Sinopse das obras de Platão

A obra de Platão, além de volumosa, é complexa. Apesar de formarem as bases para muito das discussões do pensamento ocidental, permanece uma obra aberta em muitos aspectos.

Platão, nascido em Atenas por volta de 428 a.C., viveu em um período de turbulência política e intelectual. A condenação e morte de seu mestre, Sócrates, em 399 a.C., marcou sua carreira. A condenação arbitrária o fez buscar uma forma de preservar e expandir o legado socrático. A solução encontrada foi o diálogo, um formato que permitia explorar questões filosóficas complexas sem fixar dogmaticamente as respostas.

A composição dos diálogos platônicos, ao longo do século IV a.C., acompanha uma progressão estilística e temática. As obras iniciais, como a Apologia de Sócrates, o Críton e o Êutifron, refletem uma dramaticidade e uma busca aporética. Os diálogos do período intermediário, como A República, o Simpósio e o Fédon, revelam um Platão mais confiante em suas próprias ideias, explorando temas como a justiça, o amor e a imortalidade da alma. Já os diálogos tardios, como o Sofista, o Político e as Leis, apresentam um estilo mais didático e sistemático, com discussões metafísicas intrincadas. Algumas obras, como o Timeu-Crítias e as Leis, permaneceram inacabadas.

A transmissão dos diálogos platônicos moldaram sua interpretação. A Academia fundada por Platão, sob a liderança de seus sucessores, como Espeusipo e Xenócrates, preservou de seus ensinamentos combinando o texto escrito as discussões orais. Durante o período helenístico e romano, o corpus platônico foi editado em Alexandria, organizado em trilogias por Aristófanes de Bizâncio e, posteriormente, em tetralogias por Trasilo. Os neoplatônicos, como Plotino e Proclo, interpretaram Platão de forma alegórica, elevando-o a um status quase divino. A maioria dos diálogos sobreviveu graças aos manuscritos bizantinos, combinando escolhas editorias neoplatônicas e cristãs.

O Renascimento marcou um ponto de virada na recepção de Platão. As traduções latinas de Marsilio Ficino, em 1484, revitalizaram o platonismo na Europa, influenciando o humanismo e a ciência renascentista. No Iluminismo, pensadores como Rousseau e Kant dialogaram com o idealismo platônico, enquanto as traduções alemãs de Schleiermacher, no século XIX, enfatizaram a unidade literária dos diálogos. A erudição moderna, com o uso de estilometria e filologia, refinou os debates sobre a cronologia das obras.

A classificação dos diálogos platônicos em períodos – inicial, intermediário e tardio – é uma convenção comum, mas a ordem exata das obras permanece objeto de debate. A tradição de organizá-los em tetralogias, atribuída a Trasilo, é controversa e provavelmente reflete mais interesses editoriais do que uma intenção original de Platão. As obras espúrias, como as Cartas e o Epinômis, e as obras fragmentárias, como o Crítias, também contribuem para a complexidade do corpus platônico.

Seguem uma sinopse de cada obra do corpus platônico.

Alcibíades I (Ἀλκιβιάδης αʹ) – Um texto fundamental para o neoplatonismo, este diálogo (cuja autenticidade é debatida) apresenta Sócrates orientando o jovem e ambicioso Alcibíades. Através do questionamento, Sócrates revela a ignorância política de Alcibíades e argumenta que a liderança autêutica requer autoconhecimento e cuidado com a alma. A obra combina ética, epistemologia e filosofia política.

[Alcibíades II] (Ἀλκιβιάδης βʹ) – Provavelmente espúrio, este diálogo mais curto explora os perigos da oração impensada. Sócrates adverte Alcibíades de que desejos equivocados – como orar por poder sem sabedoria – podem levar à ruína. O tema da justiça divina e a necessidade de humildade epistemológica estão alinhados com o pensamento socrático. No entanto, muitos estudiosos consideram o estilo não platônico.

[Amantes Rivais] (Ἀντερασταί) – Este breve diálogo, cuja autoria é contestada, explora a natureza da filosofia e da rivalidade intelectual. Sócrates observa uma disputa entre jovens amantes da sabedoria, questionando o valor da competição na busca pela verdade. O texto levanta reflexões sobre a importância da busca genuína pelo conhecimento em contraste com a mera exibição de erudição.

Apologia (Ἀπολογία Σωκράτους) – Este diálogo relata o discurso de defesa de Sócrates durante seu julgamento em 399 a.C., quando foi acusado de corromper a juventude e de impiedade. Em vez de pedir clemência, Sócrates apresenta uma justificação filosófica para sua missão de vida: questionar a sabedoria ateniense e expor a ignorância. O texto captura seu compromisso inabalável com a verdade, mesmo diante da morte, e serve como uma declaração fundamental de integridade filosófica.

O Banquete ou o Simpósio (Συμπόσιον) – Uma série de discursos sobre o amor (eros) proferidos em um banquete, culminando no relato de Sócrates sobre a escada de ascensão de Diotima — do desejo físico à contemplação da Beleza absoluta. O diálogo combina mito, filosofia e drama, explorando o amor como a força que impulsiona a alma em direção à verdade transcendental.

Cármides (Χαρμίδης) – Situado em uma escola de luta, este diálogo investiga a temperança (sophrosyne) por meio de uma conversa com o jovem e belo Cármides. Sócrates desmonta definições convencionais (por exemplo, moderação ou cuidar apenas dos próprios negócios), sugerindo que a verdadeira temperança requer autoconhecimento – um tema posteriormente expandido em A República.

[Clitofonte] (Κλειτοφῶν) – Este diálogo curto e intrigante apresenta Clitofonte, um seguidor de Trasímaco, expressando descontentamento com a abordagem de Sócrates à justiça. Clitofonte argumenta que Sócrates é hábil em criticar as visões dos outros, mas falha em apresentar alternativas claras. O diálogo serve como uma crítica à dialética socrática e levanta questões sobre a natureza da justiça e a eficácia do método socrático.

Cratilo (Κρατύλος) – Uma investigação linguística sobre se os nomes (palavras) têm uma conexão natural com seus referentes ou são puramente convencionais. Sócrates analisa etimologias de forma lúdica, sugerindo que a linguagem reflete uma compreensão instável da realidade, apontando, em última instância, para a teoria das Formas como base adequada do conhecimento.

Crítias (Κριτίας) – Uma sequência fragmentária de Timeu, este diálogo apresenta o mito da Atlântida como uma alegoria da hntida como uma alegoria da h\u00fibris e da retribuição divina. Crítias descreve a civilização avançada da Atlântida e sua eventual queda após guerrear contra a Atenas antiga, que encarna a virtude idealizada. O final abrupto gerou especulação sobre as intenções de Platão, com alguns vendo-o como um conto de advertência sobre o excesso imperialista.

Críton (Κρίτων) – Situado na cela de Sócrates após sua condenação, este diálogo explora a obrigação moral de obedecer à lei. Críton instiga Sócrates a fugir da execução, mas Sócrates argumenta que fugir violaria seu contrato social implícito com Atenas, minando as leis que sustentam a ordem civil. A obra lida com a tensão entre a consciência individual e o dever cívico.

[Epinomis] (Ἐπινομίς) – Atribuído ao aluno de Platão, Filipo de Opus, este apêndice de As Leis investiga os fundamentos da sabedoria, concluindo que a astronomia e a matemática são as ciências mais elevadas porque revelam a ordem divina do cosmos. Reflete o interesse tardio de Platão em conectar filosofia e teologia natural.

Epístolas (Ἐπιστολαί) – Uma coleção de 13 epístolas, das quais a Sétima Carta é a mais filosoficamente significativa. Supostamente autobiográfica, discute a desilusão de Platão com a política siracusana e sua doutrina não escrita, sugerindo ensinamentos esotéricos além dos diálogos. Os estudiosos debatem sua autenticidade, mas elas oferecem vislumbres instigantes sobre a vida e os métodos de Platão.

Eutidemo (Εὐθύδημος) – Uma sátira sobre a sofística, apresentando dois irmãos, Eutidemo e Dionisódoro, que usam lógica erística (contenciosa) para reduzir todos os argumentos ao absurdo. Sócrates contrasta seus jogos de palavras com a investigação filosófica genuína, destacando a diferença entre a mera vitória verbal e a busca pela verdade.

Eutífron (Εὐθύφρων) – Situado fora do tribunal ateniense, este diálogo apresenta Sócrates questionando Eutífro, um autoproclamado especialista em piedade, sobre a natureza da santidade. Surge o famoso dilema de Eutífro: algo é piedoso porque os deuses o amam, ou os deuses o amam porque é piedoso? A discussão expõe as dificuldades de definir conceitos morais, terminando em aporia (sem uma resolução clara), uma marca da investigação socrática.

Fédon (Φαίδων) – Um relato dramático das últimas horas de Sócrates, este diálogo examina a imortalidade da alma por meio de argumentos filosóficos. Sócrates sustenta que a alma é eterna, distinta do corpo e destinada ao reino das Formas. Entrelaçados com o raciocínio metafísico, há momentos comoventes de amizade e a serena aceitação da morte por Sócrates.

Fedro (Φαῖδρος) – Centrando-se na retórica, no amor e na natureza da alma, este diálogo apresenta a famosa alegoria da biga alada de Sócrates, que retrata a alma como um cocheiro que luta para ascender à verdade divina. A obra critica a retórica destrutiva, ao mesmo tempo que defende o discurso filosófico como meio de conduzir a alma à sabedoria.

Fileno (Φίληβος) – Um diálogo tardio que examina o prazer e o intelecto como candidatos concorrentes para a vida boa. Sócrates argumenta que nem o hedonismo puro nem o intelectualismo puro são suficientes; em vez disso, uma mistura equilibrada, guiada pela razão, constitui a verdadeira felicidade.

Górgias (Γοργίας) – Uma crítica feroz à retórica e ao poder político, contrastando a ética filosófica de Sócrates com a persuasão manipulativa de oradores como Górgias e Cállicles. Sócrates argumenta que a verdadeira justiça alinha a alma com o bem, enquanto a ambição desmedida leva à corrupção moral.

[Híparco] (Ἵππαρχος) – A autenticidade deste diálogo é duvidosa. Centrado em Híparco, filho de Pisístrato, o texto discute a ambição e o desejo de ganho ilícito. Sócrates questiona a natureza da ganância e como ela corrompe o indivíduo. A discussão toca em temas de justiça e sabedoria, questionando se a busca por lucro pode ser virtuosa.

Hípias Maior (Ἱππίας μείζων) e Hípias Menor (Ἱππίας ἐλάττων) – Dois diálogos satíricos sobre o sofista Hípias. O Maior falha humoristicamente em definir o belo, expondo a superficialidade de Hípias. O Menor argumenta provocativamente que um mentiroso que engana conscientemente é melhor do que um falante da verdade ignorante, um paradoxo que destaca a ironia socrática e a complexidade do conhecimento moral.

Ion (Ἴων) – Um breve diálogo em que Sócrates interroga Íon, um rapsodo especializado na recitação de Homero. Sócrates argumenta que a habilidade de Íon não é um verdadeiro conhecimento, mas uma forma de inspiração divina, comparando poetas e intérpretes a canais possuídos pelas Musas. A obra critica a expertise artística como irracional, contrastando-a com a sabedoria filosófica.

Laques (Λάχης) – Focado na natureza da coragem, este diálogo apresenta dois generais, Laches e Nicias, que tentam (e falham) em definir a virtude. Sócrates demonstra que suas concepções são demasiado restritas ou circulares, enfatizando que a verdadeira coragem deve ser compreendida dentro do arcabouço mais amplo da sabedoria e do bem.

As Leis (Νόμοι) – A obra final e mais longa de Platão, apresentando um código legal detalhado para uma cidade hipotética (Magnésia). Mais pragmática do que A República, equilibra idealismo e governança no mundo real, enfatizando educação, piedade e harmonia comunitária como salvaguardas contra a corrupção.

Lísis (Λύσις) – Uma exploração da amizade (philia), este diálogo examina se a amizade se baseia na utilidade, no prazer ou na bondade compartilhada. Sócrates desconstrói suposições comuns, concluindo que a verdadeira amizade pode surgir do reconhecimento mútuo da ignorância e do desejo compartilhado pela sabedoria — uma indicação precoce do ideal socrático de companhia filosófica.

Menêxeno (Μενέξενος) – Um curioso exercício retórico em que Sócrates faz um discurso fúnebre satírico, parodiando o patriotismo ateniense e as convenções da elogiação pública. Alguns estudiosos interpretam-no como uma crítica à manipulação da história e da emoção pela retórica política.

Meno (Μένων) – Investigando se a virtude pode ser ensinada, este diálogo introduz a teoria da reminiscência (anamnesis), sugerindo que aprender é um processo de recordar um conhecimento inato. Através de uma demonstração geométrica com um jovem escravo, Sócrates argumenta que a alma possui uma compreensão latente das verdades eternas.

[Minos] (Μίνως) – A autenticidade deste diálogo é amplamente questionada. Centrado na figura do rei Minos, o texto explora a natureza da lei e sua relação com a justiça. Sócrates questiona se as leis humanas refletem a verdadeira justiça, levantando questões sobre a origem e a validade das leis. Este diálogo possui um certo debate quanto a autoria do mesmo.

Parmênides (Παρμενίδης) – Um dos diálogos mais desafiadores de Platão, esta obra apresenta um jovem Sócrates em conversa com o filósofo pré-socrático Parmênides e seu discípulo Zenão. A primeira parte critica a teoria das Formas, expondo dificuldades lógicas (por exemplo, o argumento do Terceiro Homem). Em contraste, a segunda parte é uma vertiginosa série de exercícios dialéticos sobre os conceitos de Um e Múltiplo. Frequentemente, é lida como um refinamento autocrítico da metafísica platônica.

Político (Πολιτικός) – Uma sequência de Sofista, este diálogo define o verdadeiro estadista como um rei-tecelão que harmoniza os diferentes elementos da sociedade por meio do conhecimento especializado, e não pelo mero governo da maioria. Introduz o mito do ciclo cósmico, distinguindo seu papel do de um tirano ou de um democrata inepto.

Protágoras (Πρωταγόρας) – Um animado debate entre Sócrates e o sofista Protágoras sobre a possibilidade de ensinar a virtude. Sócrates desafia as visões relativistas de Protágoras, questionando se a virtude é uma unidade ou um conjunto de qualidades distintas. O diálogo critica a sofística enquanto investiga a natureza da educação moral.

Sofista (Σοφιστής) – Um diálogo metafísico rigoroso que busca definir o sofista como um vendedor de falsas aparências. No processo, Platão explora o não-ser, a diferença e a interação das Formas, refinando sua ontologia e lançando as bases para sua posterior filosofia da linguagem.

A República (Πολιτεία) – A obra-prima de Platão investiga a justiça no indivíduo e no Estado. Através da alegoria da caverna, da teoria das Formas e da ideia dos reis-filósofos, Sócrates constrói uma pólis ideal onde a justiça reflete a harmonia de uma alma bem ordenada. A obra abrange epistemologia, ética e teoria política. Talvez seja a obra de maior influência sobre o pensamento ocidental.

[Teages] (Θεάγης) – Diálogo de autenticidade debatida, Teages explora a questão da sabedoria e se ela pode ser ensinada. O diálogo retrata o jovem Teages, ansioso por adquirir sabedoria e poder político através de Sócrates. Este diálogo levanta algumas questões sobre o conhecimento.

Teeto (Θεαίτητος) – Uma investigação epistemológica sobre a definição de conhecimento. Examina e refuta as concepções de que o conhecimento é percepção, julgamento verdadeiro ou crença verdadeira justificada. O diálogo termina em aporia, destacando a evasividade do conhecimento enquanto avança distinções fundamentais no pensamento platônico.

Timeu (Τίμαιος) – Um diálogo cosmológico em que Timeu apresenta um relato mítico da criação do universo, combinando geometria, astronomia e metafísica. A obra descreve um demiurgo moldando o mundo de acordo com as Formas eternas, oferecendo a exploração mais sistemática de Platão sobre a filosofia natural.

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