O Sistema Partidário e Suas Contradições
O sistema partidário moderno foi concebido com a ideia de garantir condições equitativas entre os lados opostos. A lógica parecia ser a de que tolices e incoerências deveriam ser distribuídas de forma equilibrada entre as partes, para que nenhum dos lados ficasse apenas com a razão ou a verdade absoluta. Assim, em vez de permitir que um lado monopolizasse as falhas, as disputas políticas se transformaram em um jogo onde cada grupo carregava o peso de suas próprias contradições.
Por exemplo, os conservadores (Tories) professavam um ódio aparentemente irracional à Irlanda católica e agrícola, enquanto os liberais (Whigs) defendiam tabus como a proibição de bebidas populares. Essas posições muitas vezes não refletiam princípios ou objetivos reais, mas serviam para equilibrar o jogo político. Os conservadores, por exemplo, recusavam-se a tratar a Irlanda de forma justa para não oferecer uma vantagem aos liberais. Já os liberais se opunham ao consumo de bebidas para não ceder apoio aos conservadores, tradicionalmente associados aos pubs e à cultura popular.
Essa dinâmica partidária, embora superficial, funcionava como um mecanismo esportivo, semelhante às rivalidades em competições. No entanto, com o declínio do sistema de dois partidos após a Primeira Guerra Mundial e a ascensão do Partido Trabalhista, surge a questão: havia algum princípio real por trás dessas disputas, ou era tudo um teatro?
Conservadores x Progressistas: Erros e Estagnação
O mundo político pode ser resumido em dois grandes blocos: os conservadores, que resistem a mudanças, e os progressistas, que frequentemente cometem erros. Enquanto os progressistas lideram revoluções e criam novos problemas, os conservadores se dedicam a impedir que esses problemas sejam corrigidos. Assim, muitas vezes, o conservador acaba defendendo as consequências de erros que, inicialmente, buscava combater.
Por exemplo, o capitalismo, que surgiu como resultado da Revolução Industrial, foi promovido pelos radicais progressistas. No entanto, quando as falhas desse sistema começaram a emergir – como a exploração, as favelas e a desigualdade – os conservadores assumiram a defesa de suas estruturas, transformando suas contradições em tradições. Esse padrão se repete ao longo da história: o que era inovação se torna tradição, e os erros acumulados são perpetuados como normas imutáveis.
O Equilíbrio das Ruínas
O progresso, muitas vezes, é impulsionado por uma pressa irracional, enquanto a estabilidade congela as consequências desses avanços em um estado permanente de estagnação. No caso da Rússia pós-revolução, por exemplo, o país saltou para o caos revolucionário, mas ficou preso em um sistema híbrido de comunismo decadente e capitalismo deformado. Esse fenômeno não é exclusivo da Rússia; no Ocidente, as “revoluções mortas” ainda pesam sobre nós, mantendo estruturas que já deveriam ter sido superadas.
Os conservadores, em vez de preservar ideais antigos, frequentemente se apegam a erros recentes. Já os progressistas, ao defender reformas, tratam suas ideias como convenções ultrapassadas antes mesmo de implementá-las. O verdadeiro progresso, no entanto, exige que revisemos profundamente as bases em que construímos nossas sociedades, colocando as coisas no lugar certo, mesmo que isso signifique retroceder antes de avançar.
G.K. Chesterton – The Blunders of Our Parties
Texto publicado originalmente no Illustrated London News em 19 de abril de 1924.
Notas:
- No início do século XX, os conservadores (Tories) se opunham à autonomia da Irlanda católica, enquanto os liberais (Whigs) adotaram políticas favoráveis à proibição do álcool.
- A Primeira Guerra Mundial desacreditou tanto os conservadores quanto os liberais, mas os liberais foram os mais prejudicados, perdendo espaço político para o Partido Trabalhista a partir de 1922-1923.

Conservador: adj. s. m. um estadista enamorado dos males existentes. Oposto do liberal, o qual quer substituir os males atuais por outros.
—Ambrose Bierce. O dicionário do diabo.
Um dos males do anacronismo é a apropriação de biografias e ideias de pensadores influentes do passado para apresentá-los como expoentes de bandeiras de grupos políticos atuais. Fizeram isso com Thomas Morus, reclamado tanto pelos comunistas soviéticos quanto pelos católicos tradicionalistas. Do mesmo modo conservadores contemporâneos apropriam-se de Edmund Burke, um Whig defensor dos ideais da Revolução Gloriosa na linhagem de John Locke e colega intelectual de Adam Smith. Assim fazem diversos grupos com G .K. Chesterton.
Na virada do século C.K. Chesterton e Hilaire Belloc (autor de O Estado Servil) militaram na ala anti-capitalista, anti-imperalista, pró-intervencionismo estatal, pró-liberdade religiosa e pró-liberalismo social do Partido Liberal liderada por Thomas Hill Green, John Atkinson Hobson e Leonard T. Hobhouse. Suas ideias de organização social refletiam também influências da Doutrina Social da Igreja (Católica), do Evangelho Social (Protestante), do pensamento do cardeal J.H. Newman e das reformas estéticas e sociais de John Ruskin e William Morris. Apesar disso, Chesterton não concordam de todas as posturas dos liberais, reconhecendo diversas nuances do termo:
Uma confusão totalmente sem sentido como essa surgiu em relação à palavra “liberal” como se aplica à religião e como se aplica à política e à sociedade. Sugere-se com frequência que todos os liberais deveriam ser livres-pensadores, porque deveriam amar tudo o que é livre. Poder-se-ia igualmente dizer que todos os idealistas deveriam ser membros da igreja alta, porque deveriam amar tudo o que é alto. Poder-se-ia igualmente dizer que todos os membros da igreja baixa deveriam gostar da missa baixa, ou que os membros da igreja tolerante deveriam gostar de piadas tolerantes. Trata-se de mera coincidência de palavras. (Ortodoxia p.133)
Por volta da Primeira Guerra, Chesterton e Belloc desapontaram com as ações dos políticos liberais. “Como sempre fiz, mais do que nunca o fiz, eu acredito no liberalismo. Mas houve um róseo tempo de inocência em que eu acreditava nos liberais”. (Ortodoxia p.47). A partir daí, passaram a formular sua própria doutrina social e política a qual chamaram de distributismo.
O distributismo seria uma alternativa às propostas dos radicais — para Chesterton categoria que compreendia o niilismo de Nietzsche, o anarquismo, o tolstoianismo, o socialismo, o comunismo ou outra proposta de alterar fundamentalmente a sociedade moderna sem levar em consideração ditames éticos do cristianismo. Contra essa posição radical, Chesterton escreveu a novela O homem que era quinta-feira.
O distributismo chestertoniano repudiava o conservadorismo alinhado ao capitalismo. Em O esboço da sanidade Chesterton critica a superficialidade das classes mercantis e aristocráticas, que no Reino Unido eram os bastiões do conservadorismo:
Há um grande número, possivelmente uma maioria, de pessoas que se chamam conservadoras. Mas quanto mais as examinamos, menos conservadores parecerão. A classe comercial — que é em um sentido especial capitalista — é na sua natureza o oposto do conservador. Por sua própria profissão, eles proclamam que estão perpetuamente usando novos métodos e busca de novos mercados. Para alguns de nós, parece haver algo exagerado sobre toda essa novidade. Mas isso deve-se ao tipo de mente que está inovando. Não porque isso não signifique inovar. Do maior financista dirigindo uma empresa para o menor de todos vendedores de uma máquina de costura, o mesmo ideal prevalece. Sempre deve haver uma nova empresa, especialmente depois do que aconteceu com a antiga empresa. E a máquina de costura deve sempre ser um novo tipo de máquina de costura, mesmo que seja o tipo que não costure. Mas, embora isso seja óbvio ao mero capitalista, é igualmente verdade ao puro oligarca. Seja o que for uma aristocracia, uma aristocracia nunca é conservadora. Por sua própria natureza, ela segue a moda e não a tradição. Aqueles que vivem uma vida de lazer e luxo estão sempre ansiosos por coisas novas. Diríamos que eles seriam tolos se eles não estivessem. E os aristocratas ingleses não são, de modo algum, tolos. Eles podem orgulhar alegar ter desempenhado um papel excelente em todas as etapas do progresso intelectual que nos levou à nossa atual ruína. The Outline of Sanity.
Chesterton, com seu estilo sarcástico e perspicaz, desmonta a lógica do sistema bipartidário de sua época, revelando que ele operava mais como um “esporte” do que como um exercício genuíno de princípios políticos. Ele sugere que tanto os Conservadores quanto os Progressistas carregam o fardo de suas respectivas tolices, criando um equilíbrio peculiar de absurdos mútuos. O Conservadorismo, nesse contexto, surge como um movimento que, paradoxalmente, defende os resultados das revoluções passadas — mesmo aquelas que outrora combateu. Assim, ele descreve um ciclo histórico em que os erros progressistas são imortalizados pelo conservadorismo, enquanto os reformistas avançam apenas para criar novos problemas que os conservadores, por fim, defenderão. Chesterton conclui que tanto a inovação quanto a estabilidade frequentemente falham em corrigir os equívocos históricos, consolidando um estado de “caos estabilizado”.
Panorama do Conservadorismo segundo Chesterton
- A Estabilidade que Congela Erros
Chesterton retrata o conservador como um “admirador de ruínas”, isto é, alguém que valoriza tradições e sistemas antigos, mesmo que esses sejam fruto de erros passados. Por exemplo, ele aponta como os conservadores defendem o capitalismo, que emergiu de uma Revolução Industrial criada pelos progressistas. Para Chesterton, isso revela uma tendência do conservadorismo de não só preservar o status quo, mas também os equívocos históricos que o moldaram. - O Papel do Conservador como Guardião da Tradição
Segundo Chesterton, o conservador muitas vezes perpetua os resultados de revoluções progressistas anteriores, não por afinidade ideológica, mas porque o conservadorismo transforma as mudanças em tradições. Assim, o conservadorismo é reativo, defendendo hoje o que rejeitava no passado. - O Ciclo de Reformismo e Conservadorismo
Chesterton descreve uma dinâmica em que os progressistas cometem erros e os conservadores os estabilizam, criando uma alternância de equívocos não resolvidos. Essa visão do ciclo político ecoa a crítica à inércia do conservadorismo, que prefere “ficar parado no erro” a corrigi-lo. - Crítica à Superficialidade do Conservadorismo Capitalista
Em obras como O Esboço da Sanidade, Chesterton denuncia a superficialidade das classes mercantis e aristocráticas — pilares do conservadorismo britânico. Ele critica o fato de o capitalismo, em vez de ser conservador, ser essencialmente inovador e destrutivo, o que contradiz o ideal de preservação do conservadorismo. - A Relatividade das Ideias Conservadoras
Para Chesterton, o conservadorismo não se define por princípios absolutos, mas pela preservação do que já foi revolucionário. Esse relativismo histórico faz com que o conservadorismo mude de forma ao longo do tempo, sempre se moldando às mudanças que já se consolidaram.
O Conservadorismo e os Ideais Chestertonianos
Apesar de criticar o conservadorismo, Chesterton também rejeitava o radicalismo dos progressistas, buscando alternativas como o distributismo. Esta proposta, que ele defendia junto com Hilaire Belloc, oferecia uma visão de sociedade baseada na descentralização econômica, na valorização de pequenas propriedades e na autonomia familiar. Alguns dos princípios que guiavam sua crítica ao conservadorismo alinhado ao capitalismo incluem:
Crítica à Intervenção Estatal Excessiva
Embora reconhecesse a necessidade de regulação em certas áreas, Chesterton desconfiava de modelos centralizados de bem-estar social, preferindo soluções que preservassem a liberdade e a dignidade das comunidades locais.
Valorização de Pequenos Negócios e Cooperativas
Chesterton acreditava que a economia deveria ser orientada para o fortalecimento de pequenas propriedades e negócios familiares, opondo-se ao centralismo do capitalismo e do socialismo.
Restauração de Guildas
Diferentemente dos sindicatos de classe, as guildas seriam associações integradas de trabalhadores e patrões, buscando um equilíbrio comunitário.
Autonomia Familiar
A família nuclear era vista como a unidade básica da sociedade, e Chesterton defendia que nenhuma instituição maior deveria usurpar suas funções sociais ou econômicas.

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