Søren Kierkegaard. Fragmentos filosóficos, II

Era uma vez um jovem rei que governava um pequeno reino. O rei vivia em um castelo com seus servos, mas não tinha uma esposa. Toda semana passeava pelo seu reino para ver como andavam as coisas. Um dia, ao retornar ao castelo, passou por uma praça. Lá viu uma moça que vendia flores em uma banca. Era tão linda que não a conseguia tirar dos seus pensamentos. Começou a sair todos os dias e a passar pela praça. Não havia como não se comportar de outro modo.
Quando se passara um mês, percebeu que amava a garota e que se casaria com ela. Mas de que maneira ele deveria agir?
Imaginou o que ocorreria se ordenasse para a moça se casar com ele e depois não o amasse. Esse pensamento incomodava o rei, pois não queria somente uma rainha, mas antes uma esposa que o amasse. Seria ela capaz de esquecer que ele era o rei e ela uma mera florista?
Como poderia conquistar o coração dela?
O rei tentava achar uma solução para seu problema. Nem comia ou dormia. Depois de alguns dias, encontrou um caminho. Viria a ela à praça com uma carruagem dourada puxada por seis de seus melhores cavalos. Diante iria a banda tocando e atrás dele o melhor regimento de seu exército em belos uniformes. A carruagem pararia na banca da donzela e um tapete vermelho se desenrolaria. Chegaria a ela com suas mais majestosas vestes com a coroa e as joias reais. Certamente ela ficaria impressionada.
Porém, um pouco depois o rei se arrependeu. Isso seria errado. Ela com certeza ficaria impressionada. Entretanto, ser impressionada e amar não é a mesma coisa.
Então o rei teve outra ideia. Presentear-lhe-ia a carruagem dourada com os seis cavalos. Daria o regimento dos soldados, a banda marchante, joias, dinheiro e as mais belas roupas. Seguramente ela seria grata. Todavia, no dia seguinte o rei também abandonou a ideia. Ser grata, ser eternamente grata e amar não é a mesma coisa.
Finalmente, o rei percebeu que realmente só havia uma solução. Ele deveria chegar à donzela não como um príncipe, mas vestido como um mendigo ou um camponês e tentar conquistá-la como um igual a ela.
Na manhã seguinte, enquanto estava ainda escuro, o jovem rei saiu do castelo pelas portas do fundo e caminhou para a praça. Sentia nervoso e inseguro. Ele -– que tinha poder sobre todo o reino, poder sobre todas as riquezas do país e soldados -– estava em um instante sem poder. Havia uma coisa sobre a qual não tinha poder: o coração da donzela. Este tinha a liberdade de amá-lo ou deixá-lo, liberdade de dizer sim ou não.
Se o rei teve sucesso com seu plano? Não sabemos. Isso depende inteiramente da donzela.
Traduzido e adaptado do dinamarquês por Leonardo Marcondes Alves. Originalmente publicado em 22 de agosto de 2012.
KIERKEGAARD, S. (Johannes Climacus, pseudônimo). Philosophiske smuler. Capitel II Et digterisk Forsøg.
Sensacional Kierkegaard… Desvendando a alma humana…
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Ele tem essa capacidade de fazê-lo de forma profunda e com poucas palavras.
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Exato!
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