Sherry B. Ortner publicou dois artigos que oferecem um panorama e reflexão crítica da antropologia desde os anos 1960. Educada no Radcliffe College e afiliada à UCLA como Distinguished Professor of Anthropology, Ortner analiza de forma meticulosa esse panorama teórico, ainda que com o viés do mundo anglo-saxão. Sua perspectiva panorâmica e perspicaz tornou seus artigos em peças integrais de antologias e das bibliografias basicas de disciplinas, além de serem amplamente citados.

Em seu artigo seminal, “Teoria em Antropologia desde os anos sessenta”, Ortner (1984, 2011) descreve o ambiente intelectual da década de 1980. Aqui, relembra as críticas de Marvin Harris e Eric Wolf acerca da fragmentação, fanatismo e modismos na antropologia dos anos 1960. Propõe, então, uma nova orientação teórica fundamentada na “Prática”. Nesta época, diversas teorias e métodos florescem, remodelando a agenda antropológica com uma exploração matizada de dimensões simbólicas, culturais e estruturais.
Voltando à década de 1960, retrata o esgotamento de três paradigmas teóricos dominantes: o funcionalismo estrutural britânico, a antropologia cultural e psicocultural americana e a Antropologia evolucionária americana. Uma nova onda surge, abrangendo a Antropologia Simbólica, a Ecologia Cultural e o Estruturalismo. A paisagem muda, influenciada por Geertz, Turner, White, Steward e Lévi-Strauss, com cada abordagem abrigando limitações, mas contribuindo para a narrativa em evolução.
A década de 1970 inaugura a crítica marxista, marcada por convulsões sociopolíticas e uma reavaliação das complicações coloniais da antropologia. Surgem o marxismo estrutural e a economia política, revelando um enfoque matizado nas relações sociais, nas ideologias e nos sistemas políticos/econômicos regionais. Motivos simbólicos na identidade de classe e grupo vêm à tona, além de críticas e limitações correlatas.
À medida que a disciplina transita para a década de 1980, há o apogeu teórico da teoria da prática. A obra seminal de Bourdieu norteia, orientando a negação da estrutura, a reinterpretação de Marx, ênfase na práxis e a incorporação da “hegemonia” de Gramsci. No entanto, no meio do florescimento teórico, a teoria da prática debate-se com a negligência da cooperação, da reciprocidade e da solidariedade, e com a ironia da dominação centralizadora no meio de consequências não intencionais.
O triângulo de Berger e Luckman torna-se um prisma narrativo para resumir a jornada antropológica. A sociedade uma realidade objetiva, mas um produto humano. A humanidade emerge como um produto social, intrinsecamente entrelaçado no tecido dinâmico e diversificado das orientações teóricas.
Nas suas reflexões finais deste artigo, salienta a resiliência e natureza diversa da teoria antropológica. A evolução dinâmica torna-se um testemunho da capacidade duradoura da antropologia de adaptação e relevância na formação do discurso da existência humana.
Ortner (2017) revista o tema das transformações teóricas da antropologia em seu artigo, “Antropologia das trevas e outras: teoria desde os anos 1980”. Aqui, o pano de fundo é a ascensão do neoliberalismo. A Antropologia das trevas surge como um tropo definidor, concentrando-se nas duras dimensões da vida social – poder, dominação, desigualdade e opressão. Ortner investiga o terreno subjetivo, enfatizando experiências de depressão e desesperança, desvendando os meandros das respostas humanas aos desafios sociais.
O neoliberalismo torna-se um nó central nesta exploração, moldando tanto as realidades globais como o discurso antropológico. Ortner disseca o impacto das políticas neoliberais nas paisagens sociais, revelando respostas antropológicas aos efeitos dessas políticas.
Das sombras da Antropologia das trevas, as antropologias do bem emergem como reações diferenciadas. Implícitas ou explícitas, essas respostas investigam os aspectos positivos da vida social. Há um renovado interesse em temas como valor, moralidade, bem-estar, imaginação, empatia, cuidado, dádiva, esperança, tempo e mudança. O discurso intelectual muda. A crítica, resistência e ativismo desviam a atenção do desespero para o empoderamento, explorando formas pelas quais a antropologia pode contribuir para uma mudança social positiva.
Nos momentos finais, Ortner recapitula a justaposição da antropologia das trevas e das antropologias do bem. oferecendo uma reflexão matizada sobre as tendências em evolução na antropologia. Seu parágrafo final é um reconhecimento de que a antropologia precisa de ambas abordagens:
A crítica cultural tende a estar no lado das trevas, enfatizando o que Arjun Appadurai chamou de “ética da probabilidade”, enquanto estes outros tipos de trabalho são, pelo menos parcialmente, orientados para a visão de alternativas mais positivas, incorporando o que Appadurai chamou de “ética da possibilidade”. Parece provável que a antropologia sempre precisará de ambos. É portanto apropriado terminar com a famosa máxima de Antonio Gramsci: Pessimismo do intelecto, optimismo da vontade.
Assim, reafirma o papel da disciplina na formação do discurso e da ação social. A antropologia retém sua relevância pela capacidade de influenciar e contribuir para mudanças sociais positivas.
BIBLIOGRAFIA
Ortner, Sherry B. “Theory in Anthropology since the Sixties.” Comparative studies in society and history 26.1 (1984): 126-166. DOI: https://doi.org/10.1017/S0010417500010811
Ortner, Sherry B. “Teoria na antropologia desde os anos 60.” Mana 17 (2011): 419-466. https://doi.org/10.1590/S0104-93132011000200007
Ortner, Sherry B. “Dark anthropology and its others: Theory since the eighties.” HAU: Journal of Ethnographic Theory 6.1 (2016): 47-73. DOI: https://doi.org/10.14318/hau6.1.004
