Viagens, por amor

Quem viaja por amor não acha que mil passos sejam mais longos que um só.

Provérbio japonês.

Não importa se ir até a vendinha da esquina comprar balas à pessoa amada ou dez tempestuosos anos no mar na volta para o lar, mover-se por um sentimento maior vale o percalço.

Uma vez na vida resolvi acreditar que “navegar é preciso” e botar o pé na estrada, ver o mundo. Depois de muitos países, vilas e cidades atravessados por ônibus, avião, carona e pau-de-arara, percebi que ser turista eterno era legal, mas sem sentido. A demanda do santo graal requereria algum propósito. Porém, parar requereria um propósito ainda maior. E não seria o esgotamento de roupas limpas. Seria um feliz reencontro que me ancorou; coincidentemente, em uma viagem à Cidade Eterna. Dois anos depois criei raízes, embora isso não signifique o fim da jornada: agora será a dois.

Na literatura e na história há varias instâncias de peregrinações por amor.

Como cantou Homero, o cansado de guerra Ulisses passou poucas e boas navegando por uma década em retorno à Ítaca, onde a amada Penélope e o filho Telêmaco esperavam. Na década de 1970, o retratista de rua P. K. Mahanandia pedalou milhares de quilômetros de Nova Delhi até a Suécia pela rota hippie para reencontrar Lotte con Schedvin, a turista por quem se apaixonara. O desafortunado Cândido percorreu continentes, sobreviveu a terremotos e guerras para achar sua Cunegundes. O altivo dom Quixote saiu à caça de aventuras para impressionar sua Dulcineia.

Há também histórias trágicas. Romeu e Julieta morreram antes de conseguirem fugir. Moema, deixada por Caramuru, afogou-se ao tentar alcançar a nado o navio que levava seu (canalha) amado. A fuga de Páris e Helena para Troia deflagrou a guerra que destruiria a cidade. Incontáveis relacionamentos não sobrevivem às distâncias (outros florescem devido a distância)

Dar uma explicação para esse ímpeto de vagar por um sentimento é ser demasiadamente reducionista. Em uma perspectiva estrutural-funcionalista, esse deslocamento garantiria alianças exóganas. Mas, até mesmo de relatos de cãezinhos que atravessam léguas atrás de seus donos demonstram que o afeto por si só é motivação suficiente. Talvez a explicação desse ímpeto esteja na semântica.

Percalço é um raro exemplo de contranomia ou retronomia em português. Em outras palavras, seus significados possuem sentidos opostos. Percalço é  tanto o ganho obtido por meio de alguma atividade quanto os transtornos inerentes de uma atividade. Ir atrás de uma pessoa amada é arriscar a ter alguém para acompanhar nesse percalço. É usufruir tanto dos altos e baixos da jornada quanto o destino alcançado.

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