Mate não é chá

O perfume de café recém-moído me atraiu. O café parece bom. Está bem localizado, visivelmente para servir classe A-B, móveis de madeira-de-lei escura, uma máquina de espresso esmaltada e servido por atendentes sorridentes. Peço um cappuccino, servem-me um leite morno chocho, sem espuma, com uns pozinhos que suponho ser chocolate no topo. Nenhuma dose de espresso. Frustrado, peço um chá.  Recebo um mate. Nada contra a erva nacional, mas serviram-na cozida, amarga pelo tempo prolongado na água quente de arrancar pele.

Não me considero um cliente chato, nem mesmo um purista pedante – nem reclamei do espresso escrito com X, eXpresso. Mas os anos como barista me fez ser mais criterioso com que bebo. Há diferença entre chá e mate. Cappuccino é cappuccino: espuma de leite aerado, fervido ao máximo de 80 oC, com uma dose (dois shots para os doidos por cafeína como eu) incorporado no máximo dentro de 10s depois de produzido. E só. Nada de leite-em-pó, chocolate, mistura de café solúvel ou qualquer outra invencionice.

O mate era a erva sagrada dos pajés guarani na antiga Província do Guairá, no atual estado do Paraná. Os espanhóis popularizaram a bebida como uma estratégia de tirar o poder dos xamãs, para espanto e condenação inicial dos jesuítas. O padre Ruiz de Montoya condenava-a como a “erva do diabo”.  O hábito de tomar o mate esparramou-se pela bacia platina, como uma alternativa barata ao chá-da-Índia ou o chá-da-China, na forma de chimarrão e tereré. Nessa época os portugueses bebiricavam o chá das índias, uma das especiarias mais apreciadas na Europa, notavelmente na Inglaterra depois que a rainha Catarina de Bragança casou-se com o rei Charles II e introduziu o ritual entre os abastados.

Chamar qualquer infusão de chá irrita o bom-gosto. E não adianta oferecer “chá” de camomila para acalmar, porque camomila é camomila, o rooibos sul-africano é rooibos, mate é mate (Ilex paraguayensis) e chá é chá (Camellia sinesis). Chá de café ninguém fala.