O primeiro imperador, Qin Shi Huang, ascendeu ao trono com os pés sujos de poeira e sangue. Seu reinado unificou os reinos combatentes e forjou a China em um único império. Mas, o soberano que havia conquistado o mundo mortal, temia a única fronteira que não podia transpor: a morte. Seu coração, antes movido pela ambição de poder terreno, agora pulsava com a febre da imortalidade.
Ninguém sob os céus passava o imperador para trás. Havia consolidado seu poder com uma brutalidade implacável. Determinado a controlar o conhecimento, ordenou uma grande queima de livros e sepultou 460 pessoas vivas. Sua tirania não poupou nem sua família, castigando sua mãe. Impiedoso nas batalhas, massacrava soldados inimigos após a rendição.
Toda essa força escondia um medo: a efemeralidade. Fez de tudo para garantir sua existência para o tempo eterno: a Grande Muralha e seu mausoléu monumental com um exército de terracota para guardá-lo no além. Obras tais que foram construídas com a vida e o sofrimento de centenas de milhares artesãos– a maior parte sequestrados para o trabalho forçado ainda jovem.
Em meio a essa truculência, um habilidoso charlatão de feira encontrou um meio de poupar a vida de milhares de crianças.
No vigésimo oitavo ano de seu reinado, subiu o Monte Zouyi e ergueu um monumento para registrar sua glória pela eternidade. Lá conversou com os eruditos confucionistas de Lu e esculpiu uma estela louvando as virtudes do Império de Qin. Ao descer, passou por uma aldeia. Por sorte sua, estava na aldeia um alquimista chamado Xu Fu com algo que ele não tinha.
O mágico contou-lhe que nas vastas e misteriosas águas do Mar do Leste, existiam três montanhas divinas: Penglai, Fangzhang e Yingzhou. Nessas ilhas, viviam imortais que possuíam o segredo da vida eterna.
Xu Fu implorou para que o imperador o deixasse partir, em jejum e purificação, acompanhado por um grupo de jovens — ainda não contaminados com as coisas desta vida, para encontrar esses seres divinos. A promessa era tentadora demais para ser ignorada. O imperador, desesperado por uma esperança, alocou recursos de suas obras monumentais. Armou navios. Xu Fu partiu com milhares de jovens e crianças ao mar.
Anos se passaram e a frota não retornou. O imperador, com a impaciência e a fúria que lhe eram habituais, exigiu uma explicação. Mandou uma expedição punitiva. Antecipando a manobra, Xu Fu, que em algum lugar do vasto oceano, navegava longe das garras do tirano, elaborou uma astuta resposta. Despachou uma mensagem a Qin Shi Huang sobre seu encontro com uma deidade marinha:
“Você é um enviado do Imperador do Oeste?”, teria perguntado o deus.
“Eu desejo o elixir da vida eterna”, teria respondido Xu Fu.
O deus, então, teria lhe dito que os tributos do Imperador Qin eram muito escassos. Por essa mixaria, ele só poderia ver o elixir, mas não levá-lo.
O deus o teria levado às montanhas de Penglai, onde ele viu os palácios e torres feitos de jade, onde as fadas e os imortais viviam.
O deus teria instruído a Xu Fu, “Ofereça-me jovens de ambos os sexos, e artesãos, muitos grãos e eu te darei o elixir.”¹
O imperador, desesperado e deslumbrado, usou toda sua força para juntar tudo que o deus demandara. Não haveria sacrifício maior. O Filho do Céu autorizou uma segunda e ainda maior expedição. Desta vez, Xu Fu teria ao seu comando uma frota mais grandiosa, com três mil jovens e crianças, centenas de artesãos, e provisões de sementes para todas as cinco plantações². A frota partiu mais uma vez para o Mar do Leste, mas nunca mais voltou. Segundo o cronista Sima Qian, Xu Fu teria encontrado “uma planície ampla e fértil”, onde o alquimista transmutou-se em rei.

NOTAS
¹ Sima Qian. Shiji, Vol. 118, “Hainan Hengshan Liezhuan”.
² Sima Qian. Shiji, Vol. 6, “Qin Shi Huang Benji”.
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