Saussure e seus signos

Saussure Genebra não só deu seus sistemáticos reformadores, lenha verde para assar hereges, relógios caros, bancos discretos e educadores. Também das margens de seu lago veio uma das grandes contribuições linguísticas. Nessa cidade, o suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) levou uma vida obscura. Ainda assim, elaborou uma relevante teoria dos signos que, sem publicá-la em vida, deixou um impacto indelével na linguística, na teoria da literatura, na antropologia e na teoria da comunicação, além de ser considerado um dos fundadores da semiótica e da teoria estruturalista.

VIDA

Nascido em uma família erudita genebrina de origem huguenote, seu pai era um naturalista e seus irmãos, o astrônomo e sinologista Léopold e o pioneiro do esperanto René, ganharam renome em suas áreas.

Jovem ainda, Ferdinand teve o primeiro contato com a linguística por meio de um amigo da família, o filólogo Adolphe Pictet. Em pouco tempo, Ferdinand passou a aprender as principais línguas indo-europeias. Em 1876 doutorou-se pela Universidade de Leipzig, instituição que na época o psicólogo Wilhelm Wundt investigava processos mentais por um paradigma estruturalista.

Depois de passar um tempo em Paris, publicar sua tese doutoral (a única publicação de livro em vida, além de alguns artigos), Saussure retornou à Genebra onde foi professor na Universidade. Apesar de brilhante, a pouca publicação por Saussure deve-se aos seus escrúpulos acadêmicos exacerbados. Temeroso em publicar um trabalho sem uma sólida fundamentação científica juntou várias notas sobre uma teoria dos anagramas presentes na poesia indo-europeia, que somente seria publicada no final do século XX, com impactos na teoria literária. Mas sua obra máxima seria o póstumo Curso de Linguística Geral.

O CURSO DE LINGUÍSTICA GERAL

Das notas de aula ministradas entre 1907 e 1910, seus alunos Charles Bally e Albert Sechehaye, junto de Albert Riedlinger, publicaram em 1916 o Cours de Linguistique Générale. Nessas aulas, Saussurre mudou o foco da linguística, então preocupada com a filologia e com as transformações históricas da língua, para uma perspectiva estrutural e sincrônica. Nesse período a teoria dos signos de C.S.Peirce já despontava para uma nova ciência dos signos, a semiologia. E Saussure apresentaria o primeiro modelo de como esses signos funcionavam.

Suas principais ideias (algumas na forma de dicotomias) podem ser resumidas como:

  • A língua é um sistema: em uma célebre analogia com o xadrez, a língua é um tabuleiro em constante mudança; entretanto, possui uma lógica. A posição histórica das peças é irrelevante para entender as regras do jogo (ênfase na sincronia). Do mesmo modo, o tamanho, cor, forma das peças são arbitrariamente atribuídas pelos jogadores (arbitrariedade dos signos), assim, a dimensão sócio-coletiva da língua que atribui esses sentidos passam ser objeto da linguística. Cada peça somente possui significado em relação às outras  e a perda ou inserção de uma peça muda a prática do jogo (relações paradigmáticas e sintagmáticas).

chess

  • Arbitrariedade e linearidade dos signos: os signos não são naturais, ou seja, não há uma vinculação direta entre objeto e a palavra, mas os sentidos são atribuídos convencionalmente, os chamados símbolos na terminologia de Pierce. O latido do cachorro possui o mesmo som, todavia é grafado com os seguintes signos bow wow, au au, hav hav em inglês, português e hebraico. Nada nessas diferentes ortografias indica ser o latido do cachorro, a não ser que previamente se conheça as convenções linguísticas da comunidade de falantes. Outro exemplo, o signo 20. Esse mesmo número é pronunciado em português como /vĩtə/ em Lisboa, /bĩt/no Porto e /vĩtʃi/ no Rio de Janeiro. Apesar disso, não se pode dizer em português /sĩtə/  ou /kĩtə/ e esperar que entendam “20”. Com essas oposições contrastivas em mente, Saussure propôs uma teoria de valor fonético com ênfase na arbitrariedade. Quanto à linearidade, a sucessão de signos é produz sentido entre si, como se verá na relação sintagmática. Para o estruturalismo de Saussure os sentidos são produzidos relacionalmente.
  • Diacronia x Sincronia: para compreender os sentidos da língua não se deveria investigar suas origens ou transformações — fundamentadas às vezes em hipóteses improváveis, mas enfocar em algo verificável, como a linguagem em uso (parole). Para isso, o estudo da língua através do tempo, a diacronia, deveria dar lugar ao estudo da língua em um dado momento a partir de suas estruturas internas enquanto um sistema. A diferença sincrônica produz sentidos. Por exemplo, a definição “um mamífero de quatro patas e animal doméstico” é muito vaga. Mas em contraste, “gato” e “cachorro” (não gato) ganham sentido pela diferenciação.
  • Langue x Parole: às vezes traduzidos como linguagem e fala, a língua é entendida como divida em dois eixos, um eixo de um sistema de comunicação dotados de significados (langue) e outro eixo de performance particular e real da comunicação.
  • Paradigma x Sintagma: outro eixo de realização linguística. Em uma frase o eixo de combinação, o paradigma, consiste em um grupo de ideias intercambiáveis, mas com similar sentido coletivo. O valor é determinado por ausência. Já o eixo de seleção, o sintagma, consiste em elementos se trocados alterando o sentido da frase. Seu valor é determinado por contraste na relação sistêmica dos elementos.

sintagma e paradigma

  •  Significante x Significado: o signo é constituído por esses dois aspectos. O significante (signifiant) é o objeto, físico ou imaginado, formado por sons, imagens ou escrita que transmite algum sentido. É a “imagem acústica”. O significado (signifié) é a ideia transmitida pelo signo, ou seja, o conceito.

signo

SAIBA MAIS

CULLER, Jonathan. Saussure. Hassocks, Sussex: Harvester Press, 1976.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2002.

SOUZA, Marcen de Oliveira. Os anagramas de Saussure: entre a poesia e a teoria. Uberlândia: EDUFU, 2018.

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