Geertz: definição de Religião

O antropólogo Clifford Geertz (1926-2006) norteou muito da antropologia e outras ciências sociais como entender a religião. Isso porque — segundo seu colega e crítico Talal Asad — Geertz teria elaborado “a definição antropológica de religião mais influente e certamente a mais bem-sucedida que apareceu nas últimas duas décadas”. De fato, seria uma das definições de religiões mais citadas nesse meio século passado.

Religião como parte da cultura

Em seu ensaio Religião como um sistema cultural [Religion as a Cultural System] (1966), mais tarde integrante do A Interpretação das Culturas [Interpretation of Cultures] (1989) situa a religião em um contexto simbólico que, por sua vez, situa-se em um emaranhado amplo que seria a cultura.

A compreensão de cultura de Geertz está encapsulada na noção de “redes de significado”. Os indivíduos existem dentro desses intrincados sistemas de significado que estão entrelaçados na estrutura de suas sociedades. A cultura, no entendimento da antropologia simbólica de Geertz, abrange a totalidade destas redes, que incluem os símbolos, normas, valores e práticas partilhados que definem um determinado grupo social. Abrange as crenças, costumes e comportamentos cotidianos que dão estrutura e significado à vida das pessoas.

Essas “redes de significado” substanciam como os indivíduos dão sentido ao mundo ao seu redor. Um subconjunto particular dessas “teias de significado” é o que é denominado “Religião”. Segundo Geertz, o cerne dos sistemas religiosos é o “problema do significado”. A religião oferece explicações para dificuldades humanas fundamentais, como “perplexidade, dor e paradoxo moral” (Geertz, 1973). Afirma que a potência de um sistema religioso reside na sua capacidade de fornecer essas explicações e elucida que o estudo da cultura e da religião é fundamentalmente interpretativo, buscando significado em vez de leis empíricas (Geertz, 1973).

Geertz define religião como:

(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas.

(Geertz, 1973, p. 89)

Definição de Religião

Uma definição de religião como um sistema de símbolos

Em uma meta-análise, a própria definição de religião de Geertz é um sistema simbólico dotado de uma aura de fatualidade.

Espectro substantivo e funcional: A definição de religião de Geertz pode ser considerada tanto substantiva quanto funcional. É substantiva porque define a religião pelas suas características inerentes, como um sistema de símbolos. Ao mesmo tempo, é funcional, pois enfatiza o papel que a religião desempenha na abordagem de questões e problemas humanos fundamentais.

Definição de Símbolos: símbolos seriam qualquer objeto, ato, evento, qualidade ou relação que sirva como veículo para uma concepção. Os símbolos carregam significado e representam ideias, atitudes, julgamentos, anseios ou crenças. Exemplos de símbolos são amplos, desde de números e pinturas a palavras, livros sagrados, histórias e rituais.

O poder dos símbolos: os símbolos têm um impacto significativo no comportamento e nas emoções humanas. Eles estabelecem estados de espírito e motivações poderosos, difundidos e duradouros nas pessoas. Os símbolos não apenas transmitem sentimentos morais profundos sobre como o mundo deveria ser, mas também influenciam a forma como os indivíduos interpretam a realidade. Orientam a atividade humana e ajudam a moldar a percepção do mundo.

Sistemas de Símbolos Religiosos: os símbolos sagrados são parte integrante das concepções religiosas acerca da realidade. Esses símbolos contribuem para a formulação de ordens gerais e cosmologias dentro das tradições religiosas. Quando os indivíduos agem dentro da estrutura de um sistema de símbolos religiosos, começam a aceitar as interpretações simbólicas do mundo como reais e significativas. Os símbolos proporcionam aos crentes a sensação de participar de um universo inteligível.

Apelo dos símbolos: as religiões dão aos seus símbolos uma aura de fatualidade. Portanto, as concepções religiosas da realidade são apresentadas de uma forma que as faz parecer verdadeiras, atraentes e persuasivas. Embora os símbolos religiosos pareçam intensamente reais para aqueles que estão dentro da tradição, quem está de fora pode percebê-los como mitológicos ou falsos.

Papel das definições: Geertz ressalva que as definições não estabelecem nada de forma definitiva. No entanto, elas fornecem uma orientação para a investigação e orientam os processos de pensamento. Neste sentido, a sua definição de religião oferece uma orientação útil para a compreensão do papel dos símbolos e significados nas práticas religiosas e nas cosmovisões. Encoraja uma linha particular de investigação sobre a relação entre símbolos, cultura e religião.

Crítica

A definição de religião de Geertz recebeu diversas críticas que sublinham as suas limitações. A sua ênfase nas crenças religiosas como elemento definidor ignora o papel integral dos rituais, práticas e instituições dentro das tradições religiosas. Este foco unidimensional nos símbolos diminui a compreensão holística da religião. Além disso, a sua busca por uma definição universal é criticada por estar enraizada num contexto histórico cristão, tornando-a inadequada para a diversidade de práticas religiosas em todo o mundo. A reivindicação de uma definição universal ignora a natureza historicamente específica da religião e do seu discurso em evolução.

Há ainda o problema da delimitação. Como diferenciar a religião de outros fenômenos simbólicos dotados de uma aura de fatualidade? Tanto para um devoto do xinto quanto para um fã de RPG, os símbolos e seus rituais são reais e não dependem de crença para aproveitá-los. Um fanático político ou um adepto de teorias da conspiração compartilham símbolos, ideais, ações, motivações e uma visão de realidade, seriam eles religiosos?

Além disso, a definição de Geertz negligencia a importância do poder, da autoridade e dos processos históricos na formação dos fenómenos religiosos. Esta crítica destaca a necessidade de uma compreensão mais abrangente que reconheça a interligação da religião com questões de autoridade e poder em vários contextos culturais. Ademais, essa definição subestima os aspectos práticos, vividos, dotados de materialidade, corporificados e orientados para a ação da religião. Por último, o potencial viés eurocêntrico, com vísivel influência de um mentalismo protestante ocidental, orienta sua busca por uma definição universal levanta preocupações sobre a má interpretação das práticas religiosas não-ocidentais.

SAIBA MAIS

Asad, Talal. 1983. “Anthropological Conceptions of Religion: Reflections on Geertz.” Man, New Series 18(2):237-259. p. 237.

Geertz, Clifford. The Interpretation of Cultures. New York: Basic Books. 1973. p. 89.

Geertz, Clifford. Religion as a Cultural System. London: Tavistock. 1966 p. 4.

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