Por Marissa Gorberg*

Théophile Alexandre Steinlen, Aux vrais pauvres – Les mauvais riches, litografia, 1894.
Contrariando a máxima do carnavalesco Joãozinho 30, segundo a qual “quem
gosta de miséria é intelectual”, o antropólogo Michel Alcoforado adotou como objeto de
estudo o modo de viver de pessoas endinheiradas. De forma análoga ao que fez o
jornalista norte-americano Truman Capote com as socialites nova-iorquinas, Michel
conviveu intimamente com ricos em bairros, cidades e países diversos para apreender
seus códigos, rituais, hábitos e depois jogá-los no ventilador. Sua pesquisa etnográfica
embasou a tese de doutorado para o programa de Ciências Sociais da UERJ e resultou
no livro Coisa de Rico, cuja alta vendagem e aclamação generalizada já permitem
considerá-lo um fenômeno editorial.
Embora seja uma produção acadêmica pertencente a uma instituição pública, a
tese está indisponível online. O livro, no entanto, parece ter encontrado precisamente
seu público leitor. Bem escrito, com linguagem fácil e acessível, não decepciona o voyeur
que deseja saber como vivem, o que comem, bebem e compram os abastados
brasileiros. A descrição pormenorizada traz à tona a mulher que não se seca sozinha ao
sair do banho, a divorciada que precisa negociar com o ex-marido a manutenção vitalícia
das próteses de silicone e uma série de situações que seriam cômicas, se não
escancarassem a trágica desigualdade social do país.
Alcoforado ressalta, com exatidão, a ânsia das elites por distinção de status e
pertencimento a esferas exclusivas, bem como as estratégias adotadas para alcançar
essa finalidade. O autor desnuda rituais simbólicos reconhecíveis e apreciados por
pessoas que compartilham dos mesmos valores e que orientam suas vidas pela posse e
ostentação de bens materiais, aliados à determinada forma de comportamento.
Se a exposição dos mecanismos de diferenciação é bem-sucedida, o tom
debochado e cínico da narrativa compromete o retrato final, que resulta em uma
caricatura estereotipada. Embora Michel Alcoforado discrimine os “novos” dos
“tradicionais”, pelo teor do livro ficamos com a impressão de que os membros da elite
financeira nacional são todos aproveitadores incapazes de oferecer qualquer retorno à
sociedade, arrogantes, frívolos, preconceituosos e inúteis. Sim, esses de fato existem.
Mas, como qualquer grupo humano, não deve ser reduzido à homogeneidade
generalizante.
No estilo polarizado próprio da contemporaneidade, “ricos” são apresentados
como a alteridade moralmente condenável, “o outro” sobre quem recai o caráter vil da
humanidade, percebidos como atores capazes somente de ações deploráveis. Talvez esta
seja a chave para ajudar a compreender o êxito do livro, na medida em que o esquema
“nós x eles” opera como expiação de culpa para todos os que se consideram do lado
“certo” demarcado por linha divisória simplista.
O autor demoniza empresários como Luiza Trajano, uma mulher de sucesso no
comando de um grande conglomerado, líder de ações inclusivas, antirracistas, na
contramão do patriarcado. E aponta o proprietário de uma rede de clínicas de
hemodiálise como mero entediado explorador do sofrimento alheio, desconsiderando a
importância de um serviço de saúde prestado de forma privada onde o poder público é
insuficiente. Com efeito, pessoas que ocupam o topo da pirâmide social no Brasil são
extremamente beneficiadas pela desproporcional distribuição de riqueza, mas não são
as únicas responsáveis por ela.
E, embora tenha feito um preâmbulo para justificar a escolha do tema —
esclarecendo que pretende provocar reflexão e não chancelar ou defender aquele estilo
de vida —, fica evidente o fascínio do antropólogo pelo grand monde e sua ambivalência
entre a crítica e o deslumbramento. Não haveria, por exemplo, razão para paralisia
diante do milionário paulista que acabava de sair da ginástica senão o próprio olhar de
encantamento daquele que pretendia entrevistá-lo.
O riso, arma potente, no livro serve à inversão de papéis: o autor parece se vingar
da sensação de exclusão e humilhação por ele experimentadas trazendo à tona as
fraquezas e a torpeza daqueles com quem se relacionou. Expor o ridículo das escolhas e
do proceder de certas pessoas ricas é um bom começo para desmistificar sua realidade.
Questionar a própria atração pelo que desdenha seria um passo importante para
aprofundar a desconstrução de sua idealização.
*Marissa Gorberg, Doutora em História, Política e Bens Culturais/CPDOC-FGV, https://orcid.org/0000-0003-2382-6537
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Alcoforado, Michel. Coisa de Rico: a vida dos endinheirados brasileiros. São Paulo: Todavia, 2025.

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