No início do século XIX vários movimentos viam as transformações políticas, sociais e tecnológicas como prenúncio de uma nova era. A exemplo, nos Estados Unidos um fervor religioso esperava o retorno messiânico de Jesus para 22 de outubro de 1844, baseado em interpretações da Bíblia feitas por um sitiante semi-letrado, William Miller (1782–1849). O dia veio e foi-se, marcado pelo “Grande Desapontamento” para muito dos milleritas. Mas nem todos acreditaram que as profecias de Miller estavam equivocadas. Longe dos Estados Unidos, na Pérsia, os seguidores do Babismo acreditam que em 1844 se cumpriu sim um evento messiânico com a revelação do Báb.[1]
Babismo
Os xiitas da Pérsia experimentaram um fervor messiânico entre 1844 e 1852. A expectativa do retorno do Imã Oculto é uma doutrina centrais do xiismo, mas as profecias de Shaykh Ahmad (1753–1826) reacendeu o sentimento da manifestação iminente do misterioso 12º imã, o mahdi – o redentor da escatologia islâmica. Quem assumiu esse papel seria o mercador Sayid ʿAli Muhammad Shirazi ou Mirza ʿAli Muhammad, (1819–1850) se autoproclamou Báb (“a porta”, em árabe) em 1844, prenunciando uma figura messiânica “Aquele em quem Deus se manifesta”. Eça de Queiroz retrata esse evento na ficcional Correspondências de Fradique Mendes:
E Fradique, com toda a singeleza, confessou que se demorara tanto nas margens do Eufrates, por se achar casualmente ligado a um movimento religioso que, desde 1849, tomava na Pérsia um desenvolvimento quase triunfal, e que se chamava o Babismo. Atraído para essa nova seita, por curiosidade crítica, para observar como nasce e se funda uma religião, chegara pouco a pouco a ganhar pelo Babismo um interesse militante – não por admiração da doutrina, mas por veneração dos apóstolos. O Babismo (contou-me ele, seguindo por uma viela mais solitária e favorável as confidências), tivera por iniciador certo Mirza-Mohamed, um desses Messias que cada dia surgem na incessante fermentação religiosa do Oriente, onde a religião é a ocupação suprema e querida da vida. Tendo conhecido os Evangelhos Cristãos por contacto com os missionários; iniciado na pura tradição mosaísta pelos judeus do Hiraz; sabedor profundo do guebrismo, a velha religião nacional da Pérsia – Mirza-Mohamed amalgamara estas doutrinas com uma concepção mais abstracta e pura do Maometismo, e declarara-se Bab . Em persa Bab quer dizer Porta. Ele era, pois, a porta – a única porta através da qual os homens poderiam jamais penetrar na absoluta Verdade. Mais literalmente, Mirza-Mohamed apresentava-se como o grande porteiro, o homem eleito entre todos pelo Senhor para abrir aos crentes a porta da Verdade–e portanto do Paraíso. Em resumo era um Messias, um Cristo. Como tal atravessou a clássica evolução dos Messias: teve por primeiros discípulos, numa aldeia obscura, pastores e mulheres: sofreu a sua tentação na montanha: cumpriu as penitências expiadoras: pregou parábolas: escandalizou em Meca os doutores: e padeceu a sua paixão, morrendo, não me lembro se degolado, se fuzilado, depois do jejum do Ramadão, em Tabriz.[2]
Depois da morte de Báb, o movimento sofreu uma ferina repressão pela dinastia Qajar e pelo Império Otomano, além de separar dois irmãos formando duas vertentes: o movimento Azali e a Fé Baha’i. O Báb teria profetizado a vinda de seu sucessor e cerca de duas dúzias de profetas reclamaram esse papel nos meados do século XX. Dentre eles, quem teve maior sucesso em formar um séquito foi Bahá’u’lláh (1817 – 1892).
Religião Bayan ou Movimento Azali
Religião Bayan seguiu as orientações de Subh-i-Azal (“a manhã eterna”) (1831–1912) insistindo que a mensagem do Báb deveria ser aceita pelo mundo antes do advento d’Aquele a quem Deus se manifesta. Subh-i-Azal, nascido Mirza Yahyaa Nuri, era irmão mais novo de Mirza Hussein-ʿAlí Nuri ou Bahá’u’lláh (“a glória de Deus”). Ambos os irmãos diziam que Báb lhes teriam transmitido seu testamento em forma de tabuinhas. As interpretações divergiram quando Bahá’u’lláh se identificou como o Prometido por Báb. Apesar da divergência, os dois foram exilados pelos otomanos.
Tidos como heréticos pelo islã estabelecido, os babistas azali adotaram a estratégia da taqyia, dissimulação, mantendo sua crença em segredo. Estimam-se que haja cerca de 2.000 babistas azali no Irã e Uzbequistão. Adotam o bayan como sagrada escritura. Utilizam o calendário badi de 19 meses de 19 dias (mais alguns dias intercalados para coincidir com o calendário solar). Tendo o mesmo status que os homens, as mulheres não usam o véu (exceto no Irã onde a lei as obriga). Uma peculiaridade são restrições quanto viajar pelas águas. [3]
Fé Baha’i
Em 1863 Bahá’u’lláh anunciou que era a manifestação divina, como foram Zoroastro, Buda, Krishna, Jesus e Maomé antes dele. Os otomanos acabaram por exilá-lo em Acre, na Palestina, onde organizou seus seguidores. Seu filho Abdul-Baha’ (1844–1921) e neto Shoghi Effendi (1897–1957) lideraram os baha’i transformando-os em um movimento global. Com valores cosmopolitas e ética pacifista, a Fé Baha’i teve sucesso em enraizar-se entre classes médias ocidentais e do sul da Ásia. A mensagem alcançou também a realeza, com Maria de Saxe-Coburgo-Gota, a última rainha consorte da Romênia e o rei Malietoa Tanumafili II de Samoa sendo adeptos dessa fé.
Desde 1963 um conselho administrativo – a Casa Universal da Justiça – coordena mundialmente o movimento e custodia a sede em Jafa e os templos: um para cada continente. No Brasil estão presentes desde a década de 1920.
Como não possuem clérigos, reúnem-se para orações, mas sem liturgias pré-estabelecidas, em comunidades locais ou assembleias espirituais. Defendem a unidade dos seres humanos e respeito à diversidade, redução da pobreza e a paz mundial. Alguns são defensores da adoção do esperanto como língua universal; Lidia Zamenhof (1904-1942), filha do dr.Esperando era seguidora da fé. Referenciam-se por seu principal livro sacro chama-se Kitáb-i-Aqdas e esposam um estrito monoteísmo.
No começo do século XX, Abdul-Baha’ sumarizou as diretrizes sociais básicas para a Fé Baha’i:
1- Unidade dos seres humanos;
2- Busca independente, pessoal e crítica da realidad
3- Religião como meio de harmonia e unidade;
4- A harmonia entre a Religião e a Ciência;
5- Erradicação dos preconceitos religiosos, raciais, políticos e nacionalistas;
6- Isonomia jurídica universal;
7- Abolição dos extremos de pobreza e riqueza;
8- Um sistema jurídico internacional que garanta a paz;
9- Separação entre religião e política;
10- Liberdade educacional e profissional para mulheres;
11- Valorização das virtudes e éticas espirituais em complemento à civilização material.
Movimento de Ramey e outros
Desde a morte de Bahá’u’lláh os Baha’is têm tido dificuldades em lidar com a sucessão de seus líderes. Em consequência, surgiram vários movimentos minoritários com suas linhagens próprias de guardiães da fé, como os seguidores de Charles Mason Remey (1874 – 1974). Um desses movimentos, liderados por Leland Jensen, previu o fim do mundo para 1980.
Em geral, os movimentos oriundos do babismo não contam com simpatia das autoridades dos países islâmicos. No Irã, os baha’i são tidos como heréticos e sujeitos à perseguição. Os azali ocultam suas crenças. Apesar disso, especialmente os baha’i, estão em franca expansão com adeptos heterogêneos em diversos continentes.

NOTAS
[1] ROJAS, Billy. “The Millerites: Millennialist Precursors of the Baha’i Faith,” World Order, IV, No. 1 (Fall, 1968), pp. 15-23.
[2] QUEIROZ, Eça de. Correspondência de Fradique Mendes. Porto: Lelo, 1946.
[3]Sobre os Azali, consultar http://www.bayanic.com/ http://www.iranicaonline.org/articles/azali-babism e MACEOIN, Denis. The messiah of Shiraz: studies in early and middle Babism. Leiden e Boston: Brill, 2009.
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