Escritas indecifráveis

Contexto é tudo — ao menos para produzir sentido. Imagine ter a melhor formação possível, ser letrado em tudo que seja ensinado nos cursos acadêmicos, mas você se depara com textos fragmentários, em uma escrita e língua desconhecida. Nada para dar uma pista sobre seu conteúdo. Algumas escritas se mantém códigos cifrados inquebráveis diante do contexto ora disponível.

Escrita do Indo/Harappa

O Vale do Rio Indo, no atual Paquistão e o noroeste da Índia, desenvolveu a civilização Harappa de 3.300 a 1.300 aC. Esta civilização grandiosa empregou uma escrita em selos e inscrições. A escrita Indo/Harappa talvez seja mais antiga que textos egípcios, sumérios e chineses, mas permanece inescrutável desde sua descoberta nos anos 1920. A língua talvez fosse da família drávida. A falta de inscrições bilíngues e a complexidade inerente à escrita tornaram o texto um código inquebrável.

Proto-Elamita e Elamita Linear

No antigo Elam, situado onde hoje é o Irã, encontramos duas escritas cujos significados se perderam na história. O proto-elamita, utilizada pelos elamitas entre 3.200 e 2.700 aC. grafado em tabuletas de argila são cerca de mil sinais, possivelmente em uma escrita logográfica.

Depois, emergiu a escrita elamita arcaica ou elamita linear por volta de 2.200 a 300 aC. Aparece em cerca de 40 inscrições em monumentos, sendo possivelmente um silabário. Posteriormente os elamitas adotaram a escrita cuneiforme de seus vizinhos mesopotâmicos.

Em 2020, o pesquisador francês François Desset e outros pesquisadores anunciaram que haviam concluído a decifração de todas as inscrições conhecidas em elamita linear. A proposta de decifração escrita foi publicada em 2022, mas sua interpretação permanece controversa na comunidade acadêmica.

Linear A

Linear A é um sistema de escrita usado pelos povos minoicos da Ilha de Creta de 1800 a 1450 aC. Talvez seja possivelmente relacionada à escrita grega micênica Linear B, mas a língua da Linear A não é conhecida. Aparece em textos curtos, geralmente em selos com uma ou duas palavras, o que a torna difícil de cogitar decifrá-la.

Disco de Phaistos

Outro mistério de Creta é o Disco de Phaistos, datado de cerca de 1700 aC. O disco, feito de argila, traz uma escrita desconhecida em uma sequência muito curta, com apenas 243 sinais. A ausência de outros textos com escrita similar e a natureza enigmática dos símbolos faz do Disco um dos santo graals da história. Talvez sejam rabiscos sem significados (doodlings) ou um artefato mágico sem um conteúdo linguístico.

Manuscrito Voynich

O códice Manuscrito Voynich foi composto em escrita e língua desconhecidas. O manuscrito, datado do século XV, contém aproximadamente 240 páginas com lustrações e diagramas fantásticos, que incluem representações de pessoas, plantas fictícias, figuras astrológicas e outros símbolos enigmáticos.

O propósito do manuscrito é desconhecido. Há a hipótese que poderia ser uma obra de ficção científica, um tratado de ervas ou médico. Alguns até sugeriram que poderia ser uma farsa, mas testes no material e similaridades com herbários do Renascimento italiano, bem como uma longa documentação de trânsito e proveniência, faz dele algo legítimo.

O Manuscrito Voynich tira o sono de criptógrafos profissionais e amadores. Apesar de volta e meia apareça alguém dizendo que o desvendou, o manuscrito continua sendo um caso não resolvido.

Códice Rohonc

Da Hungria vem o belíssimo Códice Rohonc ou Rohonczi, um manuscrito de origem incerta. Contém 448 páginas adornado com 87 ilustrações. O manuscrito contém uma escrita singular composta por 150 a 200 caracteres, semelhante a runas húngaras.

As origens do códice permanecem ignoradas. O nome vem da cidade de Rohonc, no oeste da Hungria (hoje Rechnitz, Áustria). Em 1838, chegou à Academia Húngara de Ciências, legada pelo Conde Gusztáv Batthyány como parte da doação de sua biblioteca particular.

O conteúdo do códice permanece especulativo, embora alguns proponham que possa conter textos religiosos cristãos de algum grupo sectário. As ilustrações retratam cenas da vida de Jesus. Embora as origens e os criadores do códice sejam desconhecidos, é possível que tenha origem na Itália ou Europa Central no início do século XVI.

Rongorongo

Rongorongo é um sistema enigmático de símbolos da Ilha de Páscoa. No final do século XIX, foram recolhidas vinte e quatro tábuas de madeira com inscrições Rongorongo, mas muitas estavam danificadas. Além disso, os símbolos Rongorongo também existem em pinturas rupestres.

Rongorongo segue um padrão bustrofédico, ou seja, a direção dos glifos muda de linha para linha. Os sinais têm formas humanas, animais, vegetais, artefatos ou geométricas.

A primeira menção registada do rongorongo foi feita por Eugène Eyraud, um missionário católico que chegou à Ilha de Páscoa em 1864. Eyraud relatou que os ilhéus usaram estes símbolos para decorar as suas casas.

Em 1868, o bispo do Taiti, Florentin-Étienne “Tepano” Jaussen, recebeu um presente de um morador da Ilha de Páscoa que havia recentemente se convertido ao catolicismo. Escreveu uma carta ao padre Hippolyte Roussel, na Ilha de Páscoa, pedindo-lhe que recolhesse todas as tabuinhas e encontrasse um indígena que pudesse traduzi-las. Porém, apenas algumas tabuinhas foram descobertas e não havia consenso de como lê-las.

No final do século XIX,rongorongo tinha praticamente desaparecido da Ilha de Páscoa, com a população da ilha dizimada por doenças europeias,escravidão, deportação e perda de conhecimento tradicional. As tabuinhas sobreviventes foram espalhadas, danificadas ou usadas para diversos fins pelos habitantes.

Em 1995 o controverso linguista neozelandês Steven Roger Fischer publicou uma possível tradução. No entando, sua leitura não é tida como satisfatória.

Quipu

Nem toda escrita é gravada sobre uma superfície. No Império Inca o sistema quipu registrava com cordas e nós comunicações burocráticas e controle contábil. Especula-se que se tratava de um auxílio para a memória do mestre nos quipu. No entanto, há indícios que os quipu podiam ser lidos por terceiros e transmitir plenamente ideias complexas.

Escritas Glíficas Mesoamericanas

Em várias regiões da Mesoamérica, incluindo as culturas olmeca, teotihuacán, mixteca e zapoteca, escritas glíficas distintas foram utilizadas em inscrições em pedra e em alguns raros códices. Os avanços imperialistas maias, astecas e, posteriormente, espanhóis acabaram com pessoas competentes nessas escritas. Parcialmente, as escritas astecas e maias foram decifradas.

Khitan

Na Dinastia Liao do norteste da China (séculos X-XII), o povo khitan empregou duas escritas em inscrições em pedra e objetos de bronze. Trata-se de uma escrita logográfica, ou seja, cada símbolo remete a uma ideia. Apesar da semelhança dos traços com a escrita chinesa, era uma língua distinta e não há textos bilíngues que sirvam como uma pedra rosetta para decodificá-la. Embora tenham sido feitos alguns progressos, a decifração da escrita khitan permanece incompleta.

SAIBA MAIS

Desset, François, et al. “The decipherment of Linear Elamite writing.” Zeitschrift für Assyriologie und vorderasiatische Archäologie 112.1 (2022): 11-60.

Fischer, Steven Roger. RongoRongo, the Easter Island Script: History, Traditions, Texts. Oxford: Oxford University Press, 1997.

Fischer, Steven Roger Fischer. História da escrita. Tradução de Mirna Pinsky. São. Paulo: Editora UNESP, 2009.

http://www.voynich.nu

Yale Voynich Manuscript
http://ciphermysteries.com/the-voynich-manuscript

Codex Rohonc

VEJA TAMBÉM

O Codex Copiale

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