
É necessário reconhecer que a mobilidade humana é um fato. O direito consagrado de ir e vir, presente nas constituições democráticas no mundo e inserido como direito da livre-movimentação dos povos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é inegociável.
Muitos migram: trabalhadores que fazem migrações pendulares todos os dias, migrantes sazonais, população peripatéticas, nômades e semi-nômades, expatriados profissionais, estudantes internacionais, viajantes, marinheiros, aeroviários, refugiados, artistas mambembes, dentre outos. Todos, de alguma forma, são cidadãos de segunda classe.
Como disse o cacique suquamish Chefe Seattle, “a Terra não nos pertence, mas nós pertencemos à Terra”, se aceitamos que pássaros, tartarugas e outros animais cruzem fronteiras internacionais por fazerem parte de um sistema ecológico, da mesma forma o ser humano é um animal migratório.
Falta o reconhecimento institucional, atrelando direito de voto a um distrito eleitoral geográfico, reservando benefícios e direitos por local de origem, recenseando somente domicílios fixos, exigindo comprovantes de endereços para crédito, dificultando a aceitação de certificados educacionais e profissionais emitidos alhures, levantando muros e campos de confinamento. Tudo isso serve para eliminar o direito à participação política, ser contado, ouvido, buscar avanço econômico, exercício profissional e transitar livremente sobre um planeta cujas fronteiras são artificiais.
Diante dos alardes imigratórios no Arizona (desde quando um estado nos US pode legislar em assuntos federais?) e da crise migratória na Europa reproduzo aqui um trecho do sermão do Rev. Vaughan Jones, pregado na Câmara dos Comuns britânica e disponível no original em http://www.ekklesia.co.uk/node/12015 (Why the ‘immigration debate’ is so misleading 29 Apr 2010)
É um antigo temor. A Bíblia e o Alcorão fazem referência ao evento de Caim e Abel, os primeiros dois filhos de Adão e Eva. Caim era um agricultor com um estilo de vida sedentário em relação à terra enquanto Abel era um pastor, um peregrino, um migrante. Caim matou Abel. Menciono isso, não para levantar uma questão religiosa, antes para demonstrar que a batalha entre aqueles que estão estabelecidos e aqueles que mudam é um arquétipo da condição humana.
Seres humanos são tanto migrantes e sedentários. É uma tragédia de nossa condição que ainda não aprendemos acomodar esses diferentes componentes de nossa constituição. Mas devemos. Não é somente uma questão econômica, social e cultural; é uma profunda questão ética, tocando no que significa ser seres humanos.
Por exemplo, quando dizem que precisamos de uma “população ideal”, o que está sugerindo àqueles que excedem este número? Nossas instituições se tornam Caim e elimina os inaceitáveis e indesejáveis de alguma forma? Quantos idosos podemos manter — devemos deixar alguns morrer mais cedo? Limitaremos o números de nascimentos, como na China?
O que acontece quando nossa cota de imigrantes por um determinado ano completa? Negamos vistos e se assim for, para quem – estudantes estrangeiros, companheiros em casamentos, indianos ou australianos, latino-americanos ou norte-americanos? São as nossas decisões baseadas na necessidade, raça ou status? Políticas imigratórias envolvem esses dilemas éticos os quais, por serem difíceis, são mantidos de lado.