Poker e Truco: uma mesa, um baralho, dois mundos

Entre as sombras elegantes dos cassinos de Las Vegas e as mesas improvisadas de churrascos no interior de Minas, duas forças aparentemente incompatíveis se enfrentam: o Poker e o Truco. Como dois primos distantes que só se veem em casamentos e enterros, esses jogos de cartas compartilham o mesmo DNA – blefe, cartas, e uma boa dose de insolência –, mas suas personalidades não poderiam ser mais diferentes.

O Poker, por exemplo, é o tipo de jogo que se veste de smoking, toma uísque sem gelo e prefere conversas sussurradas sobre economia global. Nasceu nos Estados Unidos no século XIX, cercado de pistoleiros, magnatas e aventureiros que jogavam suas fortunas e suas vidas em mesas esfumaçadas. Hoje, ele é a estrela dos grandes torneios, com fichas que deslizam nas mãos de profissionais de cara fechada e óculos escuros – talvez para esconder o olhar perdido de quem sabe que apostou o que não devia.

Já o Truco, esse malandro irremediavelmente latino, nasceu para ser jogado em mesas de boteco, com gritos, empurrões e uma garrafa de cerveja ao lado. Dizem que veio da Espanha, talvez inspirado em jogos mouriscos ou quem sabe italiano, mas é na América do Sul que ele ganhou sua verdadeira identidade – ruidosa, cheia de truques (literalmente) e rodeada de amigos que se insultam com a ternura que só a amizade pode sustentar.

Enquanto no Poker a sutileza é uma virtude, o Truco prefere o escândalo. “Truco!” não é apenas uma jogada – é um grito de guerra. É o grito que avisa ao adversário que você pode ter um ás, mas também pode estar segurando um três qualquer. No Truco, o blefe é um espetáculo público, quase um teatro, onde os sinais entre parceiros valem mais do que as cartas na mão.

As diferenças não param por aí. O Poker usa 52 cartas, todas elas honradas em sua hierarquia de naipes e combinações que fariam um matemático suar. Flush, straight, full house – até os nomes parecem títulos de filmes de ação. Já o Truco, com seu baralho espanhol reduzido a 40 cartas, despreza a lógica meticulosa das combinações e prefere uma hierarquia esotérica, onde o quatro de paus pode humilhar o rei de espadas com a petulância de um bêbado valentão.

Mas, curiosamente, ambos os jogos têm em comum a psicologia do blefe, essa arte sutil e cruel de fingir que se tem o que não se tem, ou de esconder o que se possui. O Poker faz isso com um silêncio fúnebre e fichas empilhadas com a precisão de um arquiteto suíço. O Truco, ao contrário, é a ópera dos blefes, onde se dança sobre a mesa, exagera no sotaque e bate cartas como se fossem tapas.

No fundo, Poker e Truco são como aqueles dois amigos que todos têm: o primeiro é o sujeito calado, de fala mansa e olhar perigoso, que só sorri quando já ganhou. O segundo, o fanfarrão barulhento, que sempre está prestes a pedir mais uma rodada e nunca se cansa de contar as mesmas histórias, sempre com gestos exagerados e risadas estridentes.

E, assim como esses amigos improváveis, os dois jogos se encontram, vez ou outra, em mesas improvisadas de churrasco ou em noites de apostas arriscadas, onde o silêncio do Poker se mistura com os gritos do Truco e as fichas voam como tapas. Porque, no fim das contas, seja com um par de ases ou um três qualquer, o que importa é enganar o adversário e sair da mesa com a vitória – e, se possível, com uma boa história para contar.

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