É tão verdade que o ser humano é um animal social quanto também é um animal partidário. Como primatas que vivem em bandos, a organização em facções para conquistar o poder faz parte da história do homem. As facções familiares no Senado romano, os times de hipismo verde e azul da Revolta de Niké que atormentou a Justiniano, o sectarismo religioso da Inglaterra de Hobbes, o regionalismo que fragmentou o sonho pan-americano de Bolívar e o conflito de classes da Revolução Francesa são formas de partidarismo que se traduziram na esfera política. Porém, com a modernidade, surgiram organizações de cidadãos com o objetivo precípuo de influenciar a esfera política total de um Estado sem subordinarem seus interesses a vínculos familiares, tribais, religiosos, regionalistas ou classistas. Assim, surgiram os partidos políticos.
Um partido político é uma organização voluntária de estrutura complexa com uma ideologia que visa permanentemente ligar a população a seu governo para conquistar e exercer o poder político. Seu modo de ação resulta de uma disciplina interna, alianças externas, conquista da opinião pública e estratégias políticas. A legitimidade de um partido fundamenta-se na ação como representantes de uma ideologia que representa os interesses de um grupo social ou parte deles. (BASTOS 2004, SARTORI 1992).
Embora recentemente os partidos políticos pareçam ter diluídos suas ideologias, ainda possuem alguma forma de diretriz subjacente, ao menos a de manter o status quo. Para Sartori (1992), a ideologia partidária é representada por meio de:
- Doutrinas: conjunto de crenças coordenando a ação ideológica e prática do partido.
- Teorias: interpretações abrangente e sistemática da realidade.
- Plataforma: diretrizes quanto às questões sociais, políticas e econômicas.
- Programas: objetivos concretos que buscam em diferentes prazos.
- Símbolos: elementos que permitem identificar o partido diante de outros concorrentes. Incluem-se logotipos, siglas, número partidário e até mesmo apelidos.
Os primeiros partidos modernos nasceram na Inglaterra durante a crise de 1680 (a Revolução Gloriosa) quando começam a distinguirem-se os Whigs e os Tories. Nesse século, passou-se a admitir que os adversários políticos não seriam inimigos do Estado e que os opositores do governo não seriam traidores ou subversivos. A expectativa de um grupo um dia assentar-se no poder tornou suportável ser oposição. Ao invés do assassinato, intrigas palaciais ou guerra aberta e simples, os partidos britânicos consolidaram o modelo de utilizar-se de propaganda, sátira e o debate parlamentar para desacreditar o adversário. Com isso, gradualmente ampliou o sufrágio na disputa dos partidos pelos votos.
Inicialmente o modelo britânico era de notáveis ou de quadros, modelo este que se exportou aos Estados Unidos. O modelo norte-americano a partir de 1828 passou a predominar o bipartidarismo com a democracia madisoniana e a democracia jeffersoniana, além de elementos de populismo, depois vieram os partidos republicano e democrata. Nos países latinos da Europa os partidos nasceram ou de facções revolucionárias (girondinos, jacobinos e realistas) ou de agremiações fraternais (maçonaria e carbonária). Na América Latina os partidos políticos surgiram e se consolidaram com um bipartidarismo de poucas diferenças ideológicas, como os blancos e colorados, os liberais e os conservadores. Inicialmente, esses partidos eram de quadros, existindo como coletivos de indivíduos notáveis, ou seja, como entes despersonalizados, frequentemente para definir as posições e blocos parlamentares. Para Duverger (1968), essas associações com fins de obter vantagens eleitorais ou nas causas votadas no parlamento consolidaram-se nos partidos políticos a partir de 1850.
No final do século XIX houve a substituição da dominância do liberalismo individualizante pelo trabalhismo, a doutrina social da Igreja e as novas esquerdas socialistas, surgindo organizações político-partidárias que transcendiam suas atividades ao parlamento, constituindo-se partidos de massas.
Entre os anos 1920 e 1950 foi o auge dos partidos totalitários, defensores de um Estado forte, uma sociedade uniforme e integral, fechado ao pluralismo político, conclamando a adesão das massas a suas ideologias, regulando o capitalismo por mecanismos corporativistas e da aplicação da doutrina social da Igreja. Um exemplo menos extremo foi a União Nacional do regime salazarista, os mais notórios (e extremados) exemplos foram o fascismo e o nazismo. Com diferente ideologia, mas similar modelo de ação, inserem-se nesse contexto os partidos comunistas desde a III Internacional de Stálin, que admitia somente sua versão de socialismo e uma única organização partidária legítima por país.
Depois da 2ª Guerra, renasceram a democracia cristã, partidos agrários e os partidos sociais democratas, mas com plataformas e estratégias eleitorais multicompreensivas, além da atuação dos socialistas e comunistas. Nos anos 1970, surgem reações minoritárias como os Verdes e os Libertários.
Países que experimentaram ditaduras, pós-comunismo ou descolonização detém instituições partidárias fracas: o personalismo dos líderes e candidatos é eleitoralmente mais relevante que as plataformas ideológicas. Além disso, há uma quantidade impraticável de partidos, resultado de uma legislação temerosa de restringir a livre associação política. São os casos da Rússia, Índia e Brasil. A Rússia chegou a ter quase 100 partidos registrados no começo dos anos 2000, reduzindo seu número a medida que consolidava a autocracia de Putin. A Índia bate o recorde: em 2017 havia 7 partidos com registro em âmbito nacional, 49 partidos com registros estaduais e 1.785 com registros pendentes. A Argentina e o Brasil possuem mais de 30 partidos registrados. Como consequência, nesses países a democracia funciona por coalização na qual aos vencedores cabem os espólios políticos e econômicos e aos perdedores, a oposição cerrada, sem avaliação crítica de propostas da situação, votando somente quando leva algum ganho para si – mesmo que em detrimento nacional.
Atualmente, predominam os partidos eleitorais de caráter cartel, além daqueles que abordam novas questões políticas de uma modernidade líquida e conectada, como o Partido Pirata nos países escandinavos. O desapontamento popular nas democracias com a chamada “velha política” fez surgir movimentos que negam portar etiquetas ideológicas, recusando-se a se identificarem com um ponto do espectro político. Foi assim o Podemos da Espanha, o MoVimento 5 Stelle (M5S) na Itália, a Rede Sustentabilidade e o NOVO no Brasil. Também nesse ambiente de desalento partidário, uma reação populista ganhou impulso, como é o caso do movimento Tea Party e a candidatura de Trump nos EUA, a eleição de Rodrigo Duterte do Partido Democrático Filipino-Poder ao Povo (PDP-Laban) nesse país asiático.
Embora formas de democracia direta ou governo sem partido sejam modelos políticos viáveis no Estado moderno, o sistema partidário demonstra ser nos últimos 200 anos um dos maiores pontos de articulação política coletiva, quer em regimes democráticos, quer em regimes menos participativos.
Obras Consultadas
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Celso Bastos, 2004.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2013.
DUVERGER, Maurice. Sociologia Política. Rio de Janeiro: Forense, 1968.
FERNANDES, António José. Introdução à Ciência Política: teorias, métodos e temáticas. Lisboa: Porto, 2010.
SARTORI, Giovanni. Partidos y sistemas de partidos. Marco para un análisis. Madrid: Alianza editorial, 1992.
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
WARE, Alan. Citizens, Parties and the State. Princeton: Princeton University Press, 1987.
O partidarismo no Brasil surgiu no século XIX?
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Na acepção contemporânea de partido político, o partidarismo no Brasil iniciou sim no século XIX, com os partidos português, brasileiro e os liberal-radicais no Primeiro Reinado.
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