Os simpáticos anfíbios figuram em duas clássicas estórias curtas. E explicam porque a febre dos NFTs devem passar em breve, mas a fé em esquemas etéreos continuará.

No conto inaugural de Mark Twain A célebre rã saltadora do Condado de Calaveras (The Celebrated Jumping Frog of Calaveras County) aparece um tal Jim Smiley, homem que capturou e treinou uma rã para pular mais que qualquer outra do Condado de Calaveras. A ideia é ganhar dinheiro com a rãzinha. Smiley, confiante em seu esquema, aposta com um estranho. Enquanto está distraído capturando outra rã para o potencial apostador, o estranho sabota a rã de Smiley. O pobre Smiley perde seu dinheiro enganado em seu próprio esquema.
Já o curta-metragem One Froggy Evening (1955 escrito por Michael Maltese e dirigido por Chuck Jones) é um desenho animado musical no qual um trabalhador de demolição encontra uma caixinha. Dela, salta uma simpática rã dançando e cantando com uma cartola e bengala. Empolgado com a descoberta, o operário intenciona mostrar a rã (Michigan J. Frog é o nome) para outras pessoas e lucrar em cima. O problema que Michigan J. Frog só dança para o pobre operário. Diante de outras pessoas é um bicho entediado e entediante. O desespero do homem é enlouquecedor.
As duas rãs demonstram que tudo que é sólido desmancha no ar. Quem dirá ativos intangíveis como direitos singulares sobre peças de artes digitais. Non-fungible tokens (NFTs) são códigos criptografados que garantem a autenticidade e singularidade de um objeto utilizando a tecnologia blockchain. Nos últimos dois anos bombou o comércio de imagens digitais de gosto dúbio garantidos como NFTs. Como nas rãs saltitantes, a confiança no sistema é segura. Ela resolve o problema dos generais bizantinos — a de confiar em completos estranhos. Só que depende de o estranho se interessar e estar disposto a pagar para ver.
Como é fácil atribuir NFT a um objeto, o mercado está inundando-se de rãs saltitantes. Mesmo com um NFT com um valor alto no mercado passa a ser menos interessante. Logo, os interessados não estarão dispostos a pagar um tostão (ou milhões deles) se eles próprios podem gerar rabiscos com NFTs. A empolgação da eficácia de um sistema que só dança diante dos olhos do detentor tende a cair.
Aos desesperados que pagaram muito por um NFT há esperança, mas não muita. Como seu valor de transação é contabilizado de forma distribuída, os NFTs passam a funcionar como meio de pagamento, ou seja, como moeda. Entretanto, é uma moeda como outras e com flutuações que podem levar a quedas bruscas em questões de segundos. Basta uma falta de liquidez ou uma crise de confiança. E a crise das criptomoedas provam que mesmo uma moeda pode não valer nada da noite para o dia. Em um misto de esquema de pirâmide e pump and dump (inflar o preço e depois desfazer do objeto), os objetos com NFTs podem perder sua fiabilidade.
A captura de algo trivial (rã, uma imagem digital) e a tentativa de fazer dinheiro com isso é inerente ao capitalismo. A substituição do valor-trabalho e do valor de uso pelo capital que gera mais capital cria ficções. No entanto, para uma ficção funcionar — como no conto de Twain ou na animação — há que haver gente disposta a acreditar. O suprimento de crédulos parece ser infinito, mas os recursos são escassos.
Moral da estória: o negócio parece ser bom aos seus olhos, mas outros verão da mesma forma?
Prezado Leonardo, no trecho “Nos últimos dois anos bombaram o comércio de imagens digitais de gosto dúbio garantidos como NFTs.” você considerou o comércio (singular) bombaram (plural) como o sujeito da frase ou está implícito um sujeito oculto e comércio está na função de objeto direto?
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Era o comércio. Obrigado pela correção.😄
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