A árvore de Porfírio

Diante do desconhecido todos nós empregamos nossos pressupostos, vieses e categorias pessoais para encaixar cada coisa no seu nicho.

Uma das formas mais simples e clara de organizar a informação é o esquema em forma de árvore. Esse modelo tem autoria: o filósofo Porfírio de Tiro.

As cinco palavras de Porfírio

Quinque voces Porphyrii

Porfírio explica os cinco critérios para aplicar os predicados de Aristóteles na descrição de algo:

  • Definição ou Espécie (horos, eidos): um enunciado que identifica a essência de coisas específicas. Aristóteles chama de definição, Porfírio de forma, Boécio de espécie.
  • Gênero (genos, genus): elementos da essência também previsível de se encontrar em outros indivíduos similares.
  • Diferença (diaphora, differentia): critérios que distinguem uma espécie de outra dentro de um gênero.
  • Propriedade (idion, propria): algum atributo comum a todos os membros de um gênero, mas não faz parte de sua essência ou definição.
  • Acidente (symbebekos, accidens): algum atributo que pode ou não pertencer a algo, sem que afete sua identificação com a espécie.

Uma árvore, por exemplo, pode ser descrita uma em particular (espécie ou a definição) como um exemplar do reino vegetal com raiz, troncos, ramos e folhas. Ou ainda, de forma geral (gênero), como vegetal. Uma espécie em particular pode ser diferenciada de outra (diferença) dentro do gênero, como por exemplo um pinheiro comparado com um gramado. Ainda é possível descrever suas propriedades (essências ou propriedades): as árvores possuem folhas, mas em algumas espécies as folhas são modificadas em flores ou espinhos. Por fim, suas características não essenciais (acidentes) que variam de uma árvore para outra e cuja ausência não descaracteriza um exemplar de ser árvore: se frutífera, se perde as folhas no inverno, qual a cor do tronco, dentre outras variáveis.

A árvore de Porfírio

Scala praedicamentalis

Com base nas dez categorias de Aristóteles e suas cinco “palavras”, Porfírio criou um diagrama para analisar os seres em forma de árvore.

árvore de Porfírio

Este simples e elegante esquema serviu por quase dezessete séculos como modelo para aplicar raciocínio lógico.


O filósofo neoplatônico Porfírio de Tiro (c.234 —c.309 d.C.) produziu uma introdução às obras lógicas de Aristóteles, o Isagoge. Traduzido para o latim por Boécio como Introductio in Praedicamenta, essa pequena introdução estabeleceu o problema dos universais como um dos grandes debates da filosofia medieval europeia.

Na fase logica vetus (786–c.1130) da história do pensamento medieval da Europa latina Porfírio teve destaque. Nessa fase, só se discutia as obras lógicas de Aristóteles formada em um conjunto com o Isagoge, Sobre a interpretação e o Sobre as Categorias, complementados por alguns comentários, glosas ou paráfrases. Nessa fase, os latinos não conheciam outros livros do Órganon completo ou seu cânon alexandrino que incluía A retórica e A poética.

Nesta introdução, Porfírio explica que para entender a teoria de Aristóteles sobre as categorias, precisa conhecer as “cinco palavras” e as explica através de dezesseis capítulos. Seu caráter didático fez do Isagoge um dos manuais de lógicas mais lidos e copiados na Idade Média e amplamente empregado nas escolas. Todavia, os manuscritos mais antigos se perderam e somente sobrevivem os diagramas da árvore em versões de Boécio.

Junto ao quadrado lógico, a árvore de Porfírio foi por muito tempo um dos únicos esquemas para organizar a informação de modo visual entre os europeus.

Outras árvores se seguiram, como a árvore das ciências de Raimundo Llul e as árvores de evolução das línguas e das espécies. Sem dúvida, a árvore da ciência é uma metáfora justa: é um modelo que avança o conhecimento à medida que cresce — ainda com cortes e reveses.

SAIBA MAIS

ARISTÓTELES. Órganon. Tradução de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2005.

PORPHYRY. Introduction (or Isagoge) to the logical Categories of Aristotle (1853). Trad. de Octavius Freire Owen.

PORPHYRY. Introduction. Translated with a Commentary by Jonathan Barnes. Oxford: Oxford University Press, 2003.

VERBOON, Annemieke R. “The medieval tree of Porphyry: An organic structure of logic.” The tree: Symbol, allegory, and mnemonic device in medieval art and thought. 2014. 95-116.

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