Eleonora Fonseca Pimentel estava sentada solitária, saboreando sua última xícara de café. O líquido era tão amargo quanto às circunstâncias desagradáveis que a trouxeram a esse ponto. Lá fora, a chuva caía como uma cortina, batendo pesadamente contra o pavimento de pedra. Era como se o universo tivesse se alinhado contra ela. Sua xícara estava quase vazia. O som de botas batendo na calçada molhada lá fora ficou mais alto. Mas Eleonora não sentiu nenhuma apreensão. Estava pronta para enfrentar qualquer fado que lhe fora reservado. Enquanto tomava seu último gole de café, a porta se abriu e os homens de uniforme preto invadiram o cômodo. Eleonora levantou-se para encará-los, mantendo a cabeça erguida. Acompanhou-os.

Era súdita lusitana, porém Eleonora Fonseca Pimentel nasceu em Roma, num dia de inverno de janeiro de 1752. A sua família estava ligada aos interesses portugueses na Cidade Eterna e pertencia à elite esclarecida, os estrangeirados. No entanto, sua sorte mudou e eles foram forçados a se mudar para Nápoles em 1760, em meio à convulsão política entre Portugal e o papado.
Na cidade da baía ensolarada, ela recebeu sua educação inicial por seu tio, Abade Antonio Lopez, e se misturou aos círculos intelectuais de Nápoles. Em um desses salões, Eleonora conheceu Gianvincenzo Meola, que a ajudou a aprimorar suas habilidades nas línguas clássicas, incluindo grego, latim e história antiga. Além disso, tornou-se fluente em italiano, português, francês e inglês. Mais tarde, estudou matemática e filosofia sob a tutela de Francesco Maria Guidi, mineralogia com Melchior Delfico, química e botânica com Nicola Maria, além de ser a assistente de pesquisa do fisiologista Lazzaro Spallanzani na investigação sobre vasos linfáticos.
Eleonora ingressou na Accademia dei Filaleti sob o pseudônimo anagramático Epolnifenora Olcesamante. A jovem ganhou fama com apenas dezesseis anos de idade por seu trabalho, O Templo da Glória, um epitálamo em homenagem ao casamento do rei Fernando IV e Maria Carolina. Então, foi admitida em Arcádia sob o nome de Altidora Esperetusa, o qual ela assninou algumas de suas composições.
Como era moda na época, em 1775, Eleonora publicou em tons árcades O Nascimento de Orfeu, uma cantata celebrando o nascimento do primeiro filho do casal real, Carlos de Bourbon. Seria nomeada bibliotecária da rainha e mais tarde receberia um subsídio régio para continuar suas obras.
Dois anos depois, dedicou um drama, O Triunfo da Virtude, ao Marquês de Pombal, que havia sobrevivido a uma tentativa de assassinato em 1775. A obra mostra a fidelidade de Pimentel às políticas liberais do Marquês.
A vida privada da família Pimentel foi conturbada, a começar pela morte da mãe em 1771. Apesar de nomeada herdeira universal, Eleonora viu-se sujeita a um fideicomisso que controlava seus bens. Seu noivado com seu primo, Michele Lopez, também terminou em decepção depois de três longos anos. Veio o matrimônio.
Casou-se rapidamente com o tenente Pasquale Tria de Solis, mas sua união foi infeliz. Para piorar a situação, teve que viver com suas quatro cunhadas solteiras que tornaram sua vida insuportável. Acusada de causar a morte de seu único filho, Francesco, Eleonora sofreu abusos verbais e físicos do marido. Seu pai acabou assumindo a custódia dela e pediu a separação, que levou quase um ano para ser resolvida. Felizmente, Eleonora passor a receber a mesada mensal da rainha permitindo-lhe ficar livre do marido e continuar seus estudos.
A lavra intelectual de Eleonora Fonseca Pimentel estava apenas começando a florescer quando o projeto utópico do rei D. Fernando da Real Colônia de San Leucio foi inaugurado. Este complexo monumental incluía o Palácio Real de Caserta e o Aqueduto Vanvitelli. Foi lá que a poetisa declamou dois sonetos: Cinto Alessandro la superba fronte e Come artefice industre allor che prende. Seu talento literário continuou a florescer, apesar do turbulento clima político da época.
Uma vez livre de seu casamento abusivo, ela também trabalhou na tradução de obras acadêmicas cheias de conotação política, nas quais sua voz política era notória. Ela se juntou ao debate desafiando as obrigações feudais que os reis de Nápoles deviam ao Papa. Traduziu do latim para o italiano uma dissertação de Niccolò Caravita que já havia negado qualquer fundamento legal para obrigação ao Papa.
Mas a contribuição de Pimentel foi mais do que apenas uma tradução. Seu trabalho incluiu uma análise dos precedentes históricos e legais em torno da questão, bem como várias notas de rodapé. No entanto, seus esforços foram incompletos, pois ela se apressou em publicar o que já estava concluído e pretendia publicar depois a terceira parte, uma reflexão sobre o tema sob o prisma do direito público. Contudo, o terceiro volume nunca viu a luz do dia, pois a querela entre o papa e o rei ficou de lado com os ventos revolucionários.
Em 1792, Pimentel assumiu outro projeto de tradução, desta vez do português. Ela traduziu o ensaio Analyse da profissão de fè do Santo Padre Pio IV, de Antonio Pereira de Figueiredo, o esclarecido tradutor da Bíblia. Pereira de Figueiredo divagou sobre a natureza das verdades da fé e a liberdade intelectual dos cristãos em relação a elas. A tradução italiana da obra por Pimentel foi precedida por suas observações em prefácio e fundamentação da obra, reforçando a liberdade de pensamento e a liberdade de consciência.
No prelúdio da conspiração jacobina de 1794, Eleonora Fonseca Pimentel absteve-se de envolvimentos políticos de particular relevância, usufruindo do subsídio régio por ainda três anos. Sua prisão, ocorreu em outubro de 1798 após uma busca em seu apartamento. Sendo de origem portuguesa, o secretário consular Giuseppe De Souza julgou oportuno informar o cônsul português em Nápoles, de Sá Pereira, então de licença em Lisboa. Em sua carta, ele retratou Pimentel como uma mulher “louca, imprudente e tola”, mas também incapaz de conspirar.
A própria prisão provocou um embroglio entre as cortes portuguesa e napolitana. Ela havia escrito uma carta da prisão em português para De Souza, que, interceptada e apreendida, gerou um incidente diplomático. O governo napolitano exigiu imediatamente explicações do governo português, que, por sua vez, ordenou que De Souza se colocasse à disposição do governo napolitano. De Souza conseguiu provar sua inocência, mas Eleonora permaneceu presa até que o povo assaltasse os presídios da cidade e libertasse os detentos.
Após sua libertação, a ativista estava entre os que participaram da tomada de Sant’Elmo e da proclamação da “Única e Indivisível República Napolitana” na manhã de 21 de janeiro de 1799. Na ocasião, ela declamou um Hino à Liberdade, hoje perdido.
Em 29 de janeiro, Carlo Lauberg, Presidente do Governo Provisório da República Napolitana, anunciou o próximo lançamento do Monitore Napoletano, um jornal que forneceria notícias de todas as operações do governo. Pimentel foi sua diretora e única editora.
A jornalista ganhou notoriedade através do periódico. Defendeu a educação das massas, o que era uma ideia radical na época.
No entanto, a desilusão de Eleonora com o comportamento do exército francês foi crescendo com o tempo. Ela começou a alertar os leitores de seu jornal sobre os perigos de um possível caos.
Enquanto isso, as tropas monarquistas chegaram às portas de Nápoles em 8 de junho, data da publicação da última edição do Monitore.
Apesar de um acordo com os republicanos, o soberano não respeitou a anistia pactuada.
Em 28 de junho de 1799, Fonseca Pimentel tentou fugir para a França com um grupo de republicanos. No entanto, foi detida antes que o navio pudessem deixar o porto.
O próprio Monitore foi usado para condená-la. Pimentel já havia admitido sua culpa em troca do exílio perpétuo. No entanto, o Conselho de Estado considerou nula a comutação da pena. A cientista, migrante e talvez mais inteligente pessoa em Nápoles de sua época foi condenada à morte por enforcamento. Eleonora pediu para ser decapitada, privilégios dos aristocratas, mas seu pedido foi negado. Como uma mulher audaz que fora, ela deveria ser um exemplo.
Ao meio-dia de 20 de agosto de 1799, Eleonora manteve a calma ao atravessar a Piazza Mercato, enquanto os partidários do monarca gritavam: “Viva Carolina, morte à Jacobina”. Ela havia bebido seu último café e subiu à forca quando disse suas últimas palavras, citando Virgílio: forsan et haec olim meninisse juvabit — “Talvez agrade as pessoas um dia lembrar dessas coisas”.