B. Traven: O Tesouro da Sierra Madre

El tesoro de Sierra Madre

Uma aventura com histórias dentro da mesma narrativa, o romance de B. Traven retrata o México exotizado por olhares dos gringos.

Detenha-se aqui o leitor que não queira conhecer os desfechos da história.

Nos inícios da década 1920, na cidade de Tampico, vários operários americanos fazem alguns bicos na prospecção de petróleo. O país tinha passado pela Revolução Mexicana (1910 – 1920) e os governos Obregón e Calles instigaram as reformas agrária e trabalhista que dificultavam o trabalho formal dos gringos, mas os tornavam mão-de-obra interessante porque suas jornadas extrapolavam os limites legais.

Um operário desempregado, Dobbs, sobrevive mendigando entre os turistas. Depois de uma empreitada na qual o empregador enrola para pagar, associa-se com outro norte-americano, Curtin. No hotelzinho em que Dobbs vive, os dois encontram Howard, um experiente garimpeiro com passagens pelo Alasca, Colúmbia Britânica e Austrália.

Há várias histórias-dentro-da-história. Na primeira delas, Howard conta a lenda de La Mina Agua Verde. No século XVIII, a população indígena da fronteira do Arizona e Sonora se revoltam contra os colonizadores espanhóis e foram duramente castigados. Para afastar a cobiça, os habitantes locais esconderam a localização da mina. Expedições subsequentes na tentativa de encontrá-la acabaram em desgraça.

Dobbs garante que ele não é ambicioso: uma quantia para viver uma vida confortável é tudo que deseja.

O trio decide partir em busca da lendária mina. Acabam descobrindo um pequeno veio de ouro de aluvião na Sierra Madre. Para não despertar a atenção (e evitar problemas, pois mineram sem possuírem a concessão) dos moradores de um pueblo vizinho, decidem dizer que são caçadores de peles. Os dois jovens vivem em tensão, mas Howard sempre acalma os ânimos. Depois de mais de um ano de garimpo, começam a planejar a saída.

Um visitante inesperado (e indesejado), Robert W. Lacuad, de Phoenix, Arizona, aparece no acampamento. Não parece engolir muito a história de caça de peles. Lacuad conta um episódio da revolta cristera Viva Nuestro Rey Cristo. Aqui o anarquismo anti-clerical de B. Traven ressoa: a população pobre campesina é manipulada pelos clérigos católicos a se armarem e atacarem os trens. É uma alusão à revolta dos cristeros. A represália brutal dos federales contra as aldeias levam a escalar o banditismo, com hordas de desperados vagando. O grupo acaba enfrentando um desses bandos.

Howard conta a lenda Dona Catalina Maria de Rodriguez e da mina de Dona Maria. Um chefe indígena do norte do México é iludido por um monge a peregrinar para a cidade do México para pagar uma promessa e curar as vistas de seu filho cego. Como o milagre não acontece, o chefe índio Aguila Bravo amaldiçoa a Virgem e é acusado pela Inquisição. Um médico charlatão, Don Manuel, realiza a operação, mas a condiciona a pagamento em metais preciosos. Os índios cumprem o acordo e levam Don Manuel e sua esposa Dona Catalina Maria às minas secretas. Ganancioso e escravizador, Don Manuel é morto logo. Sua viúva assume o controle com mão de ferro e planeja voltar à cidade do México e depois ir casar com um fidalgo na Europa. Mas desaparece na cidade.

Lacuad fica nas serras. É um dos garimpeiros perenes que vivem na esperança (e ilusão) de encontrar a sorte grande. Decididos a usufruírem de seus ganhos, os mineradores planejam a partida de modo que não chame a atenção. Planejam o retorno à civilização por caminhos separados. Contudo, Howard salva a vida de uma criança índia e sua tribo o convida a viver com eles. Dobbs e Curtin continuam a viagem para depositar os ganhos em um banco.

Dobbs enlouquecesse com a ganância. Seu terror paranoico de ser morto por Curtin leva-o a atirar no companheiro. Mas, seguido por bandidos, é morto antes de chegar à cidade. Os bandidos esvaziam os sacos sem perceber que a “terra” neles, na verdade, é ouro. Acabam capturados e julgados. Howard encontra Curtin, que sobreviveu a seus ferimentos, e o traz para a tribo.

Sem o ouro, Howard encontra propósito para sua vida como o curandeiro da tribo. Curtin vai embora e promete visitar o amigo.

B. Traven, de quem pouco se sabe, escreveu o Der Schatz der Sierra Madre em 1927. O autor mexicano de expressão alemã andava com passaportes inglês, americano, sueco, norueguês, lituano, alemão e mexicano, além de usar cerca de 30 pseudônimos. Nascido provavelmente na década de 1880 e morto (talvez) em 1969, sua identidade permanece um mistério. Há evidências que fora um revolucionário anarquista que esteve na Alemanha, que se apresentava como Ret Marut, estabelecido no México em 1924.

Não poupa críticas que antecedem uma preocupação com as externalidades que o capitalismo causa:

O ar parecia corroer os pulmões porque estava carregado de gases tóxicos que escapavam das refinarias. Aquela atmosfera irritante que tornava a respiração tão pesada e desagradável e que constantemente apertava a garganta, era um sinal de que tinha gente ganhando muito dinheiro, muito dinheiro.

A prosa fluida faz que leitor queira terminá-lo de uma só vez. Apesar do sucesso editorial e do filme, tardaria ganhar traduções em espanhol e português.

A obra de B. Traven foi traduzida para o inglês e rapidamente ganhou a versão de filme estrelado por Humphrey Bogart e John Huston (e direção desse último) em 1947. Recebeu três prêmios da Academia, o Óscar. O gênero de filme de aventura foi bem apreendido por John Hudson, o qual dirigiu vários filmes que viraram clássicos, como O Homem que queria ser Rei, inspirado em Rudyard Kipling, também um conto admonitório das desgraças que esperam aqueles que traem seus princípios em busca de fortunas em terras longínquas. A narrativa dentro de outra narrativa com personagens gringos e bandidos no México virou um tropos na cultura popular, repetindo-se em vários filmes.

Não é o ouro que muda o homem, é o poder que o ouro dá ao homem que muda sua alma. Esse poder, porém, é apenas imaginário. Se não for reconhecido por outros homens, não existe.

O mergulho no México profundo, a crítica social contra a exploração dos grande e a rejeição da ganância lembram outra grande novela ambientada no país, Pedro Páramo, de Juan Rulfo. A aventura em busca de fortunas em um ambiente colonial com uma dissecação do espírito humano remete a Lord Jim e Coração das Trevas de Joseph Conrad.

O conto admonitório contra a febre do ouro é atemporal. A ganância tem preço: a própria vida.

SAIBA MAIS

TRAVEN, B. O Tesouro da Sierra Madre. Tradução de Fernando de Castro Ferro. São Paulo: Paz e Terra, 1984.

TRAVEN, B. El tesoro de Sierra Madre. Tradução de Esperanza López Mateos. Barcelona: Acantillado, 2009.

http://www.btraven.com/

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