Na idade áurea de Roma, vivia uma radiante e rica patrícia chamada Paulina. Era conhecida por sua modéstia, virtude e devoção ao marido Saturnino, que também era um homem de alta moral. A história de amor deles rivalizava com a dos deuses. Seus nomes eram sussurrados em adoração por toda a cidade.
Mas, infelizmente, toda história de amor deve ter seu vilão e, neste caso, foi o luxurioso e rico cavaleiro Decius Mundus. Consumido pelo desejo de Paulina, ele a cobriu de presentes, mas sem sucesso. Finalmente, ele fez a oferta absurda e ofensiva de 200.000 dracmas áticas por uma única noite com ela. Como esperado, ela recusou com razão.
Décio, levado à loucura por seu amor não correspondido, jurou morrer de fome. Foi então que sua inteligente liberta Ide, sempre oportunista, elaborou um esquema para satisfazer o desejo de seu mestre. Sabendo que Paulina era devota da deusa Ísis, Ide subornou dois sacerdotes com a promessa de 50.000 dracmas para personificar a divindade e seduzir Paulina.
Assim, o mais velho dos sacerdotes vai direto à porta de Paulina e pede uma conversa em particular. Uma vez sozinho, o sacerdote afirma ser um mensageiro do deus Anúbis, que se apaixonou perdidamente por Paulina e exige que ela vá até ele. Paulina ficou lisonjeada com o gesto e informa ao marido que foi convocada por Anúbis para jantar e dormir com ele.
O marido concorda, satisfeito com a fidelidade da esposa.
Paulina dirige-se ao templo e, assim que ela termina de jantar, o sacerdote fecha as portas do templo, apaga as luzes e Mundus surge. A noite foi louca.
Paulina, delirantemente feliz com seu encontro divino, compartilhou a notícia com seu marido e amigos. Embora suas amigas duvidassem da validade de sua afirmação, a reputação impecável de Paulina foi o suficiente para convencê-las.
Passaram-se três dias, o canalha encontrou a devota e disse: “Paulina, você me poupou duzentos mil dracmas; mas não falhou para estar ao meu serviço da maneira que te convidei.” E contou a bravata do esquema antes de seguir seu caminho.
Paulina caiu em si. Rasgou suas roupas e contou tudo ao marido.
Com Saturnino ao seu lado, Paulina apelou ao imperador Tibério, que iniciou uma investigação sobre o assunto. Os sacerdotes e Ide foram crucificados. Arrasaram o Templo de Ísis. Até sobrou para a imagem sagrada de Ísis, lançada no Tibre. E Decius teve uma punição leniente: o exílio.

Paulina no Templo de Ísis. Fortunino Matania (1881-1963).
Este conto admonitório aparece nos escritos do historiador romano-judeu Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas, 18. 3). Em Roma, a propagação de religiões estrangeiras incluía o culto egípico de Anúbis e Ísis. Embora fossem duas divindades diferentes, Anúbis o deus da mumificação e da vida após a morte e Ísis a deusa da maternidade e magia, era comum serem cultuados juntos na Antiguidade tardia.
Abundam os encontros sexuais divino-humanos na mitologia e literatura grega e romana antiga. Aparecem em textos como Amphitryon e no Romance de Alexandre. Na peça de Plauto, Júpiter transforma-se em Amphytryon para fazer sexo com sua esposa Alcmena. No Romance de Alexandre, o fictício faraó e mago Nectanebo seduz Olímpia, convencendo-a de que está dormindo com o deus Amom. Daí nasce Alexandre.
Diante que qualquer pessoa que diga ter algo divino, um bom raciocínio crítico e cautela poupam dissabores.
SAIBA MAIS
Seitas autoritárias: o que saber e ver
MacRae, Duncan. “Ludibrium Paulinae: Historiography, Anti-Pagan Polemic, and Aristocratic Marriage in De excidio Hierosolymitano 2.4.” Journal of Late Antiquity 14.2 (2021): 229-256.
Gasparini, Valentino. “Negotiating the Body: between religious investment and narratological strategies. Paulina, Decius Mundus and the priests of Anubis.” Beyond Priesthood. De Gruyter, 2017. 385-416.
Adoro esses contos de mitologia. Obrigada por mais um 🙂
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Também gosto dessas estórias. Um bom conto nunca envelhece. Obrigado pelo comentário.
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