Dissonância Cognitiva: aspectos patológicos

Dissonância Cognitiva é o incômodo psicológico quando a realidade esperada choca-se com o cerne de crenças, valores, atitudes, expectativas ou as mais profudas convições. Embora não seja listada (ainda) em manuais de psicopatologia, como o DSM-5, seus efeitos afetam os corações partidos, frequentemente com sintomas mentais e somáticos, muito além dos processos de cognição.

Esse ensaio explora os efeitos da dissonância cognitiva, seus gatilhos e meios de mitigá-los.

Dissonância Cognitiva: aspectos patológicos

Entendendo a dissonância cognitiva

O ser humano busca consistência interna daquilo que crê real e o mundo exterior. Contudo, várias vezes essa relação é conflitante e inconsistente.

Isso ocorre quando o amor ideal não ocorre. O desapontamento de o grupo político, uma vez no poder, não cumprir o prometido. O boletim médico que frusta as esperanças. A instituição sagrada que se comporta como profana. A profecia que não se cumpre. Os familiares que se perdem por caminhos tortuosos. Quem ama uma pessoa abusiva. A pessoa com dieta restrita que consuma um pedacinho de bolo. A culpa de quem tiver dependência de substância. Os números do bilhete de loteria que não batem com o prêmio. O investimento que não tem retorno. Descobrir que na utopia também existem baratas. A lista de desejos quando se contrasta com o saldo bancário. Em suma, basta a existência humana para ter de enfrentar várias situações de dissonância cognitiva.

Para manter alguma sanidade mental, vários mecanismos de defesa lidam com essas diferenças. Entretanto, há efeitos perniciosos ao enfrentar esses choques de realidade.

Efeitos da dissonância cognitiva

  1. Sintomas físicos:
    • Ansiedade e desconforto.
    • Dores de cabeça: A tensão interna pode se manifestar como desconforto físico, como dores de cabeça.
    • Problemas gastrointestinais: a dissonância cognitiva pode ser sentida com dores no estômagos, aperto no esôfago, constipação ou diarreia
    • Tensão muscular: o corpo pode reagir fisicamente à tensão emocional tensionando os músculos. A respiração ou o ritmo cardíacos podem ser alterados.
    • Fadiga e Insônia.
  2. Sintomas psicológicos:
    • Estresse.
    • Culpa e vergonha.
    • Dúvida.
    • Confusão.
    • Irritabilidade.
    • Pensamento conspiracionista.
    • Arrependimento.
    • Baixa autoestima.
    • Angústia.
    • Sentimentos de rejeição.
    • Acessos de raiva.
  3. Efeitos comportamentais e sociais:
    • Evitação e negacionismo.
    • Procrastinação.
    • Abuso de substâncias.
    • Autossabotagem.
    • Negligência de si, da higiene pessoal ou de sua moradia.
    • Acumulação.
    • Projeção: busca de bodes expiatórios
    • Transferência: idolizar algo ou alguém.

Alguns gatilhos comuns para dissonância cognitiva

  • Tomar decisões difíceis: escolhas entre duas opções igualmente atraentes ou decisões que entrem em conflito com valores pessoais.
  • Receber novas informações: aprender algo que contradiz as crenças existentes ou receber evidências que desafiam as próprias convicções.
  • Dificuldade de adaptação: mudar-se para um novo local, emprego, escola, família ou outro pode inverter todo o sistema moral, crenças acerca da realidade, perspectivas, valores. Isso também se repete quando introduzem novas tecnologias, procedimentos ou normas.
  • Testemunhar a contradição de valores: observar outras pessoas se comportando de maneiras que entram em conflito com o código moral ou vivenciar eventos que violam valores pessoais.

Mitigando a dissonância cognitiva

Lidar com a dissonância cognitiva é essencial para o bem-estar no geral. Aqui estão algumas estratégias para gerenciar a dissonância cognitiva:

  • Identifique a fonte: reconheça as crenças ou comportamentos que causam a dissonância. Preste atenção aos gatilhos. Seja honesto em admitir que algo faz-lhe mal. Compreender a fonte é o primeiro passo para a resolução.
  • Considere a mudança: se possível, considere ajustar suas crenças ou comportamentos para se alinharem. Abandone a ideologia política que considere essencial para o mundo. Aceite que sua visão conspiratória não se adequa aos fatos. Como os choques ocorrem dentro de alguma forma de comunidade (família, religião, emprego) module seu envolvimento com tal comunidade e, se possível, decida se vale a pena participar de tal comunidade. Embora isso será desafiador, há grande chances de reduzir a dissonância.
  • Aceite a dissonância: Às vezes, mudar crenças ou ações não é possível ou desejável. Nesses casos, aprender a aceitar a dissonância sem apoiá-la é crucial para a saúde mental.
  • Procure ajuda profissional: Se a dissonância cognitiva se tornar insuportável e afetar a vida diária, considere consultar um psicólogo ou outros profissionais. Há juristas, médicos, ministros religiosos, enfermeiros, educadores físicos, analistas financeiros, dentre outros, que poderão auxiliá-los. Eles podem oferecer orientação, ajudar você a navegar e lidar com esse estado psicológico frustrante.
  • Engage em coisas novas: aprenda a desenhar, nadar, viajar, conhecer novas pessoas, comidas, coisas e interesses. Como possuímos limitações cognitivas (como o número de Dunbar para a quantidade de pessoas conhecidas), pode ser que a pessoa ou coisa que causa disconforto perca a importância.

Considerações

A dissonância cognitiva é um aspecto ordinário da psicologia humana. Embora possa ser desconfortável e angustiante, compreender os seus efeitos e empregar estratégias para a gerir pode melhorar significativamente o bem-estar.

A gravidade dos efeitos psicossomáticos da dissonância cognitiva pode variar dependendo do indivíduo e da situação. No entanto, é importante notar que a dissonância cognitiva pode ter um impacto significativo na saúde física e mental.

Esses são os efeitos da dissonância cognitiva, seus gatilhos e meios de mitigá-los. Ao abordar de frente a dissonância cognitiva, as pessoas conseguem lutar por maior consistência interna e paz emocional.

SAIBA MAIS

Akerlof, George A., and William T. Dickens. “The economic consequences of cognitive dissonance.” The American economic review 72.3 (1982): 307-319.

Cooper, Joel. “Cognitive dissonance: Where we’ve been and where we’re going.” International Review of Social Psychology 32.1 (2019): 7.

Festinger, Leon. A Theory of Cognitive Dissonance. Stanford University Press, 1956.

Festinger Leon et al. When Prophecy Fails: A Social and Psychological Study. University of Minnesota Press, 1956.

Menasco, Michael B., and Del I. Hawkins. “A field test of the relationship between cognitive dissonance and state anxiety.” Journal of Marketing Research 15.4 (1978): 650-655.

Robinson, Jennifer L., and Heath A. Demaree. “Physiological and cognitive effects of expressive dissonance.” Brain and Cognition 63.1 (2007): 70-78.

Stellefson, Michael, Zhongmiao Wang, and William Klein. “Effects of cognitive dissonance on intentions to change diet and physical activity among college students.” American Journal of Health Studies 21.3/4 (2006): 219.

Vaidis, David C., and Dominique Oberlé. “Approaching opponents and leaving supporters: Adjusting physical proximity to reduce cognitive dissonance.” Social Behavior and Personality: an international journal 42.7 (2014): 1091-1098.

5 comentários em “Dissonância Cognitiva: aspectos patológicos

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  1. Eu fico impressionado com os pinotes retóricos e mentais que o ser humano consegue fazer quando enfrenta uma dissonância cognitiva. Esse artigo é praticamente um serviço público sobre o assunto, precisamos de investimentos massivos em saúde mental para que as pessoas tratem a dissonância cognitiva de forma mais suave. De preferência sem incorrer em artigos do código penal.

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    1. Não somos tão racionais quanto gostaríamos. E para piorar, o aumento do fluxo de informação e do crescimento em complexidade das relações sociais tiraram do pino nossos mecanismos mais sadios e eficientes de lidar com dissonâncias cognitivas. Obrigado pelo comentário e espero que cada vez o público tenha ciência disso.

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      1. Concordo que as TI abriram uma caixa de pandora nesse ponto, de certa forma nossa cognição foi catalizada além do ponto saudável e precisamos reequilibrar isso, como sociedade.

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