Casos de sucessão despertam as mais puras emoções nos parentes herdeiros. Dois casos de fortunas imensam despertaram raiva e frustração.
Em meados do século XIX, o caso da herança de Sylvia Ann Howland abalou a pacata Nova Inglaterra. Em um processo cheio de reviravoltas e um elenco de partes notórias havia uma fortuna em jogo.
A Senhorita Howland, uma mulher rica e de posses consideráveis, faleceu em 1865, deixando uma fortuna substancial.
Nascida em 1806 em uma rica família de comerciantes baleeiros de New Bedford, Massachusetts, ela herdou uma fortuna vultuosa de seu pai e de outros membros da família. Era uma das mulheres mais ricas dos Estados Unidos durante sua vida. Apesar de sua riqueza, Howland viveu uma vida relativamente frugal, principalmente pelo princípio quaker de modéstia.
Seu testamento, todavia, foi contestado por várias partes. Logo apareceram parentes distantes e organizações de caridade, levando a uma batalha legal prolongada.
No cerne do caso estava o testamento da Senhorita Howland. O documento especificava que sua fortuna deveria ser distribuída de acordo com seus desejos, incluindo grandes somas de dinheiro para instituições como a Universidade de Harvard e o Hospital Geral de Massachusetts. No entanto, sua única herdeira consanguínea, Henrietta Howland Robinson, contestou o testamento e apresentou um segundo testamento, supostamente posterior, que concedeu a ela a totalidade da propriedade, salvo a bagatela de $ 100.000.
Hetty Robinson, como era conhecida, era famosa por sua perspicácia nos negócios. Hetty talvez fosse a mulher mais ricas do país América durante sua vida. Sua fortuna foi estimada em $ 100 milhões na época de sua morte em 1916. Além disso, ela era famosa por ser uma pessoa tão avarenta quanto o tamanho de sua fortuna. Usava os mesmos vestidos por décadas, consertava roupas velhas em vez de comprar novas e se recusar a aquecer seus quartos mesmo durante os invernos mais frios da Nova Inglaterra. As más línguas diziam que mantinha sua mansão em Massachusetts com poucos móveis. Alimentava-se de aveia fria no café da manhã todos os dias. Fugia dos impostos sobre suas propriedades morando em um pequeno quarto em um de seus prédios, alegando que era sua residência principal. Apesar de sua imensa riqueza, a reputação de avarenta de Hetty tornou-se lendária e seu nome tornou-se sinônimo de extrema frugalidade.
Pois bem, para provar a autenticidade do segundo testamento, Hetty não poupou dinheiro. Contratou uma equipe jurídica que recrutou vários especialistas proeminentes, incluindo o naturalista Louis Agassiz, Oliver Wendell Holmes e John Quincy Adams II. No entanto, a parte contrária apresentou várias testemunhas de igual peso para argumentar que o segundo testamento era uma falsificação, incluindo os lógicos Benjamin Peirce e Charles Sanders Peirce.
Ambos testamentos tinham assinaturas totalmente iguais. Isso soou um tanto suspeito. Os Peirce calcularam que a probabilidade de duas assinaturas serem completamente idênticas. Analisaram ângulos, direções de traços e concluíram que a probabilidade de ambas assinaturas corresponderem totalmente era de 1:2.666×10 21. Ou seja, praticamente impossível. A contribuição deles marca o início da matemática como ciência forense.
O caso culminou foi encerrado em 1874 por questões técnicas. Na prática, ficou determinando que o testamento de Howland era válido. Assim, sua fortuna deveria ser distribuída de acordo com seus desejos. O caso foi significativo porque garantiu o princípio legal de que os indivíduos têm o direito de dispor de seus bens como bem der na telha por meio de seu testamento. Isso mesmo que as decisões do testamento sejam impopulares ou controversas.

Frustrações testamentárias
O caso relembra a herança dos Correias. O confuso testamento do fazendeiro gaúcho Domingos Faustino Correia redigido 18 dias antes de sua morte em 1873 desencadeou uma corrida ao ouro. Teria deixado cento e trinta propriedades, segundo um anexo ao caso nos anos 1970. Mas o fato é que os bens foram distribuídos conforme a execução do testamento e só parte deles eram condicionais, o que foi cumprido. Mas a sanha cresceu. Dizem que 100 mil pessoas entraram no processo no foro da cidade de Rio Grande. A lenda também fermentou, atraíndo gente dos países platinos.
A Justiça do Rio Grande do Sul finalizou o caso de modo inapelável em 1984, mesmo porque o resto da herança pagou as despesas do processo centenário. O processo tramitou por 107 anos, sendo o mais longo do Brasil. Seus autos passsaram a ser fontes valiosas para estudos genealógicos. Ainda assim, cresci no sul do país escutando conhecidos falando que “agora contrataram um advogado que é tiro certeiro e em seis meses vão receber a herança bilionária”.
SAIBA MAIS
Robinson v. Mandell, 20 F. Cas. 1027 (C.C.D. Mass. 1868) (No. 11,959).
Penn Law Review. Howland Will Case.
Palma, Virgilina Edi Gularte dos Santos Fidelis de. O inventário do Comendador Domingos Faustino Corrêa: as decisões judiciais em um século de história e discórdia. Rio Grande: Editora Furg, 2022.
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