Theodor W. Adorno (1903–1969) ocupa uma posição central no desenvolvimento da Teoria Crítica do século XX. Associado ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, seu trabalho constitui uma investigação sistemática das formas modernas de dominação, conduzida não apenas no plano econômico ou político, mas também no nível da cultura, da subjetividade e da própria razão. A originalidade de Adorno reside menos na formulação de um sistema filosófico fechado do que na insistência em um diagnóstico negativo das promessas não cumpridas da modernidade.

A formação intelectual de Adorno foi marcada por um duplo pertencimento. De um lado, ele se insere na tradição filosófica alemã, dialogando de modo crítico com Kant, Hegel e Marx; de outro, sua formação musical — como compositor e discípulo de Alban Berg — forneceu-lhe um modelo rigoroso de análise formal que atravessa sua reflexão estética. A experiência do exílio, imposta pela ascensão do nacional-socialismo, constituiu o ponto de inflexão decisivo de seu pensamento. Para Adorno, o Holocausto não foi um acidente externo à civilização ocidental, mas um evento que colocou em crise a própria ideia de progresso racional. Essa problemática estrutura Dialética do Esclarecimento (1944), escrita em colaboração com Max Horkheimer, obra que se tornou o núcleo teórico da Teoria Crítica.
A tese central da Dialética do Esclarecimento é paradoxal. O projeto iluminista, orientado pela libertação humana por meio do domínio racional da natureza, carrega em si uma tendência autodestrutiva. A razão, ao reduzir-se a instrumento de cálculo, eficiência e controle, deixa de refletir sobre seus próprios fins. O mesmo princípio que permite a organização técnica da sociedade passa a reger as relações humanas, transformando sujeitos em objetos administráveis. A fórmula segundo a qual “o mito já é esclarecimento, e o esclarecimento reverte ao mito” sintetiza essa inversão: a razão, ao absolutizar-se, reproduz formas arcaicas de dominação sob uma aparência racionalizada.
Esse diagnóstico se prolonga na análise daquilo que Adorno denominou “indústria cultural”. O termo não é acidental. Ao rejeitar a noção de “cultura de massas”, Adorno procura enfatizar que os produtos culturais não emergem espontaneamente das massas, mas são fabricados de maneira industrial, segundo critérios de padronização e rentabilidade. Filmes, músicas populares e programas de entretenimento seguem esquemas previsíveis, nos quais pequenas variações produzem a sensação de escolha e individualidade. Essa pseudoindividualização não rompe com a lógica do sistema; ao contrário, reforça a adaptação subjetiva às formas existentes de dominação. O consumo cultural funciona, assim, como um mecanismo de integração psicológica, oferecendo prazer, distração e reconhecimento imediato em troca da suspensão da reflexão crítica.
No campo da estética, Adorno desenvolveu uma posição frequentemente mal compreendida. Sua defesa da arte autônoma — em particular do modernismo radical de autores como Kafka, Beckett ou Schoenberg — não se baseia em um apego elitista à “alta cultura”, mas na convicção de que a recusa da fácil comunicabilidade constitui, em si, um gesto crítico. A obra de arte que resiste à assimilação imediata e ao consumo rápido preserva um momento de negatividade, tornando visível a fratura entre a promessa de reconciliação social e a realidade da alienação. Em contraste, Adorno manteve uma atitude ambivalente em relação à arte explicitamente engajada. Embora compartilhasse de suas intenções políticas, temia que a subordinação direta da forma estética a uma mensagem acabasse por neutralizar sua capacidade crítica, convertendo-a em instrumento de persuasão.
A reflexão filosófica de Adorno encontra sua formulação mais rigorosa em Dialética Negativa (1966). Nesse trabalho, ele dirige sua crítica ao que chama de “pensamento identitário”, isto é, a tendência conceitual de subsumir o particular sob categorias universais, apagando aquilo que resiste à classificação. Para Adorno, essa violência conceitual está na base das formas sociais de dominação. A dialética negativa não busca sínteses reconciliadoras, mas insiste na inadequação entre conceito e objeto, preservando o momento do não-idêntico. Pensar, nesse sentido, torna-se um exercício de resistência, atento ao sofrimento e à singularidade que escapam às abstrações totalizantes.
Essas dinâmicas convergem no diagnóstico do “mundo administrado”. Na sociedade capitalista avançada, a racionalidade instrumental permeia instituições, práticas culturais e disposições subjetivas. A autonomia individual, celebrada pelo liberalismo clássico, cede lugar a formas de adaptação conformista, nas quais a liberdade se reduz à escolha entre alternativas previamente estruturadas. A famosa afirmação de Minima Moralia — “não há vida correta na vida falsa” — não expressa um niilismo moral, mas a percepção de que as possibilidades de ação ética são sistematicamente restringidas por uma totalidade social deformada.
O legado de Adorno é marcado tanto por sua influência quanto pelas críticas que suscitou. Autores como Jürgen Habermas questionaram o alcance de seu pessimismo e defenderam a existência de potenciais emancipatórios na razão comunicativa e nas instituições democráticas. Outros apontaram limites empíricos em sua análise da indústria cultural, sugerindo maior atenção às formas de apropriação ativa e resistente por parte dos públicos. Ainda assim, a força de seu pensamento reside na recusa de soluções fáceis e na insistência em confrontar as continuidades entre racionalidade técnica, cultura e dominação.
No contexto contemporâneo, as intuições de Adorno mantêm sua pertinência. A expansão de plataformas digitais, a governança algorítmica e a mercantilização da atenção renovam a atualidade de sua crítica à razão instrumental e à padronização cultural. Ler Adorno, hoje, não implica aderir a um sistema fechado, mas aceitar um exercício exigente de negatividade crítica: um esforço contínuo para pensar contra a naturalização das formas sociais existentes e para preservar, no interior do pensamento, um espaço para o não-idêntico e para a experiência do sofrimento humano.

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