que sua produção não tem nada de simples.  Ingredientes são separados, batidos, incorporados, cozidos, repartidos, assados em doses e pontos acuradíssimos. Alguns pratos levam dias de preparação. A estética da apresentação do prato tem de ser tão atraente quanto o sabor que promete.

Em qualquer receita de molhos básicos ou no preparo de uma carne espere elencar mais de dez ingredientes. E espere coisas, digamos, raras. Pesquise se tiver coragem: tête de veau, ris de veau, perdrix, escargot e langue de bœuf.

Os pratos são servidos com um arranjo com cânones mais rígidos que o fengshui. O tamanho das porções deixam água na boca. Daí a piadinha maldosa “Garçon! Garçon! Meu prato veio com um borrão de sujeira.” “Ah, désolée. Veio com muita comida”. Os tamanhos das porções são compensados pelo grande número de pratos em uma refeição e por um generoso couvert de pães e abundante manteiga.

A culinária francesa, como qualquer generalização sobre um país, não pode ser definida em termos essencialistas. Há contrastes entre as culinárias metropolitana e regional. Paris, Lyon e a costa de Marselha são densamente povoadas em contraste com áreas contínuas de pequenas cidades, mas menos densas da Normandia, Alsácia e da Aquitânia. Também, sempre houve intersecções com outros povos: gauleses, romanos, francos, anglo-normandos, caribenhos, cajun, eslavos, centro-africanos, magrebi, vietnamitas, franco-portugueses, dentre outros. Consequentemente, um cuscuz francês já é bem distinto do seu equivalente marroquino.

A culinária italiana

A culinária italiana valoriza a combinação de um rol menor de ingredientes — tomate, ervas frescas, trigo, ovos — no qual valem mais a criatividade dentro da tradição. Quer despertar a ira de um italiano? Peça pizza margherita com abacaxi e despeje generosamente catchup e maionese.

O preparo requer menos passos e é mais valorizado o que pode ser feito no momento, fresco. É uma concessão comprar pasta seca, o ideal é sempre a massa preparada na hora. Almôndegas, molho bolonhesa e outras carnes são moídas, temperadas e finalizadas o mais próximo do consumo possível. Mas não se engane, pratos elaborados podem levar horas. 

As porções são copiosas e os pratos são coloridos com as cores básicas. (Alguns chauvinistas diriam que são sempre as cores da bandeira: o vermelho encarnado dos derivados do tomate, o branco dos carbs e queijo, o verde do pesto, temperos e da salada). Com essa profusão de cores, a arquitetura da disposição dos pratos é menos importante. O número de pratos de uma refeição completa pode ser menor, mas certamente demandará um extra-esforço e um afrouxamento da cinta para acomodar a sobremesa e o café.

A culinária italiana é também fruto de uma longa história de troca cultural, inclusive com a francesa. Com muito regionalismo e um nacionalismo irredutível, a culinária italiana soube absorver muito de outros povos. O domínio bourbônico no Mezzogiorno trouxe a paella aragonesa. Hoje, é impossível imaginar a cozinha italiana sem o tomate, introduzido somente depois da descoberta das Américas. A polenta alpina pode combinar receitas da Europa Central com o igualmente americano milho.

Cozinhas favoritas

Qual das duas é a melhor? Eis aí uma falsa dicotomia que deve ser ignorada. A culinária é um bom exemplo de diversidade cultural. A cozinha particular permite entender como povos tão culturalmente próximos e compartilhando fatores geográficos preferem modos de preparo e consumos de alimentos tão diferentes. É uma boa lembrança que os seres humanos não respondem meramente às necessidades funcionais, mas valorizam o gosto, a preferência, a herança e o simbólico.

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